Preto Amparo estabelece relação direta com o público, que é convidado a caminhar junto com ele até o local da apresentação de

Preto Amparo estabelece relação direta com o público, que é convidado a caminhar junto com ele até o local da apresentação de "violento"

crédito: Pablo Bernardo/Divulgação

 

 

O ator e iluminador Preto Amparo apresentou, em 2016, na Escola de Belas Artes da UFMG, durante uma ocupação artística, uma performance em que se colocava nu diante da plateia. O intuito, conforme diz, era conversar sobre o corpo negro no espaço das artes. “Os professores fecharam o prédio para as pessoas não acessarem esse corpo negro nu. Essa recepção para aquele trabalho foi um dado importante, que me levou a convidar Alexandre de Sena para desenvolvermos a cena”, recorda.

 

 


Essa foi a origem do espetáculo “Violento”, que estreou em 2017 e volta ao cartaz nesta sexta-feira (22/11) e sábado (23/11), no Teatro Espanca, com entrada franca. “Uma escola de arte que não consegue conviver com o corpo negro suscitou em nós uma discussão sobre como esse corpo é visto na sociedade”, diz Preto Amparo.

 

 


“Violento” já esteve em cartaz em diversos festivais e cidades brasileiras. Desembarcou inclusive em Bruxelas, na Bélgica. As apresentações deste fim de semana integram o projeto “Teatro Espanca – Manutenção 2024”, apresentado pela Secretaria Municipal de Cultura, aprovado no edital Zona Cultural Praça da Estação.

 


O artista salienta que o solo dirigido por Alexandre de Sena não trata estritamente de racismo, mas do contexto estrutural que o sustenta. “Nosso olhar não está pautado apenas no racismo, mas em como a sociedade vê o corpo negro. ‘Violento’ trata da nossa existência, que por si só incomoda. O que a gente traz como elemento para a cena é uma parte do que esse corpo masculino preto passa na sociedade”, diz.

 


Maleabilidade

 


O diretor conta que, quando foi convidado pelo ator para assistir à cena, considerou que havia ali uma “potência muito grande”, que dispensava outros recursos ou adereços. “Apenas inseri alguns elementos para atingir outros públicos e abarcar outras linguagens”, diz Alexandre. Ele destaca que “Violento” guarda em si certa maleabilidade, que faz com que possa se encaixar tanto em festivais de teatro quanto de dança ou performance, dentro e fora do Brasil.

 


“A cada vez que nos apresentamos, recriamos o final”, exemplifica. “No mês passado, quando fomos para Caruaru (PE), um pensamento que tínhamos para o desfecho era como fazer com que o público sentisse que o espetáculo terminou sem, no entanto, sair daquele contexto”, afirma. Preto Amparo observa que essa maleabilidade é possível porque o lastro é a experiência vivida. Ele cita um episódio ocorrido na última quarta-feira (20/11), Dia da Consciência Negra.

 


“Fomos nos apresentar em São José dos Campos (SP) e, a caminho, no ônibus, uma pessoa branca nos interpelou se não estávamos ocupando o assento dela. Começou ali, já estávamos em cena”, diz, acrescentando que o espetáculo tem um movimento que é de andar com o público.

 

 

“Violento” começa na calçada ou no saguão do teatro, com o ator, de moletom com capuz, puxando por um fio um carrinho de brinquedo que mimetiza uma viatura policial. “São questões que estão com a gente o tempo todo”, aponta.

 

Além do diretor e do ator, que também assina a iluminação, “Violento” conta com uma equipe enxuta, com Grazi Medrado na produção, Pablo Bernardo nos registros de foto e vídeo, Wallison Culu, da Cia. Fusion de Danças Urbanas, na preparação corporal e Barulhista como assessor para a trilha sonora.

 


“Passamos por escolas técnicas e cursos superiores, então somos herdeiros de uma decadência do teatro em termos de circulação, o que acontece, sobretudo, com grupos grandes. Tentamos fazer tudo caber dentro de uma mala, o que facilita o deslocamento. Em São José dos Campos fomos só nós dois. O processo de criação de ‘Violento’ foi todo à base de reuniões e ensaios abertos”, comenta Alexandre. A estratégia tem alcançado o resultado desejado, segundo a dupla.


Espetáculo vivo

 

Preto Amparo diz que, desde 2017, o espetáculo é levado aos palcos todos os anos. “Ele está vivo desde então. Ter uma obra que dialoga com o que está acontecendo permite isso, porque ela se adapta, não em termos de enredo, mas de vivência. Isso diz da relação que temos com a própria arte, algo que não passa pelo desejo egoico de chegar a um lugar predeterminado; é mais bater laje mesmo, porque é o nosso ofício, passa por comunicarmos quem somos. É uma trajetória verdadeira, não é projetada”, afirma.

 


Ele diz que o encontro com o público desde a estreia tem criado lastro. “Em todos os lugares por onde passamos, estabelecemos contatos que permanecem. A arte é uma forma de comunicação e de sobrevivência.”

 

 

O ator, no entanto, é cético quanto a avanços no que diz respeito à luta antirracista ou à forma como corpos pretos são vistos. “Vejo uma ilusão de representação e representatividade. Algumas pessoas aparecem mais, ocupam determinados cargos, mas não acredito que isso seja mudança estrutural da sociedade.”

 

“VIOLENTO”


Solo de Preto Amparo. Direção: Alexandre de Sena. Sessões nesta sexta (22/11) e sábado (23/11), às 20h, no Teatro Espanca (Rua Aarão Reis, 542, Centro). Entrada franca, sujeita à lotação do espaço. A bilheteria abre às 19h.