Personagens do novo longa-metragem da diretora paulista têm inspiração em políticos atuais, incluindo Jair Bolsonaro -  (crédito: aline arruda/divulgação)

Personagens do novo longa-metragem da diretora paulista têm inspiração em políticos atuais, incluindo Jair Bolsonaro

crédito: aline arruda/divulgação

 

Carregado de humor ácido e crítica aguda a diversos aspectos da sociedade brasileira, o novo filme de Anna Muylaert, “O clube das mulheres de negócios”, estreia nesta quinta-feira (28/11). O longa marcou a abertura da 18ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, realizada entre 24 e 29 de setembro, que teve a cineasta como homenageada.

 


O filme acompanha o veterano fotógrafo Jongo (Luís Miranda) e o inexperiente repórter Candinho (Rafael Vitti), que são enviados ao tal clube das mulheres de negócios, presidido por Cesárea (Cristina Pereira). A caminho da suntuosa propriedade à beira de um lago, Jongo adverte o colega que as sócias do clube estão implicadas com a Justiça, envolvidas em crimes e que, nas entrevistas, ele não deve se furtar a fazer perguntas incisivas.

 


As mulheres de negócios são Norma (Irene Ravache), quatrocentona corrupta; Zerife (Katiuscia Canoro), obcecada por armas, que quer ser presidente do Brasil; Yolanda (Grace Gianoukas), fazendeira predadora; Patrícia (Shirley Cruz), bispa milionária; Kika (Polly Marinho), cantora de funk famosa; a advogada Fay Smith (Helena Albergaria) e a conquistadora Donatella (Ítala Nandi). Brasília (Louise Cardoso) é a fiel escudeira de Cesárea, atuando como governanta do clube.

 


A descrição das personagens é suficiente para deixar claro que elas, na verdade, representam os homens de uma elite brasileira poderosa, opressora, assediadora e eventualmente violenta. “O clube das mulheres de negócios” tem nessa inversão de papéis sua sagaz premissa. Os homens que aparecem na trama –maridos das sócias do clube e serviçais da propriedade – estão no lugar da objetificação, da fragilidade e da submissão.

 


Atores com roupas femininas

Mesmo Jongo e Candinho, que não estão, a princípio, condicionados àquele ambiente, usam roupas femininas. Os garçons desfilam para lá e para cá trajando shorts curtos e apertados, que destacam coxas e glúteos que a câmera segue de forma acintosa. As sócias do clube reagem taxativamente e eventualmente agressivamente às perguntas de Candinho. Inquirida sobre seus esquemas de corrupção, Norma pede que ele desligue o gravador e evoca um país cronicamente inviável.

 


A diretora afirma que a motivação para fazer “O clube das mulheres de negócios” foi seu sentimento de estupefação diante do caminho histórico que a política brasileira tomou a partir de 2016. “Acho que é o meu filme mais escrachadamente político, com figuras do cenário político nacional – algumas antigas, outras novas – claramente expostas em cena”, diz. Todas as sócias do clube evocam alguma dessas figuras.

 


A Zarife vivida por Katiuscia Canoro é escancaradamente uma representação de Jair Bolsonaro, conforme aponta. “É personagem criada mesmo para evocar nosso ex-presidente autodenominado imbrochável”, diz, acrescentando que as sócias do clube também aludem aos “integralistas do século passado e a vários líderes narcisistas que estão sendo eleitos pelo mundo atualmente, como Donald Trump, todos com posturas muito parecidas”.

 

"Catarse feminista"


Anna diz que a ideia de trabalhar com a inversão de papéis lhe veio pouco antes do #MeToo – o movimento contra o assédio e a agressão sexual que se espalhou pelo mundo a partir de 2017 e que levou às acusações de abuso sexual contra Harvey Weinstein, produtor de Hollywoodfoi condenado a 23 anos de prisão. “Foi um momento de inflamação meu e de muitas mulheres, uma catarse feminista”, ressalta.

 


“Eu queria espelhar, com os corpos trocados, as injustiças, humilhações e violências que nós, mulheres, vivemos cotidianamente, mas que são normalizadas por séculos de educação de gênero. Eu queria que, ao ver as cenas com os corpos trocados, talvez os homens percebessem certos absurdos que praticam, muitos deles de forma inconsciente”, acrescenta.

 


Dose de suspense

Sem perder o tom satírico, “O clube das mulheres de negócios” incorpora o suspense a partir de certa altura. Cesárea cria onças em sua propriedade e, num dado momento, Jongo e Candinho descobrem que os animais fugiram do local onde ficam presos. Com o passar do tempo, os dois vão se deparando com outras situações que inflam o clima de tensão. Anna observa que essa mistura de gêneros é usual em sua filmografia.

 


“Meus filmes, em alguma medida, sempre trabalharam três gêneros – a comédia, o drama e o suspense –, desde 'Durval Discos' (2002). No caso do 'Que horas ela volta?' (2015), esses três gêneros andam juntos, quase de forma homogênea. 'O clube das mulheres de negócios' tem um tom de chanchada do início ao fim, mas a ideia é dizer que aquilo que parece engraçado, no fundo, não é. É perigoso”, afirma.

 


“O CLUBE DAS MULHERES DE NEGÓCIOS”
(Brasil, 2024, 95 min.). Direção: Anna Muylaert. Com Luís Miranda, Rafael Vitti, Cristina Pereira e Louise Cardoso. Estreia nesta quinta-feira (28/11), no UNA Cine Belas Artes (Sala 3, 19h10) e no Cinemark Pátio Savassi (Sala 2, 12h30 e 15h10).