Uma das figuras mais emblemáticas da história de Belo Horizonte, Cintura Fina terá sua trajetória homenageada em “Fazer festa com o perigo”, novo espetáculo da Plataforma Beijo. As apresentações ocorrem desta quinta-feira (28/11) a domingo (1/12), no Viaduto Santa Tereza.
Nascida no Ceará, Cintura Fina viveu por 27 anos em Belo Horizonte, entre 1953 e 1980, enfrentando o conservadorismo com orgulho e coragem. Negra e travesti, marcou a história da luta pelos direitos das pessoas LGBTQIAP+ e, em 2021, recebeu o título de cidadã honorária de BH. No final da vida, mudou-se para Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde faleceu em 1995, aos 62 anos.
Conhecida como “Rainha da Navalha”, por usar o objeto como proteção contra ataques transfóbicos, teve diversas profissões ao longo da vida. Trabalhou como cozinheira, faxineira, lavadeira, gerente de pensão, profissional do sexo, alfaiate, cabeleireira e gari.
Sempre afirmando sua identidade em um período marcado pelo machismo e a homofobia, tornou-se um símbolo de liberdade e resistência, inspirando gerações até hoje.
Memória e ficção
“Fazer festa com o perigo” marca o início das celebrações dos 10 anos de atividades da Plataforma Beijo, coletivo que investiga a memória LGBTQIAP+ nos espaços urbanos. Desde março deste ano, o grupo trabalha na peça, que combina memória e ficção para explorar a história da personagem.
O processo de criação do texto de Altemar Di Monteiro teve como principal fonte de pesquisa o livro “Enverga, mas não quebra”, de Luiz Morando, a única biografia de Cintura Fina. Luiz também atuou como consultor do espetáculo. No entanto, a falta de registros detalhados trouxe para a equipe da peça um dilema: seria possível interpretar Cintura Fina? Segundo a atriz Bramma Bremmer, a resposta foi negativa.
“A pergunta de quem interpreta a Cintura Fina nos acompanhou durante o processo. Esse livro do Luiz é um dos primeiros documentos, a primeira biografia sobre ela. Não temos muitos registros sobre sua vida, apenas memórias coletivas dos moradores da Lagoinha”, explica.
Com elenco formado por Cláudio Dias, Eli Nunes, Igui Leal, Nickary Aycker, Will Soares, além da já citada Bramma Bremmer, e direção de Amora Tito, a peça une realidade e fabulação para a construção da narrativa.
“Não é um trabalho biográfico, mas um trabalho feito a partir dos recortes que temos da trajetória de Cintura Fina. É importante trazer a história dessa travesti para que ela não caia no esquecimento e não seja mais uma pessoa vista de forma estereotipada”, afirma Amora.
Verdadeira essência
Cintura Fina já foi retratada na minissérie “Hilda Furacão”, mas a escolha do ator Matheus Nachtergaele, um homem branco e cis, para interpretá-la é hoje vista como problemática. “A peça traz essa atualização, mostrando que a Cintura Fina da televisão não reflete quem ela realmente foi. Queremos recontar essa história, corrigindo apagamentos e apresentando sua verdadeira essência”, diz Bramma.
Na história, o rumor de que Cintura Fina está de volta à cidade agita os moradores de Belo Horizonte durante o período do carnaval. “A peça não apresenta Cintura Fina como personagem fixa, mas como uma ideia que povoa o imaginário coletivo e os personagens. A verdade é que ela nunca chega ou nunca partiu. Mesmo tendo falecido, continua viva na memória como essa presença marcante”, afirma a atriz.
Entre os personagens, Dona Teresa, vivida por Bramma, é uma senhora que se incomoda com o carnaval e com a possível volta de Cintura Fina. “Ela quer defender os valores da população e da família de bem”, conta a intérprete.
Por outro lado, a personagem Pablo é quase um fã da personagem e se entusiasma com o retorno dela. Dona Zezé, por sua vez, representa uma visão de como seria Cintura Fina se estivesse viva hoje, aos 90 anos.
Com direção musical de Lira Ribas, a trilha sonora é executada ao vivo, utilizando surdo, tamborim e outros instrumentos que remetem ao carnaval. A preparação vocal ficou a cargo de Michele Bernadine, e as músicas foram compostas por Bramma Bremmer.
“As músicas surgiram tanto da pesquisa sobre a vida de Cintura Fina quanto do sentimento de mostrar outras facetas de nós, mulheres trans. Há músicas biográficas e outras românticas”, cita. Uma das composições dá título ao espetáculo.
Amora Tito destaca ainda a importância de realizar o espetáculo na rua. “É simbólico que seja na rua, para que as pessoas que muitas vezes não entram no teatro também possam participar. Estando na rua, o espetáculo é atravessado por tudo: transeuntes, vendedores, pessoas que atravessam a cena, animais. É esse palco da vida por onde Cintura transitou muito”.
Para 2025, estão previstas apresentações na Lagoinha, bairro onde Cintura viveu, e em outras regiões de Belo Horizonte.
“FAZER FESTA COM O PERIGO”
Espetáculo da Plataforma Beijo. Desta quinta-feira (28/11) a domingo (1º/12), no Viaduto Santa Tereza, em frente à Serraria Souza Pinto, Centro. Hoje e sexta, às 16h; sábado e domingo, às 15h. Evento gratuito.