Folhapress - Filmes com personagens com doença incurável não têm muito segredo: é certo que, em algum nível, conseguirão a empatia do espectador. O problema é que o cinema já abordou essa situação humana tantas vezes, e de maneiras tão sensacionalistas, que o público, com o tempo, passou a ter um pé atrás com obras do tipo. Acabou ficando receoso, exausto de se sentir tão explorado emocionalmente.

 

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É muito difícil falar de pessoas que não podem ter grandes perspectivas de futuro sem tatear zonas afetivas muito delicadas do espectador. Então, apesar de esses filmes falarem ao público com força em termos de imediatez, muitas vezes o que permanece em quem assistiu é a sensação de ter sido manipulado, muito mais do que o drama do personagem em si.

 



 

“Todo tempo que temos” traz uma protagonista que sabe que não viverá muito, mas é um filme que notadamente procura evitar cair nas armadilhas mais óbvias.

 

Evidentemente, o longa falha em muitos momentos, mas no geral preserva alguma dignidade tanto? da protagonista quanto do projeto como um todo.

 

 

 

É a história de Almut (Florence Pugh), chef de cozinha cheia de vivacidade que se apaixona por um executivo gentil, mas meio desbotado, Tobias (Andrew Garfield). Ela descobre que o câncer que julgava superado voltou, desta vez mais agressivo e sem lhe dar chances de sobrevivência. O casal precisa se adaptar à nova rotina, embora percalços variados atrapalhem o convívio.

 

Parece até uma história romântica banal e de fato é, em essência, mas o diretor John Crowley procura narrar a trama de modo menos corriqueiro. Faz uso de idas e vindas temporais, no começo obtendo resultados bastante satisfatórios, sempre com alguma pequena surpresa ao espectador.

 

Sabor especial

 

Os cortes são muito bem efetuados e espertamente escolhidos, então o filme tem um sabor especial de constante descoberta em sua metade inicial. Mas nos acostumamos com a fórmula, e de repente tudo começa a ter menos relevância do que o lado lúdico de tentar adivinhar qual será o próximo espavento que o roteiro vai nos propiciar.

 

Propositalmente ou não, o repertório de firulas da narrativa logo assume seu esgotamento. Quando o filme deixa de depender tanto das mudanças temporais e passa a ficar mais fixo em tempos determinados, inicialmente dá a impressão de que a coisa toda vai eclodir na mesmice das comédias românticas habituais. Existe um princípio de decepção, ali.

 

 

Felizmente, nesse ponto, a situação dramática envolvendo o casal Almut e Tobias já tinha conseguido força própria. Finalmente, os temas de fundo do longa acabam surgindo, naturalmente.

 

Crowley consegue resultados excelentes, se levarmos em conta que a escalação do elenco não tinha muito para funcionar.

 

 

Pugh é uma das melhores atrizes de sua geração. Mas tem uma face que, mesmo relaxada, parece dura, impaciente demais. Não é a atriz ideal ou, ao menos, a arquetípica para comédias românticas.

 


Garfield é ator cujo rosto sugere quase sempre uma pessoa dócil, passiva e por vezes até meio abobada. Nas cenas em que contracenam, Pugh não deixa muita escolha ao parceiro que não seja lacrimejar.

 

Curiosamente há alguma química entre eles, embora não tanta. Mas o suficiente para não prestarmos muita atenção a idiotices identitárias do roteiro, como a desnecessária indicação de que Almut é bissexual.

 


Isso surge de forma tão antinatural que parece ser um salvo-conduto para a personagem poder ter certas posições talvez “assertivas” demais para uma mulher hétero. Ou, pior ainda: para chancelar o desejo de Almut de nunca ter filhos.

 

 

Nessas pequenas mas importantes inabilidades, o filme perde a capacidade de discutir questões mais centrais com relevância. E de se distinguir para além das estripulias temporais momentaneamente prazerosas, mas esquecíveis em não muito longo prazo. (Bruno Ghetti/Folhapress) 

 

“TODO TEMPO QUE TEMOS”


EUA, 2024, 107 min. De John Crowley, com Andrew Garfield, Florence Pugh e Marama Corlett. Em cartaz nos cinemas BH, Boulevard, Cidade, Del Rey, Diamond, Itaú, Minas, Partage Betim, Ponteio, UNA Cine Belas Artes, Via e Itaú.

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