Em sua trajetória como poeta, Carlos Drummond de Andrade não encontrou somente pedras, conforme escreveu em “No meio do caminho tinha uma pedra”. Desde que começou a publicar artigos e poemas, na década de 1920, o itabirano constantemente se deparou com o cinema.
“O primeiro artigo que ele publicou em jornal – era um jornal pequeno que funcionava perto da Praça da Estação – foi sobre o filme ‘Diana, a caçadora’, que estava causando rebuliço entre os belo-horizontinos, que o consideravam imoral”, conta Roberto Said, professor de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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“O cartaz do filme tinha certa nudez. Por causa disso, a Liga da Moralidade, que existia em Belo Horizonte na época, se empenhou em proibir o filme. O Drummond, então, escreveu um artigo falando que, embora o filme fosse esteticamente pobre, a polêmica não se justificava. E ainda ressaltou a configuração contraditória de Belo Horizonte, uma cidade arquitetonicamente moderna, mas, ao mesmo tempo, moralmente conservadora”, acrescenta o professor.
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Ao lado do ex-aluno Pedro Rena, Said assina a curadoria da mostra “Drummond e o cinema”, em cartaz desta quinta-feira (7/11) até próximo dia 17, no Cine Humberto Mauro. Serão exibidos 39 filmes, entre longas e curtas-metragens, que têm alguma relação com o poeta e sua obra. Também serão realizados bate-papos com Humberto Werneck, Heloisa Starling e José Miguel Wisnik, entre outros.
Eixos
Said e Rena dividiram os filmes em quatro eixos. No primeiro, foram selecionados títulos do século 20 que Drummond admirava e escreveu sobre (caso de “Tempos modernos”, de Charlie Chaplin; e “Morangos silvestres”, de Ingmar Bergman). No segundo, estão os filmes brasileiros que se relacionam com a obra do poeta (por exemplo “O padre e a moça”, de Joaquim Pedro de Andrade, baseado no poema “O padre, a moça”).
O terceiro eixo conta com produções nacionais com temáticas semelhantes às que Drummond abordava, como a exploração mineral e a cidade moderna (caso “Metrópolis”, de Fritz Lang; e “Rejeito”, de Pedro Fillippis). Por fim, no quarto eixo estão filmes que incorporam um viés poético do mineiro (“Eu vi nos seus olhos, da janela, eu vi, que era o fim”, de Larissa Muniz).
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“A poesia do Drummond de alguma forma se nutre pela sétima arte”, avalia Said. “O cinema é arte do corte, do enquadramento. É uma arte do olhar. E a gente vê isso no poema de Drummond. Ele faz um close nas pernas subindo o ônibus e, de repente, volta para um panorama mais amplo”, acrescenta, referindo-se ao “Poema das sete faces”.
Grande Otelo e Chaplin
Alguns títulos podem parecer avulsos dentro da programação. Caso de “Macunaíma” (1968), de Joaquim Pedro de Andrade. De acordo com Pedro Rena, o longa foi escolhido pela admiração que Drummond tinha pelo diretor e por Grande Otelo, protagonista do longa.
“Em documentário recente sobre o Grande Otelo, há uma cena em que Drummond diz que se pudesse ser outra pessoa na vida, ele escolheria ser o Grande Otelo”, conta Rena.
“Um outro aspecto que é interessante observar nele (Drummond)”, continua Rena, “é que filmes que admirava, como os do Chaplin, refletem um pouco da poesia dele: conseguem ser ao mesmo tempo populares e reflexivos”, conclui.
“DRUMMOND E O CINEMA”
Desta quinta-feira (7/11) a 17 de novembro, no Cine Humberto Mauro (Av. Afonso Pena, 1.537 – Centro). Entrada franca. Nesta quinta, “Vida e verso de Carlos Drummond de Andrade” (2014), de Eucanaã Ferraz, às 19h; e “O fazendeiro do ar” (1972), de Fernando Sabino, às 21h15. Na sequência, bate-papo com Roberto Said e Humberto Werneck. Entrada gratuita. Informações e programação completa: cinehumbertomauromais.com/programacao.