Entre os equipamentos culturais da cidade, o CCBB BH não é exatamente um espaço de referência para o cenário da música erudita, mas abre suas portas neste domingo (10/11) para um recital que celebra a obra de Oscar Lorenzo Fernândez (1897-1948). A apresentação, de qualquer forma, mantém certa proximidade com o universo da música popular – esta sim, bem mais presente na programação regular do centro cultural que integra o Circuito Liberdade.

 



 

O duo de violão e voz formado pelo mineiro Anderson Reis e pela soprano gaúcha Caroline Peres vai se concentrar nas canções do compositor carioca. O programa do recital, intitulado “Canta violão pra eu sonhar”, inclui 12 delas, como “Dentro da noite”, “Trovas de amor”, “Canção ao luar” e “Coração inquieto”. Caroline pontua que uma parte da apresentação é dedicada ao maestro e compositor paraense Waldemar Henrique (1905-1995), cuja obra dialoga com a de Fernândez.

 

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Ela diz que a proposta é a de um recital didático, em que o duo busca expor, por meio de músicas e explanações, os elos da cultura popular brasileira com as influências europeias na música do compositor. “Vamos procurar levar ao público mais conhecimento sobre Lorenzo Fernândez, falando da época em que viveu, do contexto histórico e também um pouco de como foi o processo de transcrição de uma obra originalmente escrita para um instrumento, o piano, para outro, o violão”, destaca.

 

Encontro na UFMG

 

Ao mencionar esse processo de transcrição, ela remonta ao embrião de sua parceria com Anderson Reis e da própria concepção do recital em torno de Fernândez. Os dois se conheceram em 2019, quando Caroline, que é formada em canto lírico pela Universidade Federal de Pelotas (RS), estava cursando o mestrado na Escola de Música da UFMG, onde Reis estava às voltas com o doutorado, tendo como objeto de estudo justamente Lorenzo Fernândez.

 

 

“Ele estava transcrevendo obras escritas para canto e piano para o formato canto e violão. Anderson precisava de uma voz para acrescentar nesse trabalho de transcrição. Começamos lidando com esse repertório como um campo de estudo, mas como deu muito certo resolvemos montar o duo”, diz.

 

Presença do folclore

 

A artista diz que essa apresentação já passou por alguns palcos, mas ainda não foi vista tão completa como será agora, no CCBB-BH. “Lorenzo Fernândez tem muitas canções escritas para piano e voz que Anderson transcreveu, e o que a gente vem mostrando são recortes desse repertório, com algumas músicas que entram e outras que saem. De qualquer forma, um roteiro com 12 peças, é a primeira vez que vamos fazer”, ressalta.

 

A obra de Fernândez pode ser divida em três momentos, embora suas características se entrelacem em cada um deles. O primeiro (1918-1922) é marcado pela influência do impressionismo francês, com harmonias complexas e o emprego da bitonalidade. O segundo (1923-1938) tem como principal característica o aproveitamento sistemático do folclore na produção camerística, orquestral e pianística. Nesta fase, o compositor focaliza os populários negro, ameríndio e caboclo, com forte viés nacionalista.

 

 

O terceiro momento (1939-1948) representa uma fase universalista, em que Fernândez compõe canções, suítes sinfônicas, balés, peças para piano, música de câmara, concertos e sinfonias. A segunda fase, quando esteve próximo dos modernistas e chegou a compor um de seus temas mais famosos – “Toada para você”, com letra de Mário de Andrade –, é considerada o ponto alto de sua produção. A obra lírica do compositor registra 48 canções, a maior parte com inspirações da seresta.

 

Caroline diz que foi essa percepção que motivou Anderson a estudar Fernândez no doutorado. “Quando ouvia as canções para canto e piano, ele dizia escutar um estilo muito violonístico, com melodias típicas das serestas. O que mais esse compositor tem que pode soar bem no idioma do violão? Foi a questão que o moveu. Ele foi encontrando várias canções que poderiam ser transcritas, se deparou com coisas feitas para o piano que eram muito próximas do violão”, diz.


Linguagem violonística

 

Ela observa, contudo, que alguns dos temas exigiram adequações, porque tinham um estilo mais estritamente pianístico. “Foi todo um processo de investigação e pesquisa para fazer essas transcrições, que deram muito certo nesse formato voz e violão, mesmo as que não tinham tanto essa linguagem”, diz. Caroline ressalta, no entanto, que a escolha do repertório que será apresentado no CCBB-BH foi orientada pela melhor adequação da escrita original à linguagem violonística.

 

“Pegamos as canções que migraram de forma mais natural do piano para o violão. São instrumentos muito diferentes, então pensamos na proximidade”, explica. Ela destaca ainda que é um programa que atende melhor à ideia de um recital didático. “Ele é reconhecido como um compositor de música erudita, mas trazia para dentro disso estilo e traços da música popular, da seresta, do choro. Lorenzo Fernândes colocava em diálogo as influências europeias com esses estilos da época, o choro, a seresta, a canção”, destaca.

 

Raízes em Montes Claros

 

A filha de Lorenzo Fernândez, Marina Helena Lorenzo Fernândez Silva, fruto do casamento de 20 anos com Irene Soto Lorenzo Fernândez, é a principal continuadora das ideias e realizações do pai. Em 1960, ela fundou o Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernândez, em Montes Claros, no Norte de Minas, onde fixou residência, e, em 1987, a Faculdade de Educação Artística da Fundação Norte-Mineira de Ensino Superior, atual Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

 

Posteriormente, presidiu por 20 anos o Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro, fundado por seu pai. É de Marina Helena Lorenzo Fernândez Silva a idealização do Projeto Lorenzo Fernândez Digital, inaugurado em 2020 com o objetivo de tornar acessível todo o legado artístico do compositor.

  

“CANTA VIOLÃO PRA EU SONHAR”
Recital didático com a soprano Caroline Peres e o violonista Anderson Reis, neste domingo (10/11), às 19h, no Teatro 1 do CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450 – Funcionários). Entrada franca, com retirada de ingressos pelo site ccbb.com.br/bh ou na bilheteria local. Informações: (31) 3431-9400.

 

 

 

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