É dia comum de miséria e fome na Terra pós-apocalíptica, quando um ser alado cai do céu. Um humano, que cuida dos próprios interesses em meio ao lixo que ocupou toda a superfície do planeta, se surpreende ao encontrar o homem estranho em seu quintal. Mas a figura seria realmente um homem? Ou apenas um delírio de uma alma faminta?

 

 


A curiosa premissa, inspirada no conto “Un señor muy viejo con unas alas enormes”, do colombiano Gabriel García Márquez, ocupou os palcos de 23 cidades brasileiras desde a sua estreia, em 2013. Com dramaturgia e direção de Marcelo Flecha e realização da Pequena Companhia de Teatro, do Maranhão, o espetáculo “Velhos caem do céu como canivetes” chega finalmente a Belo Horizonte para temporada no CCBB BH. A primeira apresentação acontece nesta sexta-feira (15/11), às 19h.

 



 


“Queríamos explorar temas como exílio, miséria e conflitos de fé. Com a temática definida, procuramos textos teatrais que abordassem assuntos parecidos para realizar a montagem. Como não encontramos, buscamos outros textos literários”, conta Flecha.

 

“Foi a partir disso que chegamos ao conto de Gabriel García Márquez. Adaptamos o texto para explorar os conflitos de fé em uma nova roupagem e com outras problemáticas embutidas.”

 


Em cena estão os atores Cláudio Marconcine, no papel de Ser Humano, e Jorge Choairy, interpretando o Ser Alado. Embora a trama da peça se inspire na obra de García Márquez, há uma diferença crucial no enredo: enquanto no conto o Ser Alado permanece em silêncio diante das indagações do Ser Humano, na dramaturgia de Marcelo Flecha o personagem possui sua cota de falas.

 

 


“Assim, temos dois seres em conflito direto”, explica o diretor do espetáculo. “Como o Ser Alado tem voz na peça teatral, ele responde ao Ser Humano, que, por sua vez, não assume o papel de detentor de uma verdade absoluta.”

 

Alerta ambiental

 

Com fazer artístico voltado à sustentabilidade, a companhia de teatro maranhense utiliza em seus cenários materiais reciclados e objetos em bom estado jogados fora. Em “Velhos caem do céu como canivetes”, é a primeira vez que tal característica é adaptada ao enredo para construir o mundo pós-apocalíptico em que o lixo tomou conta de tudo.

 


“A ideia foi ambientar a história em um mundo que reciclar já não faz diferença. Ou seja, a quantidade de lixo descartada foi tamanha que tomou conta de todo o planeta Terra. Nesse sentido, o Ser Humano está cercado por tanta poluição que nada pode ser reaproveitado. Como tudo é lixo, nada mais tem valor”, explica Flecha. “A temática pós-apocalíptica que trabalhamos é sempre um alerta para o nosso futuro possível. A irresponsabilidade ambiental é tratada aqui não de uma forma panfletária, mas dialética e sutil.”

 


No palco do CCBB BH, jornais, banners, latas de refrigerante e pedaços de madeira dão forma ao cenário do fim do mundo. Tudo forma, segundo Flecha, “um mosaico do quanto o desperdício humano tem gerado consequências.”

 


“Trabalhamos com todo tipo de descartável, mas principalmente com o descarte urbano improvável. Estou falando de lustres, luminárias, coisas que você nem imagina que estão sendo jogadas fora. Tudo vai para o palco”, diz o diretor.

 

Oficinas e bate-papos

 

A identidade do Ser Alado permanece um mistério até o fim da montagem. Apesar de afirmar ser alguém em exílio, o Ser Humano desconfia da figura misteriosa, que pode ser um anjo, demônio, galinha falante ou até mesmo uma alucinação.

 

O que importa de fato, afirma Flecha, é o diálogo que se estabelece entre os dois. De um lado, habita o ceticismo e a desesperança; do outro, o acalento para as preocupações de alguém que já não acredita em nada.

 


Além do espetáculo, que permanece em cartaz até 9 de dezembro, a Pequena Companhia de Teatro leva ao CCBB BH exposição, oficinas, bate-papos e residência artística.

 


“VELHOS CAEM DO CÉU COMO CANIVETES”


Texto e direção de Marcelo Flecha. Com Cláudio Marconcine e Jorge Choairy. Estreia nesta sexta (15/11), às 19h, no Teatro 2 do CCBB BH (Praça da Liberdade, 450 – Funcionários). Até 9 de dezembro, sempre de sexta a segunda, no mesmo horário. Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda no ccbb.com.br/bh e na bilheteria local.

 

* Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro

 


OUTROS ESPETÁCULOS

 


• “A ÚLTIMA ÓPERA”


O aclamado espetáculo mineiro “A última ópera” fará o que pode ser sua última apresentação neste sábado (16/11), às 20h30, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244 – Lourdes). Em cartaz desde 2022, a trama aborda uma família complicada cuja matriarca, uma artista de ópera dada como morta, faz um retorno inesperado. Em meio à partilha de bens, a peça dirigida por Gustavo Des se torna uma comédia ácida. Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 meia), à venda na plataforma Sympla.

 


• “O AMOR POSSÍVEL”

 

Dirigida e interpretada por Priscila Duarte, o espetáculo-solo “O amor possível”, do grupo Teatro Diadokai, é uma adaptação do romance “A caverna”, de José Saramago. Na trama, o oleiro Cipriano Algor tem uma crise existencial ao encarar as evoluções do mundo, percebendo que seu ofício de cerâmica pode ser afetado pela produção em série das indústrias. Para interpretá-lo, Priscila modela, utilizando barro fresco em cena, objetos e seres relacionados à narrativa. Em cartaz no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613 – Horto), nesta sexta (15/11) e sábado (16/11), às 19h. No domingo (17/11), às 18h. Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda pelo Sympla.

 


• “VOCÊ PERTO…”

 

A Cia de Dança Palácio das Artes (CDPA) faz seu retorno aos palcos com o espetáculo “Você perto…”, apresentado neste domingo (17/11), às 19h, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537 – Centro). Assinada por Henrique Rodovalho, a coreografia, que estreou em junho deste ano, explora a proximidade e a conexão humana, em um ensinamento sobre a importância das relações para o desenvolvimento pessoal. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia), à venda pelo Eventim e na bilheteria local.

 

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