Um encontro e um reencontro marcam “Ainda estou aqui” para Selton Mello. É a primeira vez que o ator de 51 anos trabalha com o cineasta Walter Salles. Ao mesmo tempo, ele retoma a parceria na tela com Fernanda Torres. “Estar perto de gente que eu admiro me dá a certeza de que fiz boas escolhas na vida”, diz ao Estado de Minas o intérprete do ex-deputado Rubens Paiva, torturado e morto pela ditadura militar.

 

“É um filme importante porque, ao falar sobre o passado, ilumina o presente por meio da história de uma família”, acredita.

 

 

Selton conta que as cenas de “Ainda estou aqui”, em cartaz nas salas de Belo Horizonte, foram filmadas na sequência em que aparecem na tela. Por isso, ele pode ser considerado um “espectador perfeito”. Não tinha visto nada do que foi filmado depois de seu personagem ser levado por agentes a serviço da ditadura militar.

 

“Quando eu saio de cena, tudo foi novidade para mim. Então eu assisti, surpreso e comovido, com o público”, conta.

 



 

Bem mais comedido no uso das redes sociais do que a maioria de seus colegas, Selton registrou na semana passada a comoção provocada pelo encontro com Sean Penn, “meu ídolo de toda a vida”, após uma sessão de “Ainda estou aqui” em Los Angeles.

 

“Ele sentiu minha presença até na ausência e me agradeceu por essa sensação. Isso me emocionou intensamente e carregarei comigo para sempre”, narrou no Instagram, reproduzindo alguns dos comentários do ator de “Sobre meninos e lobos” a respeito de sua atuação.

 

"Eu quero ir lá dentro"

 

 

Mineiro, Selton nasceu em 1972 em Passos, mesma cidade do pai, Dalton. Cresceu em São Paulo, mas mantinha contato com as origens por meio das constantes temporadas em fazendas de familiares, no Sul de Minas. Aos 6 anos, avisou à mãe, Selva, enquanto via televisão: “Eu quero ir lá dentro.”

 

Começou na carreira artística como cantor de programas de auditório. Depois de atuar em produções da TV Bandeirantes na capital paulista, foi convidado pela Rede Globo para fazer novela das oito e mudou-se para o Rio de Janeiro com os pais e o irmão mais novo, Danton, também ator.

 

 


O menino que cresceu assistindo aos filmes de Os Trapalhões e se emocionando com o “E.T.” de Spielberg tornou-se cinéfilo na adolescência.

 

 

Enquanto trabalhava como dublador de séries e filmes, o jovem Selton passou a frequentar com assiduidade uma locadora de vídeo em Copacabana e veio a descoberta da obra de diretores como Stanley Kubrick, Ingmar Bergman e David Lynch. Logo depois vieram os filmes brasileiros.

 

Sganzerla e Hirszman

 

Ele destaca o impacto provocado por “São Bernardo”, de Leon Hirszman, e, em especial “O bandido da luz vermelha”, de Rogério Sganzerla. “Ainda hoje está à frente do seu tempo. A mistura de linguagem, rádio com cinema, policial com televisão sensacionalista, existencialista com programa de auditório... Esse filme tem uma ousadia fascinante na linguagem, é muito pop e muito requintado”, analisa no livro autobiográfico “Eu me lembro”.

 

Ainda no “livro-memória” que lançou em 2023 para marcar os 50 anos de vida e 40 de carreira, Selton Mello cita o filme internacional que mais o emociona: “Paris, Texas”, do alemão Wim Wenders.

 

“Amo esse filme. Harry Dean Stanton (protagonista) me causa uma comoção, me emociono vendo ele em cena. Acho que é o Paulo José americano”, compara, citando o ator brasileiro que dirigiu em seu segundo longa-metragem, “O palhaço” (2011), e sua maior referência de interpretação.

 

 

Além de “Ainda estou aqui”, Selton estará em centenas de telas no fim do ano em outra grande produção brasileira. Estreia no dia 25 de dezembro “O Auto da Compadecida 2”, que reedita as peripécias e presepadas de João Grilo (Matheus Nachtergaele) com o amigo Chicó (Selton), personagens da obra de Ariano Suassuna.


“Fazer o Chicó de novo vai ser muito emocionante. Na verdade, será um grande ato de bravura ser frouxo de novo”, disse o ator, pouco antes de iniciar as filmagens dirigidas por Guel Arraes e Flávia Lacerda.

 

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“Tenho impressão de que ele existe sem mim, sou apenas um veículo para ele sair existindo. Chicó anda com suas próprias pernas, possui sua própria nomenclatura, suas leis. Serei leve e preciso, como ele merece, com graça e sem esforço aparente”, anunciou a Guel em “Eu me lembro”.

 

Na obra autobiográfica, ele responde a perguntas formuladas por atores e diretores de diferentes gerações, de escritores e jornalistas. “Eu represento brasileiros diferentes que cruzaram o meu caminho.”


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