Mesmo com chuva forte durante grande parte do feriadão de 15 de novembro, as sessões de “Ainda estou aqui” ficaram lotadas em diversos cinemas de Belo Horizonte, com público de todas as idades enchendo até as menos visadas fileiras da frente. No feriado desta quarta-feira  (20/11), Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a expectativa é de que as salas fiquem novamente cheias.

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia


O filme de Walter Salles sobre a saga real de Eunice Paiva após o marido, o ex-deputado Rubens Paiva, ser torturado e morto pela ditadura militar, tem mobilizado jovens, despertando neles o interesse por este capítulo abominável da história do Brasil.

 

 


 

O longa estrelado por Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro, indicado para representar o Brasil na briga por uma vaga para disputar o Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025, movimenta as redes sociais. Fotografar a tela do cinema para postar no Instagram virou moda. Cortes das cenas viralizam e atingem milhares de visualizações no TikTok.

 

 

No X (antigo Twitter), o longa está entre os assuntos mais comentados. Por lá, o escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro homônimo que inspirou o longa, compartilha curiosidades sobre o filme.

 

 

Em "Ainda estou aqui", Selton Mello e Fernanda Torres interpretam Rubens e Eunice Paiva, casal que teve a vida destroçada pela ditadura militar

Videofilmes/reprodução

 

Marcelo conta que a data de estreia nos cinemas (7/11) coincidiu com o dia em que sua mãe, Eunice Paiva, completaria 95 anos. Também relata que a obra, lançada em 2015, só pôde ser escrita após a Comissão Nacional da Verdade, instaurada pela ex-presidenta Dilma Rousseff em 2012, trazer à tona documentos cruciais para a narrativa.

 

Livro esgotado

 

O sucesso do filme despertou o interesse pelo livro, que está esgotado no site da Companhia das Letras. Muitos jovens, que até então desconheciam a história do desaparecimento e morte do ex-deputado Rubens Paiva ou não tinham hábito de ir ao cinema, se sentiram incentivados a assistir à produção graças à repercussão on-line.

 


A advogada Izabella Nigri, de 29 anos, foi assistir ao filme acompanhada do irmão, Gabriel Nigri, de 24, e do cunhado, Matheus Mendonça, de 24. Eles não conheciam a história da família de Eunice e Rubens Paiva.

 

Para além do burburinho nas redes sociais, Gabriel conta que foi ver o filme na expectativa de conferir a atuação de Fernanda Torres, enquanto Izabella queria ouvir a trilha sonora. Nela, canções de Erasmo e Roberto Carlos, Gal Costa, Tom Zé e Caetano Veloso transportam o público para a década de 1970.

 

 


Izabella se lembra de ter conversas com os avós durante a adolescência para tentar esclarecer como foi viver naqueles tempos de ditadura militar. Queria saber quais músicas eles ouviam, que bandeiras defendiam e do que sentiam medo. As respostas que recebeu não eram bem o que esperava.

 

“Meus avós estavam apenas tentando sobreviver num país desigual, com uma economia catastrófica. Eles não tinham tempo, condições e nem energia para se engajar”, conta.

 

Fã de Gil e Caetano, músicos exilados pela ditadura militar, ela não se sentiu satisfeita com os relatos familiares. Procurou informações sobre o período conhecido como Anos de Chumbo por meio da música e da literatura.

 

Batalha de memória

 

A professora de história Denise Cardoso relata que, em sua experiência em sala de aula, percebe que os jovens demonstram grande interesse pelo período da ditadura militar no Brasil. “É um dos temas que mais perguntam ‘quando iremos estudar’, ficando atrás apenas da Segunda Guerra Mundial em termos de curiosidade.”

 

 

Rubens Paiva e Eunice com a família. Marcelo Rubens, o menino sentado no chão, escreveu o livro sobre o drama dos Paiva que inspirou o filme "Ainda estou aqui"

Editora Objetiva/reprodução

 


Segundo a professora, o Brasil não tem memória "única" sobre a ditadura militar. Diferentes grupos disputam diferentes narrativas sobre o período. É o que os historiadores chamam de “batalha de memória”. Para ela, esse é o maior desafio ao tratar o assunto nas escolas.

 

“Muitos alunos já chegam com ideias formadas, prontos para questionar. Meu papel é criar um espaço seguro para diálogo e reflexão, no qual todos possam se ouvir, analisar documentos e fatos”, completa Denise.

 


 A professora, que se diz entusiasta do cinema como ferramenta de ensino, vê com bons olhos a repercussão de “Ainda estou aqui”. “O filme desperta interesse sobre o tema em jovens que nasceram 20 anos após o fim da ditadura. Produções assim instigam perguntas e acabam promovendo o conhecimento”, afirma.

 

 

José Oswaldo Rossi e Luciana Abreu dizem que vão pesquisar mais a fundo sobre casos semelhantes ao do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar

Túlio Santos/EM/D.A Press

 

 

O casal formado pela médica Luciana Abreu, de 26, e pelo engenheiro José Oswaldo Rossi, de 25, também foi ao cinema motivado pela repercussão do filme. Depois da sessão, eles fizeram pesquisa sobre o tema e contam que pretendem se aprofundar a respeito de casos semelhantes ao de Rubens Paiva.

 

“Este filme não é apenas para os que viveram aquele período. É um filme que merece ser assistido por todos”, afirma Luciana.

 

Mineira no elenco

 

A mineira Bárbara Luz, de 22, interpreta Nalu, filha de Eunice e Rubens Paiva, o casal de “Ainda estou aqui”. A atriz conta que vem de um lugar privilegiado, em que todas as pessoas ao redor "têm muito presente no espírito a temática abordada no filme”. Bárbara é filha de Inês Peixoto e Eduardo Moreira, atores do Grupo Galpão.

 

“Sinto que minha perspectiva sobre a história do Brasil mudou depois de participar do projeto, sobretudo depois de ter lido o livro. Por ser jornalista, Marcelo (Rubens Paiva) explica muito bem o período historicamente. Foi muito importante me colocar a par de tudo isso”, diz ela.

 

 

A jovem atriz mineira Bárbara Luz, que vive Nalu em "Ainda estou aqui", está feliz com a presença do brasileiro no cinema para ver o filme sobre a família Paiva

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

 


Atualmente cursando artes cênicas na Universidade de Sorbonne, em Paris, ela tem acompanhado a repercussão do trabalho de longe. Sobre a possível indicação ao Oscar, Bárbara diz compartilhar do mesmo ponto de vista de outros atores do elenco: o mais importante é ver o povo brasileiro indo ao cinema.

 

“Sinto que na minha geração existe um desencantamento muito grande com a política. Espero que o filme inspire o falar, o fazer e o manifestar político. E que a juventude acredite na força que a gente tem de não deixar a história se repetir”, afirma a atriz. É também o que dizem esperar Izabella, Gabriel, Matheus, Denise, Laura e José.

 

Mais de 1 milhão de espectadores

 

“Ainda estou aqui” superou 1 milhão de espectadores nas salas de cinema brasileiras. Dirigido por Walter Salles, o longa atingiu a marca após 11 dias em cartaz (estreou em 7 de novembro). Segundo a Sony Pictures, 1,057 milhão de espectadores assistiram ao longa. No segundo final de semana após sua estreia, o público foi 31% superior.

 

 

 

 

O filme de Walter Sales é a segunda produção mais vista no país atualmente, atrás apenas de “Gladiador 2”. Na plataforma de cinéfilos Letterboxd, “Ainda estou aqui” entrou para a lista dos 250 filmes mais bem avaliados entre cerca de 10 mil catalogados no aplicativo.

 

 

Veja o ranking dos filmes brasileiros com a maior bilheteria de 2024:

 

- Minha irmã e eu > 2.294.080 (maior público brasileiro pós pandemia)


- Os farofeiros 2 > 1.907.744


- Nosso lar 2 > 1.645.612


compartilhe