Quando Ângela, a gerente e bartender do Bar & Café Novo Hotel, morre em pleno expediente, os proprietários do estabelecimento decidem revitalizar o espaço, no intuito de dissipar a atmosfera sombria deixada pelo episódio. Para a vaga de gerente, foi escolhida Leila, uma mentirosa compulsiva que quer o sucesso a qualquer preço. Contudo, ela precisa encontrar um bartender para, finalmente, reabrir o espaço.
Essa é a premissa de “Novo Hotel Paraíso: Estudos para um melodrama”, que a companhia mineira de teatro Toda Deseo estreia neste sábado (23/11), no Teatro Francisco Nunes. Escrita por Daniel Toledo e dirigida por Thálita Motta, a peça ficará em cartaz até 1º de dezembro, com sessões duplas (às 18h e às 20h), aos sábados e domingos.
Em cena, Leila (papel de Ju Abreu), ao lado do “faz-tudo” Laerte (David Maurity), seleciona o novo atendente do bar, que, no caso, é a própria plateia.
Participação simbólica
Não se trata de uma participação ativa do público, cumpre dizer. “É uma participação simbólica, mais estrutural. Como se o público fosse um candidato que chegasse cedo para a entrevista e testemunhasse tudo o que acontece no local”, explica Thálita.
O que a plateia presencia é uma confusão desmedida envolvendo Leila, Laerte, o fantasma de Ângela (Idylla Silmarovi) e até uma atriz famosa (interpretada por Thales Brener) convidada para conhecer o Bar & Café Novo Hotel. Tudo com o devido apelo emocional típico do melodrama, transitando por tópicos comuns do gênero – a figura feminina ameaçada, rede de intrigas e segredos, revelações bombásticas, moralidade, vilania e morte.
Apesar de seguir os moldes do melodrama, “Novo Hotel Paraíso…” tem a particularidade de ser um “melodrama mineiro”, com personagens mais retraídos, que tratam os colegas de trabalho como parte da família. “Nós, mineiros, somos mais tímidos em relação a este gênero, ao contrário dos cariocas e paulistas. O que estamos fazendo aqui é tentar explorá-lo com nossa força mineira”, ressalta a diretora.
Cores de Almodóvar
Tanto Thálita quanto a Toda Deseo tiveram como referência os filmes do espanhol Pedro Almodóvar. Assim como o diretor de “Tudo sobre minha mãe”, recorreram a cores vibrantes nos cenários e figurinos, que funcionam como uma extensão das emoções dos personagens, e utilizaram trilha sonora marcante para reforçar o tom emocional da trama.
“O Almodóvar é um dos cineastas que mais explora e reinventa o melodrama”, observa David Maurity, que, além de integrar o elenco da peça, é cofundador da Toda Deseo. “Se ouvirmos Caetano Veloso cantando ‘Cucurrucucú Paloma’, logo lembramos de ‘Fale com ela’. Tentamos trazer isso para o espetáculo: marcar determinadas cenas com trilhas que criem climas de suspense ou tensão”, comenta.
Embora a dramaturgia da peça gire em torno da substituição de Ângela na função de bartender, “Novo Hotel Paraíso…”, em camadas interpretativas mais profundas, aborda questões relativas às relações de trabalho. Todos os personagens foram ou são funcionários do Bar & Café Novo Hotel. E todos têm virtudes e defeitos na mesma medida, de modo que não são explorados arquétipos como o vilão malvado e a mocinha boazinha.
Virtudes e defeitos
Leila, a mulher mentirosa e ambiciosa, pode ser inicialmente vista como a vilã. No entanto, ela não é a única com desvios de caráter: Laerte e Dominik (a atriz convidada para conhecer o bar) também têm suas falhas, que poderiam colocá-los na posição de antagonistas. Assim como os donos do Bar & Café Novo Hotel, Dr. Otelo e Dr. Meneghel, que estão no topo da hierarquia e causam medo nos funcionários sem sequer aparecerem em cena.
A crítica por baixo do verniz melodramático encontra eco no momento atual do país, quando o Congresso Nacional debate a alteração da escala de trabalho 6x1. Porém, Maurity garante que o texto estava pronto muito antes do início da discussão. “Quando começou essa discussão, vínhamos ensaiando há um tempo. Tivemos, então, o insight de que estávamos conseguindo unir ao melodrama questões atuais de grande importância na nossa sociedade”, afirma o ator.
“Novo Hotel Paraíso…” estreia depois de “Trilogia dos traumas”, espetáculo encenado em 2023. Diferentemente da peça anterior, composta por três solos que contavam histórias de vidas transformadas pela pandemia, o novo espetáculo da companhia pretende transitar entre o popular e o denso, deixando a dúvida: a peça é uma crítica com acenos cômicos ou uma comédia com uma forte apelo social?
“NOVO HOTEL PARAÍSO: ESTUDOS PARA UM MELODRAMA”
Texto: Daniel Toledo. Direção: Thálita Motta. Com Companhia Toda Deseo. Estreia neste sábado (23/11), no Teatro Francisco Nunes (Avenida Afonso Pena, S/N, Parque Municipal Américo Renné Giannetti), com sessões às 18h e às 20h. Até 1º de dezembro, sempre aos sábados e domingos, às 18h e às 20h. Ingressos a R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia), à venda no Sympla e na bilheteria do teatro, a partir das 14h.