Seria possível desenvolver uma reflexão social, filosófica, política ou mesmo individual que não passe pela existência corporal? Esse é o questionamento central levantado pelas obras do diretor mineiro Leonardo Barcelos.

 




“Hoje em dia, tudo passa pelo corpo, seja na psicanálise, na ciência ou na medicina. O corpo é o pivô que rege tanto as dinâmicas sociais quanto às questões filosóficas mais profundas”, comenta Barcelos, ao abordar o tema que tem guiado suas pesquisas há mais de uma década.

 


Ele observa que, desde os anos 1950, o corpo passou a ser objeto de intensas discussões. “Agora, nesta fase atual, marcada por avanços como as cirurgias plásticas, as mudanças de sexo e as biotecnologias, estudamos para onde o corpo está caminhando e quais os novos paradigmas que irão redefinir o próprio conceito de ser humano”, afirma o cineasta.

 


Seu interesse de pesquisa originou a “Trilogia do corpo”, composta por obras audiovisuais. O documentário “O que pode o corpo?”, lançado em abril passado, inaugura o conjunto, com uma abordagem fundamentada no formato clássico de entrevistas.

 


A última parte do tríptico está prevista para 2025, na forma da série "Cartografias do corpo”, com 13 episódios retratando artistas de performance do Brasil e de outros países, como o baiano Ayrson Heráclito e a sérvia Marina Abramovi.?

 


Neste mês, Barcelos apresenta “Corpo presente”, longa-metragem que tem pré-estreia comentada pelo diretor e equipe nesta quarta-feira (27/11), no cinema do Centro Cultural Unimed-BH Minas. A conversa com a plateia será mediada pelo artista Marco Paulo Rolla. O filme deve entrar em cartaz no próximo dia 28.

 


Cinco atos

“Corpo presente” é uma obra híbrida, que combina ficção, documentário e performance. Estruturado em cinco atos – “A pele”, “O outro”, “A natureza”, “Marcas” e “Expansão” –, o filme inicia e termina com uma sequência de um espelho na beira do mar, uma metáfora visual que sustenta as reflexões sobre como a sociedade contemporânea se analisa e se relaciona com o exterior.

 


O longa é enriquecido com as narrações da personagem principal, vivida por Ludmilla Ramalho, e depoimentos de personalidades como Erika Hilton e Suely Rolnik, cujas contribuições foram selecionadas com base em suas conexões diretas com os temas explorados.

 


“Essas pessoas veem o corpo por diferentes culturas e décadas. Escolhemos, então, quem trazia mais uma experiência própria com aquele tema retratado. Assim, eles têm também um repertório subjetivo dessa situação, que fica muito mais próximo do discurso quando trabalham com o tema que mexe na própria pele”, pontua o diretor.

 


O uso das performances como eixo central do filme permite materializar conceitos abstratos, tornando-os mais acessíveis ao público. Segundo o diretor, “a arte permite tornar o impalpável palpável, sendo mais potente enquanto discussão e reflexão do que um discurso acadêmico”.

 


Por isso, durante a gravação, os artistas realizaram ações simbólicas em paisagens naturais, muitas vezes envolvendo elementos como artesanato, alimentos e animais. Essas cenas dialogam com os relatos apresentados, promovendo um equilíbrio entre o visual e o teórico.

 


Narrativas individuais

Barcelos relata que dedicou um intenso trabalho de diálogo com os artistas da produção, buscando compreender suas narrativas individuais, conectando-as entre si e traduzindo-as nos discursos interpretados pela bailarina Ludmilla, com referências autobiográficas até certo ponto.

 


Por não ser um documentário tradicional, com entrevistas ou atuações, a equipe de “Corpo presente” encontrou desafios ao traduzir a efemeridade das performances para a linguagem cinematográfica. Mesmo com os ensaios e marcação de posições, necessários para a movimentação da câmera e troca das lentes, os artistas muitas vezes imergiram em seus movimentos, instigando as improvisações da produção.


“Quando os artistas entram no estado performático, eles se perdem dentro daquela situação e nós não podemos parar de gravar. No início, tivemos certa dificuldade, e a equipe queria que parasse ou repetisse a ação. Precisamos entender que era fundamental seguir o fluxo desses artistas quando eles chegavam nesse estado e repetir quando pudesse. É nisso que o projeto se difere de uma ficção”, afirma o cineasta.

 


“CORPO PRESENTE”
(Brasil, 2024, 79 min). Direção: Leonardo Barcelos. Estreia nos cinemas no próximo dia 28. Sessões de pré-estreia nesta quarta (27/11), às 19h e às 20h30, no cinema do Centro Cultural Unimed-BH Minas. Após as sessões, o diretor e a equipe do filme participarão de um bate-papo, mediado pelo artista Marco Paulo Rolla.

compartilhe