No documentário, Amadeu Martins, o Mestre Dunga, conta que era amigo de Cintura Fina e foi capturado com rede por policiais na Praça Sete -  (crédito: Reprodução)

No documentário, Amadeu Martins, o Mestre Dunga, conta que era amigo de Cintura Fina e foi capturado com rede por policiais na Praça Sete

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Um dos nomes mais importantes da capoeira em Minas Gerais, Amadeu Martins tem história de vida que daria um filme. E deu. O pai, maquinista e capoeirista, foi morto a facada em uma briga. A mãe partiu com os irmãos e o deixou para trás. Nascido em Feira de Santana (BA), em 1951, ele se mudou, na adolescência, para São João del-Rei e, depois, para Belo Horizonte. Serviu no Exército. Teve guarida na casa de Tancredo Neves. Frequentou a zona boêmia da capital mineira. Foi amigo da travesti Cintura Fina.

 

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Essas são apenas algumas das passagens da vida de Mestre Dunga, como o baiano ficou conhecido, registradas no filme “Amadeu”, que terá sessão especial neste domingo (1º/12), às 19h, no Cine Santa Tereza. A exibição, que faz parte da programação do 28º Forumdoc, será precedida por roda de capoeira na Praça Duque de Caxias, comandada pelo próprio Mestre Dunga, a partir das 17h.

 

 

 

O diretor do filme, Felipe Canedo, também autor do roteiro, diz que se encantou pelo personagem tão logo o conheceu, em 2016. O irmão, praticante de capoeira angola, apresentou Felipe a Mestre Dunga, criador da roda da Praça Sete, uma das primeiras a ocupar o espaço público em BH.

 

“O santo bateu imediatamente. Falei que queria fazer um filme, ele topou na hora. Escrevemos o projeto e aprovamos no edital Olhar Independente, da Rede Minas, viabilizado pela Ancine e Codemge, mas o processo ficou empatado por muito tempo. O dinheiro só foi sair em 2021”, diz Canedo.

 

 

No início de 2022, com a pandemia arrefecida, começaram as filmagens de “Amadeu”. No decorrer desse tempo, Canedo e membros de sua equipe – Ricardo Murad, que cuidou da pesquisa, e Lucas Campolina, responsável pela montagem e um dos produtores, ao lado de Mariana Andrade e Pedro Hilário – passaram a treinar com Mestre Dunga.

 

“Antes, éramos para ele um grupo de gente universitária, todo mundo branco. Tinha uma distância meio complicada. A partir do momento em que Mestre Dunga começou a nos treinar, mudou totalmente a relação”, diz Felipe. A pesquisa teve início em 2017 e contou com as participações de Danilo Candombe, cineasta quilombola da comunidade do Açude, na Serra do Cipó, e Aparecida de Cássia, esposa de Mestre Dunga, conhecida como Rosa no meio da capoeira.

 

Contador de histórias

 

A narrativa intercala momentos diurnos, em que o capoeirista rememora suas façanhas, comenta fotos e vídeos de arquivo, canta e reencontra amigos; e cenas noturnas, em que conduz rodas de capoeira e batuque na Senzala, o terreno que ocupou nos anos 1970, atualmente conhecido como Vila São Vicente (antigo Marmiteiros), no Bairro Padre Eustáquio. Ali, Dunga dá aulas de capoeira para crianças e jovens da região.

 

Mestre Dunga, capoeirista de BH, olha para a câmera com as mãos sobre o rosto em cena do filme Amadeu

"Lutei muito para firmar a capoeira em Belo Horizonte", diz Mestre Dunga, cuja trajetória é tema do filme "Amadeu", de Felipe Canedo

Forum.doc/divulgação

 


“O que deu mais certo para o roteiro foi isso, o Mestre contar histórias dele e a gente chamar alguém para encenar. Tem esse híbrido do documental, do cinema direto, com uma pitada de ficção”, explica Canedo. Nem todas as histórias de Dunga são passíveis de encenação. Em uma das sequências em que o lendário capoeirista assume o papel de diretor da cena, ele fala de quando foi preso na Praça Sete por diversos policiais militares, que utilizaram uma rede para apanhá-lo.

 

Mestre Dunga explica que a ideia de levar a capoeira para as ruas veio das conversas com Cintura Fina. “Eu frequentava a zona boêmia e a gente conversava muito. Ela era boa de luta, usava navalha para se defender. Numa das nossas conversas, pensei em levar a capoeira para as praças. Quando vim para Belo Horizonte, não tinha capoeira na rua, a não ser na zona. Comecei na Praça Rio Branco (Rodoviária), depois na Praça Raul Soares e na Praça Sete. Aí começaram os conflitos com a polícia”, relembra.

 

 

Quando Canedo propôs o filme, a esposa de Dunga abraçou a ideia com entusiasmo. “Rosa dizia que eu tinha muita história para contar. Sou um dos capoeiras que pegou a ditadura militar. Lutei muito para firmar a capoeira em Belo Horizonte. Começamos a pesquisa, fomos no batalhão do Exército onde servi, fomos na casa da família Neves – Tancredo Neves foi meu pai de criação –, fomos nos lugares onde sofri perseguição”, detalha Dunga.

 

O diretor Felipe Canedo pontua que “Amadeu” está menos preocupado com a verdade dos fatos do que com certo estímulo sinestésico. “Desde o começo, o que me fascinou é a vida de Mestre Dunga ser uma sequência de situações muito improváveis. Ele vai contando as coisas e você não sabe se é verdade ou não. Cheguei à conclusão de que isso não era importante. A capoeira se faz da leitura e releitura de suas tradições, e Mestre Dunga faz isso com a própria vida”, afirma.

 

Canedo ressalta que gostaria de ter destacado mais esse aspecto no documentário, deixando claro para o espectador que as histórias do personagem são, antes de mais nada, para serem saboreadas.

 

“Ele conta que foi acolhido por dona Risoleta Neves; conta que morou em Roma; que esteve na Europa por um tempo, onde treinava capoeira e também fazia bicos; conta que foi estudar massagem na Índia; que jogou capoeira com mestres Bimba e Pastinha, as figuras mais importantes da capoeira contemporânea. É uma história muito improvável”, reconhece o diretor.

 

Celebração na praça

 

Quando Felipe Canedo conheceu Mestre Dunga, ele já não jogava capoeira – havia operado o quadril e andava de muletas. Atualmente, não precisa mais delas, mas está impossibilitado de retomar a prática. Neste domingo, Dunga vai apenas conduzir a roda na Praça Duque de Caxias, tocando atabaque e cantando.

 

O diretor aposta que haverá uma grande celebração. “Ele é fundador da roda da Praça Sete, onde muita gente compareceu. Muita gente passou pela Senzala, o terreiro dele. Estou vendo uma movimentação grande da capoeira de Belo Horizonte em torno deste encontro”, diz Canedo.

 

“AMADEU”


Documentário de Felipe Canedo. Neste domingo (1º/12), às 19h, no Cine Santa Tereza (Rua Estrela do Sul, 89, Santa Tereza). Roda de capoeira a partir das 17h, na Praça Duque de Caxias, em frente ao cinema. Entrada franca.