
"A contadora de filmes" provoca emoção que não se extingue
Drama de Lone Scherfig, que tem Walter Salles entre os roteiristas, é declaração de amor ao cinema por meio da saga de mulheres que vivem no Atacama de 1960
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Deserto do Atacama, anos 1960. Imagine uma família pobre: o pai trabalha em uma mina de salitre, a mãe cuida dos quatro filhos, procurando manter a casa e as bochechas das crianças livres da poeira onipresente. Os domingos são reservados para o cinema.
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Na tela, faroestes, melodramas e comédias, estrelados por John Wayne, James Stewart, Catherine Deneuve, Audrey Hepburn, Grace Kelly, Charlie Chaplin. É porque existe essa trégua semanal em que a aridez do cotidiano se torna suportável. Conversas sobre os filmes transbordam para os dias seguintes e prolongam a emoção e a alegria de estar na sala escura.
Quando o pai sofre um acidente na mina e não consegue mais andar, seu salário cai abruptamente. Se mal consegue alimentar a família, como bancar as idas ao cinema? Essa é a premissa de "A contadora de filmes", coprodução francesa, espanhola e chilena com direção da dinamarquesa Lone Scherfig e presença de Walter Salles entre os roteiristas.
Inspiração em livro
O longa se baseia no romance homônimo publicado em 2009 pelo chileno Hernán Rivera Letelier, que cresceu em uma estação salitrera do Norte do país e chegou a trabalhar em minas. Livro e filme são narrados em primeira pessoa por María Margarida, a caçula da família, cujo nome reflete a obsessão do pai por nomes com M – como o de Marilyn Monroe.
Como não há dinheiro para pagar seis ingressos, a cada domingo um dos filhos vai ao cinema com a missão de, na volta, resumir o enredo para a família. Na vez de María Margarida, a magia se produz. Vivida por Alondra Valenzuela na infância e por Sara Becker na juventude, a garota reproduz os diálogos com exatidão, maneja bem o suspense e até acrescenta ingredientes para deixar a trama narrada ainda melhor que a vista na tela.
Logo haverá fila de gente interessada em ouvir e ver os filmes por intermédio de suas interpretações. Mas, como "A contadora de filmes" tem as cores do melodrama, tudo se complicará mais e mais. Fala-se que as mulheres do vilarejo estão fadadas a transformarem-se em estátuas de sal. María Magnólia, papel de Bérénice Bejo, a mãe da família, tem alma de artista e, bem mais jovem que o marido, recusa o destino de sacrifício, abandonando a família.
Série de tragédias
Através do olhar de María Margarida, conhecemos uma série de tragédias que entrelaçam vida privada e política nacional. Os filmes vistos e as transformações da indústria cinematográfica ao longo dos anos 1960 e 1970 pontuam a história. Há trechos de sucessos em preto e branco – como "O homem que matou o facínora", de 1962 – e em technicolor – "Os guarda-chuvas do amor", de 1964 –, além de passagens que lembram o surgimento e a popularização dos televisores – e imagens televisivas do golpe de Estado que derrubou o presidente Salvador Allende em 1973.
Para além desse panorama histórico, "A contadora de filmes" traz, na saga das mulheres que temem a fixidez das estátuas de sal, uma declaração de amor ao cinema. O que é a imagem em movimento se não uma maneira de congelar os corpos? No passado, a materialidade da película tinha nitrato, como o salitre chileno. A exemplo de María Margarida, espectadores mais ou menos cinéfilos poder
“A CONTADORA DE FILMES”
Direção: Lone Scherfig. Com Antonio de La Torre, Sara Becker e Berénice Bejo. Em cartaz no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 2, 16h) e no Cineart Ponteio (Sala 2, 13h30).