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Com "central do Brasil", Fernanda Montenegro foi premiada no Festival de berlim e concorreu ao oscar

crédito: videofilmes/Divulgação

 

O fenômeno de público, de crítica e de expectativa em torno do Oscar provocado por “Ainda estou aqui”, longa-metragem de Walter Salles em cartaz nos cinemas, trouxe de volta à memória coletiva a indicação – e derrota – de Fernanda Montenegro à estatueta de melhor atriz, por “Central do Brasil” (Walter Salles, 1998), ocorrida há 25 anos.

 


A vitória de Gwyneth Paltrow por seu desempenho como Viola no insosso “Shakespeare apaixonado”, de John Madden, nunca foi assimilada de fato pelos cinéfilos brasileiros.

 

Contudo, a intérprete da fascinante personagem Dora guarda desse episódio uma lembrança positiva, conforme se depreende da autobiografia de Fernanda Montenegro, “Prólogo, ato, epílogo”, escrita com Marta Góes e publicada pela Companhia das Letras.

 


No livro, a atriz e imortal da Academia Brasileira de Letras dedica oito páginas (de um total de 272) à narração de sua experiência com o “maravilhoso não Oscar”. Muito do que Fernandona viveu na campanha pelo prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tem semelhança com o que sua filha Fernanda Torres – com quem ela divide o papel de Eunice Paiva em “Ainda estou aqui” – vem experimentando nessa fase de buscar votos dos membros da Academia.

 

Fernanda Montenegro observa anúncio das indicadas ao Oscar de melhor atriz, em 1999, durante a cerimônia de premiação

A atriz Fernanda Montenegro na cerimônia de entrega do Oscar, em 1999

youtube/reprodução


“No capitalismo, o lobby é jogo claro – não há necessidade de camuflagem. Tem que vender um produto? Então vai, sim, a todos os eventos, a todos os palanques, a todos os almoços, jantares e entrevistas em que exista um voto a ser conquistado. Dos programas mais intelectualizados até os mais populares”, escreve a atriz.

 


Desse périplo ela coleciona histórias saborosas. No quesito entrevistas, por exemplo, foi convidada do talk show de David Letterman. E tentou recusar. “Fiquei assustadíssima. ‘Não vou’, eu disse. Eles arregalaram os olhos: ‘Como, não vai?!’. Todo mundo naquele país daria um braço para ir ao Letterman.”

 


Fernanda Montenegro se rendeu. Ou melhor, manteve o rigor de seu profissionalismo e compareceu ao compromisso. “Sou pragmática – faço o que tiver que fazer. Não adoeço”, afirma no livro.

 


No tête-à-tête com o apresentador norte-americano, que ela julgou ter usado “um humor simpaticamente quase corrosivo com Sophia Loren”, a atriz lançou mão de sua presença de espírito para manter a conversa atraente.

 


“[Ele] Perguntou onde eu morava, se era perto da praia. Quando eu disse que morava no Rio de Janeiro, em Ipanema, ele se mostrou surpreso: ‘Em Ipanema?’. E eu não resisti à brincadeira: ‘I am the old lady from Ipanema”.

 


Fernanda Montenegro estava com 70 anos quando “Central do Brasil” se tornou um sucesso além-fronteiras. Ela se refere à idade no livro: “Foi estranho: de repente, já velhusca, achando que ia finalmente ralentar o passo, dou por mim diante de todos aqueles holofotes aos quais jamais pensei chegar”.

 


Quando menciona o prêmio que recebeu nos Estados Unidos do National Board of Review, comenta: “Ali estava eu – coroa, chicana, cucaracha!”.

 


Grande dama do teatro, da TV e do cinema brasileiros, diva que detém a admiração absoluta de gerações de colegas e de fãs no Brasil, a atriz se viu também na condição de admiradora, em encontros com grandes intérpretes estrangeiros por quem cultivava fascínio.

 


“Momentos encantadores”

“Também vivi momentos encantadores naquela viagem interestelar ao me ver em jantares com Gregory Peck, Jennifer Jones, Jon Voight. Atores referenciais da época de ouro de Hollywood. Gregory Peck foi um galã único no seu tempo de glória. Viril, queixo forte, olhar honesto, uma voz centrada. O sonho do marido perfeito nos meus dezessete anos.”

 


Quando o britânico Ian McKellen se aproximou dela no Dorothy Chandler Pavilion, onde foi realizada a cerimônia de entrega do Oscar naquele ano, e perguntou “Você sabe quem sou?”, a brasileira pensou: “Como aquele ator glorioso, referencial do teatro inglês, podia achar que eu não o conhecia?”.

 


O diálogo que se seguiu entre os dois foi assim, conforme ela narra no livro: “‘Claro que sei quem você é!’ E ele, sério, olho no olho, muito cúmplice, acrescentou: ‘Espero que você ganhe’ – ‘I hope you win’. Eu, igualmente cúmplice, respondi: ‘Eu também espero que você ganhe’.

 


Ian McKellen concorreu a melhor ator por “Deuses e monstros”, de Bill Condon, e, assim como Fernanda Montenegro, foi embora para casa sem a estatueta naquela noite.

 


De seu encontro com Lauren Bacall, “uma mulher de talento, inteligente, arguta, independente”, nasceu uma amizade. “Ficamos próximas e guardo os cartões que ela sempre me enviou.”

 


Em “Prólogo, ato, epílogo”, a atriz não dedica uma só palavra para lamentar o prêmio que não veio. No balanço que faz de sua participação no filme de Walter Salles, ela diz: “Como aventura de vida, há um antes, um durante e um depois de ‘Central do Brasil’. Foi uma viagem mágica. Terrível e bela. Penso que conseguimos, Walter e eu, cada um a seu modo, sair melhor do que entramos”.

 


A disputa

“Pela transmissão da TV, ficamos sabendo da escolha de ‘Central’ entre os filmes estrangeiros. E eu, com absoluta surpresa, candidata a melhor atriz, junto com Meryl Streep, Gwyneth Paltrow, Cate Blanchett e Emily Watson”, narra Fernanda Montenegro em sua autobiografia.

 

 

Meryl Streep concorreu por “Um amor verdadeiro”, de Carl Franklin; Cate Blanchett foi indicada pelo papel-título de “Elizabeth”, de Shekhar Kapur, e Emily Watson disputou a estatueta pelo desempenho em “Hilary e Jackie”, de Anand Tucker. Gwyneth Paltrow venceu com a interpretação em “Shakespeare apaixonado”.

 

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