Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, durante a inauguração da TV Itacolomi, em 1955, em Belo Horizonte -  (crédito: Revista O Cruzeiro/Acervo Estado de Minas/1955)

Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, durante a inauguração da TV Itacolomi, em 1955, em Belo Horizonte

crédito: Revista O Cruzeiro/Acervo Estado de Minas/1955

 


Desde o lançamento da biografia de Assis Chateaubriand, “Chatô – O Rei do Brasil”, Fernando Morais tornou-se uma espécie de porta-voz não oficial do jornalista e empresário fundador dos Diários Associados. “Outro dia, um repórter me ligou pedindo minha opinião sobre a inauguração do anexo do Masp”, conta ele, bem-humorado – o museu paulistano, cumpre dizer, foi fundado por Chateaubriand em 1947 e é outro legado marcante do empresário.

 


Como profundo conhecedor da vida de Chatô, era natural que Morais fosse convidado a participar da criação do roteiro do musical “Chatô e os Diários Associados – 100 anos de uma paixão”. A dramaturgia é inspirada na biografia publicada em 1994, mas não se trata de uma adaptação literal. Afinal, seria praticamente impossível transformar uma obra de quase 800 páginas em um espetáculo de pouco mais de duas horas.

 

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“Quando fui convidado para escrever a dramaturgia junto com o Eduardo Bakr, pensei que seria uma ótima oportunidade para fazer uma associação entre o centenário dos Diários Associados com a história da música brasileira”, afirma Morais.

 

 

“Quem leu ‘Chatô'’viu com certa clareza e precisão que a história da música popular brasileira está umbilicalmente amarrada à história dos Diários Associados. E é muito interessante, porque, quando vamos analisar os veículos que faziam parte do grupo, não havia nenhum dedicado exclusivamente à música. Tinha apenas uma única revista, que não era uma revista de música”, acrescenta o biógrafo.


Mesmo assim, a música sempre esteve em pauta nos veículos do grupo, sobretudo com as incorporações de rádios e TVs, a partir da década de 1930. “Os Diários Associados acompanham a música até a Tropicália, e não até a bossa nova, como geralmente é aventado”, detalha.


Visionário

 

Para o dramaturgo Eduardo Bakr, Chatô era um homem do futuro. “A gente pode pensar que, no musical, o Chatô (Stepan Nercessian) é a imagem do passado, enquanto o Fabiano (Claudio Lins) representa o futuro. Mas é o contrário. Assis Chateaubriand era visionário, fez o país andar a passos largos. Ele queria unir o país pela comunicação”, afirma.

 

 

Essa interação entre passado e presente é central na narrativa. Fabiano vive uma experiência semelhante à de Gil, protagonista do filme “Meia-noite em Paris” (2011), de Woody Allen. Ao voltar aos anos 1920, ele se encanta com a época e conhece Juliana (Patrícia França), uma personagem do passado por quem se apaixona. “Fabiano é o elemento romântico do espetáculo”, define Bakr. “Embora o foco principal seja a comunicação e o impacto dos Diários Associados, essas nuances envolvendo a ficção enriquecem a trama.”


Controverso

 

Natural de Umbuzeiro, na Paraíba, Assis Chateaubriand foi uma figura controversa. Suas ações dividiram opiniões. O musical não esconde esse lado do empresário. “Não poderíamos criar um personagem idealizado, diferente do que ele foi na vida real”, afirma Morais. “Mas é importante lembrar que o tempo limitado de palco é um desafio. Não há como abordar em duas horas e meia tudo o que está em quase 800 páginas”, pondera.


As controvérsias de Chatô trazem um tom cômico ao espetáculo, de acordo com Bakr. Um exemplo é o episódio em que o empresário instalou cerca de 200 aparelhos de televisão em São Paulo, em 1950, para que as pessoas conhecessem o novo meio de comunicação.


Fardão da ABL

 

Outra história curiosa é a confusão ocorrida durante o velório de Chateaubriand. “Enquanto o corpo jazia, as pessoas discutiam em cima dele se poderiam rasgar o fardão da Academia Brasileira de Letras, que não cabia no corpo dele. Estavam na dúvida se aquilo não seria falta de respeito com a instituição”, conta Bakr. “Esses episódios dão uma válvula cômica para o espetáculo”, acrescenta.

 

 

A trajetória política de Chatô, que incluiu uma passagem pelo Senado em 1951, não é explorada no espetáculo. Eleito pela Paraíba, Chateaubriand teve relações ora próximas, ora conflituosas com Getúlio Vargas, ampliando seu poder de influenciar opiniões. Contudo, o foco do espetáculo é outro.


“Nossa ideia não é fazer uma biografia ipsis litteris dele”, afirma Stepan Nercessian. “O objetivo é apresentar um recorte, quase como um trailer, mostrando como ele implementou com sucesso estratégias inovadoras que via no exterior.”


Com erros e acertos, Assis Chateaubriand deixou um legado incontestável para a comunicação e a cultura no Brasil. Por mais que vândalos em Recife insistam em roubar a caneta de sua estátua, o que foi escrito com ela permanece vivo e não se apagará tão cedo.