Geraldo Viramundo não é apenas o protagonista do tragicômico “O grande mentecapto”, de Fernando Sabino. “Se você andar por São João del-Rei, Ouro Preto ou Congonhas e reparar bem, vai encontrar um monte de Viramundos por aí”, comenta o cartunista Caco Galhardo.
Ele lança, nesta sexta (13/12) e sábado, em Belo Horizonte – respectivamente na Livraria Jenipapo e na Polvilho Edições –, a adaptação para quadrinhos da obra de Sabino, publicada pelo Grupo Editorial Record.
“Antes de iniciar o projeto, minha principal preocupação era como essa história seria recebida pelo público, considerando que o romance foi publicado em 1979. No entanto, conforme eu lia e adaptava, percebi o quanto ela permanece atual”, diz Galhardo.
“O Viramundo está vivo. Ele é a personificação do mineiro – e, de forma mais ampla, do brasileiro – simples, de bom coração, ingênuo em certos momentos, mas também profundamente poético.”
Para os menos familiarizados com o romance de Sabino, Geraldo Viramundo, ou o Grande Mentecapto, era uma criança de Rio Acima, que, como todos de sua idade, “comeu terra”, “seguiu as formigas para ver aonde iam”, “correu de boi bravo”, “pegou carona em caminhão”, “aprendeu a ler na escola”, “foi coroinha na igreja” e “ficou acordado de madrugada ouvindo o galo cantar”.
Certa vez, prometeu aos amigos que faria o trem, que nunca parava em Rio Acima, parar. E conseguiu. Colocou-se no meio dos trilhos no momento em que a Maria Fumaça se aproximava. O maquinista acionou os freios de emergência a tempo de evitar uma tragédia.
Tragédia nos trilhos
A façanha rendeu fama ao garoto e até inspirou um menino menorzinho a fazer o mesmo. Para o pequeno, contudo, o trem não parou, e aquela tragédia mudou para sempre a vida de Viramundo.
O Mentecapto cresceu, virou seminarista em Mariana, mas foi expulso por protagonizar um escândalo: ele se escondeu no confessionário, ouviu confissão alheia e expôs a pecadora, que, por sua vez, revelou os hipócritas de toda Mariana.
Banido da cidade, Viramundo foi para Ouro Preto, onde ficou por 10 anos. Depois, virou andarilho. Percorreu toda Minas Gerais e, por onde passou, deixou sua marca – não muito bem vista pelos locais. Em Barbacena, foi internado num hospício – mas conseguiu fugir com um plano mirabolante –; em Juiz de Fora, virou soldado; em Tiradentes, foi preso. E, em Congonhas, desafiou os profetas de Aleijadinho.
Em Uberaba, agarrou um touro pelos chifres; em Montes Claros conheceu algumas amigas na zona boêmia; e, em Belo Horizonte, liderou uma revolução de loucos e mendigos que quase derrubou o governador.
Tudo isso – ou, pelo menos, 99 por cento, de acordo com os cálculos do próprio Galhardo – está na adaptação para os quadrinhos. “Sobretudo o texto original, que eu fiz questão de conservar”, afirma.
“Embora eu seja chargista, tenho uma ligação muito forte com a literatura. Acho que, mesmo se tratando de uma adaptação, é importante que a pessoa leia o que o escritor escreveu”, afirma.
Dom Quixote
Adaptações de clássicos para HQ não são novidades para Galhardo. Em 2005, ele lançou, também pela Record, a história de Dom Quixote em quadrinhos. Personagem, aliás, que mantém muitos paralelos com Viramundo por suas aventuras doidivanas que expõem uma sociedade cruel e injusta.
Foi por causa da HQ de “Dom Quixote” que Galhardo foi convidado a fazer a adaptação de “O grande mentecapto”. “Foi incrível, porque eu sou de uma geração que cresceu lendo Fernando Sabino naquela coleção ‘Para gostar de ler’. E, além disso, meu pai sempre admirou muito o Sabino. Vivia lendo os livros dele”, comenta.
Ao longo de 88 páginas, Galhardo suprime poucas passagens e faz uma única concessão: quando Viramundo encontra o presidiário que lhe pede cigarros em Tiradentes; o cartunista optou por trocar o tabaco por doce.
“Essa interferência foi muito conversada com o pessoal da editora. Minha intenção sempre foi fazer com que esse livro chegasse às escolas. Por isso a troca”, explica.
“Se fosse há alguns anos, não teria problema nenhum em deixar o cigarro lá na história. Mas, hoje, isso pode ser um problema. É igual a palavra diabo. Muitas escolas deixam de aderir a livros que tenham essa palavra por receio de represália de segmentos religiosos”, acrescenta.
Galhardo afirma que não quer fazer da HQ uma alternativa à leitura do romance, “mas fazer dela uma espécie de portal, para os leitores acessarem essa obra do Sabino”. “Às vezes, o cara não está a fim de ler um romance de 200 ou 300 páginas. Aí ele pega o quadrinho, lê e fica com vontade de ler a obra original.”
“O GRANDE MENTECAPTO – HQ”
• Autor: Fernando Sabino
• Adaptação: Caco Galhardo
• Grupo Editorial Record (88 págs.)
• R$ 69,90
• Lançamento e sessão de autógrafos nesta sexta-feira (13/12), às 18h, na Livraria Jenipapo (Rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi); e sábado (14/12), às 14h, na Polvilho Edições
(Av. Amazonas, 1.049, Centro).
Entrada franca.