Um dos responsáveis pelo surgimento do movimento Manguebeat, o cantor e compositor Francisco de Assis França, o Chico Science, nasceu em Olinda (PE), em 13 de março de 1966, e morreu em 2 de fevereiro de 1997, de acidente de carro, quando seguia do Recife para a sua cidade natal, onde desfilaria no carnaval.
Para homenagear o artista pernambucano, o jornalista e escritor paraibano José Teles lança “Criança de domingo – Uma biografia musical de Chico Science” (Editora Belas Letras). O livro traz várias fotos, entrevistas e, sobretudo, novidades sobre a história do músico fundador da banda Nação Zumbi.
O livro traz também novas revelações sobre o trágico acidente que resultou na morte de Chico Science. O autor detalha o momento exato da colisão fatal com o poste. Teles conta que, pela primeira vez, são mostrados aspectos até então pouco discutidos sobre a falha no cinto de segurança do carro e o processo judicial movido pela família do músico contra a montadora Fiat.
“Foi estranho, porque não se falou muito do acidente na época e nem se fala até hoje. Surgiram boatos de que ele tinha bebido e se drogado, mas não foi nada disso. Chico havia acabado de acordar e seguia para Olinda, pois era pré-carnaval e ele desfilaria com Antônio Nóbrega. Só que Chico, infelizmente, morreu na véspera do desfile”, explica Teles.
Amigo de Chico Science, o jornalista afirma que escrever sobre o artista não foi difícil. “Todo mundo canta Chico, mas pouca gente sabe o que ele está dizendo, não somente por causa do regionalismo pernambucano, mas também porque tem coisas muito pessoais ali. Na verdade, o livro é uma biografia musical de Chico Science”, afirma o biógrafo.
Teles conta que saiu em busca da infância de Chico. “Fui até a Rua do Girassol, no Bairro Rio Doce, na periferia de Olinda, onde ele morava. Seus amigos e ex-vizinhos continuam morando lá até hoje. Foi bom também porque conheci vários caras, hoje sessentões, que conviveram com ele ainda criança. E todos contaram muitas histórias. Na realidade, Chico foi morar nessa rua com 4 ou 5 anos de idade.”
O autor abraçou a sorte ao visitar a Rua do Girassol. “Acabei conhecendo um cara que foi o melhor amigo de infância do Chico, e ele me ajudou muito, com frases, muita coisa de Chico, além do que tinha nas suas letras. Ele sabia tudo, desde a infância de Chico Science, que escolheu este nome artístico porque gostava de brincar com a alquimia do sons, como um cientista."
Teles foi seguindo o caminho até esbarrar na primeira banda de Chico Science, a Orla Orbe, fundada em 1987, de black music. "E depois na Loustal (criada em homenagem ao quadrinista francês Jacques de Loustal), que fazia uma mescla de rock dos anos 1960 com soul, funk e hip-hop. Isso até chegar ao sucesso da Nação Zumbi”, detalha.
O escritor também foi pego de surpresa por fatos que ignorava e por fatos que nem sabia que existiam. “Chico trabalhava antes em uma empresa de informática do governo, era o cara que distribuía vale-transporte, tíquetes de alimentação e cartas. Era um emprego burocrático e foi lá que ele conheceu o músico Gilmar Bola Oito, que era office boy, e mais tarde veio integrar com ele a Nação Zumbi.”
Gilmar, um pouco mais velho que Chico, resolveu convidá-lo, em 1991, para ver o show da banda afro de percussão Lamento Negro, de Olinda. “Chico gostou da apresentação e começou a jogar as músicas que já tinha prontas no meio dos tambores da banda. Aquilo deu muito certo”, diz Teles. Na sequência, relembra, o pernambucano chamou o guitarrista Lúcio Maia e o baixista Dengue para conhecerem o Lamento Negro.
“Lúcio conta que quando chegou lá achou o som horrível. Mais tarde, com a fusão do Loustal com o Lamento Negro, surgiu a Chico Science & Nação Zumbi.” O grupo estreou em 1991, no espaço Oásis, em Olinda, chamando a atenção da mídia por sua batida inovadora, resultante da mistura de ritmos regionais, como o maracatu rural e o coco de roda, com rock, hip-hop, funk rock e música eletrônica.
Carreira meteórica
Fã de James Brown e Kurtis Blow, representantes da soul music e do hip-hop norte-americano, Chico Science teve carreira meteórica e deixou pouca coisa inédita. “Ele já vinha no caminho das bandas brasileiras que iam para a Europa e Estados Unidos. Por outro lado, acredito também que Chico já estava repensando a vida dele, talvez nem ficasse mais na Nação Zumbi, talvez seguisse carreira solo. Essa é uma das prováveis hipóteses, pois ele já estava incentivando o Jorge Du Peixe a cantar mais no grupo.”
Para Teles, Chico era um visionário. “Digo isso porque ele tinha uma cultura formal, nunca foi de ler muito, só tinha o ensino médio e não chegou a entrar na faculdade. Ele não lia muito, porém tinha uma intuição impressionante. O Manguebeat foi um movimento interessante também, porque conseguiu reunir três classes sociais: a pobre de Peixinhos, bairro de Olinda; a média baixa, que era a de Chico; e a média mais abonada, que era a de Lúcio e Dengue."
Teles ressalta que a biografia é mais do que homenagem ao músico pernambucano, pois busca oferecer uma imersão no universo criativo do artista, revelando a mente inquieta por trás de sua música, arte e visão do mundo.
O livro mergulha nas raízes culturais e sociais que moldaram Chico Science, revelando como o garoto do Recife, fascinado pelos manguezais e pelo caos urbano, conseguiu unir a tradição de sua terra com o espírito da modernidade.
Atualmente, formam a Nação Zumbi: Jorge Du Peixe, Dengue, Toca Ogan, Marcos Matias, Gustavo da Lua, Tom Rocha e Neilton Carvalho. A banda lançou os discos “Da lama ao caos” (1994) e “Afrociberdelia” (1996), incluídos na lista dos 100 melhores álbuns da música brasileira pela revista Rolling Stone.
“CRIANÇA DE DOMINGO – UMA BIOGRAFIA MUSICAL DE CHICO SCIENCE”
• De José Teles
• Editora Belas Letras
• 335 páginas
• R$ 99,90