Um episódio de racismo marcou a premiação da Academia Rio-Grandense de Letras (ARL), realizada na noite de quinta-feira (12/12). Em dado momento de seu discurso, o presidente da entidade, Airton Ortiz, disse que o pioneirismo literário do estado se deve à imigração alemã e italiana, diferentemente do restante do país, que teria sido "colonizado" por escravizados negros.
Diante do constrangimento da plateia, a escritora Eliane Marques, mulher negra, vencedora na categoria romance com o livro "Louças de família", se levantou, interrompeu a fala do presidente, subiu ao palco acompanhada de outros escritores e exigiu uma retratação pública por escrito "em razão de uma fala não apenas inadequada, mas racista, do senhor presidente". Ela destacou, ainda, que a Academia Brasileira de Letras foi fundada por Machado de Assis, apontando diversos outros autores negros nacionais e locais.
Durante a cerimônia, Ortiz pediu desculpas por ter se expressado mal e afirmou que queria dizer o oposto, que os imigrantes receberam condições muito melhores do que os escravizados. Ao final do evento, os premiados se recusaram a posar para a foto coletiva. Nesta sexta-feira (13/12), o presidente da ARL publicou um texto se justificando e assumindo a responsabilidade pelo erro.
"Ontem, durante a entrega do Prêmio Academia Rio-Grandense de Letras, ao fazer um histórico do surgimento precoce das instituições culturais no Rio Grande do Sul, falei que isso em muito se devia aos imigrantes alemães e italianos, pois eles tinham liberdade para se reunirem em associações, publicarem seus jornais e praticarem suas culturas. Enquanto isso, nas regiões colonizadas por escravos, infelizmente eles não tiveram liberdade para esse tipo de atividade. Por culpa, obviamente, de quem os escravizava", disse.
O texto segue: "Dito de improviso e sem completar o raciocínio acima exposto, minha fala teve cunho racista. Assumo a responsabilidade pelo meu erro, pois acabei dando uma conotação distorcida do que eu queria dizer. Reconheci tão logo me foi chamada a atenção e imediatamente pedi desculpas diante do mesmo público que ouviu o que eu havia falado. É óbvio que eu condeno toda e qualquer manifestação racista, tenho um histórico de vida que comprova isso, e por isso essa retratação pessoal, que em nada envolve a Academia Rio-Grandense de Letras".
O episódio teve grande repercussão. A ex-deputada Manuela d'Ávila publicou em sua conta no Instagram o vídeo com a fala de Eliane durante a premiação e prestou apoio à escritora.
"Mais do que a denúncia, Eliane se revolta, com razão, com o silêncio. Silêncio é cumplicidade. Todas as pessoas em situação de violência sabem disso".
Escritores e entidades literárias gaúchas também manifestaram solidariedade a Eliane e repúdio às falas de Ortiz. Jeferson Tenório, autor de "O avesso da pele", se manifestou por meio das redes sociais. "De fato, o Rio Grande do Sul não decepciona quando declaram seu racismo", disse.