“Muros pranteiam. Só. Toda história é remorso” são os versos finais de “Museu da Inconfidência”, última das cinco subdivisões do poema “Estampas de Vila Rica”. Publicado em “Claro enigma” (1951), obra da maturidade poética de Carlos Drummond de Andrade, ele ganha leitura de Niura Bellavinha, que abre neste sábado (14/12) a exposição “Pranteio”, no Museu da Inconfidência.
Prantear é chorar por algo ou alguém. Não os muros, mas as janelas do museu de Ouro Preto vão prantear pelo passado colonial que não reconheceu as mulheres, escravizou os negros, perseguiu indígenas, pela mineração que assola o solo mineiro há séculos. “Elas representam a vida e a morte”, afirma Niura, sobre as seis pinturas “chorosas” nas janelas do edifício histórico.
“Nessas pinturas abstratas, trabalhei com o óxido de ferro (oriundo dos rejeitos da mineração), que verteram esse pigmento de tom avermelhado”, diz.
No segundo piso, em referência à obra de Aleijadinho e de Mestre Ataíde, a artista trabalhou com pigmentos vindos de meteoritos triturados, que garantem brilho prateado a telas cujas cores remetem ao Barroco.
Tais pinturas são apenas parte da exposição, que reúne 50 obras (entre telas e esculturas) produzidas no último ano. “Pranteio” é a primeira individual de uma mulher no Museu da Inconfidência, inaugurado em 1944 na antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica. Integra o programa Intervenções de Arte Contemporânea.
“A ideia é levar outras vozes para a instituição. Muitos museus históricos têm visita única, um programa como esse faz com que as pessoas voltem a visitá-lo”, explica a curadora Ana Avelar. “As pessoas vão perceber o que tem de crítica ou de comentário aos aspectos históricos, pois é um museu em que se discute a identidade nacional”, acrescenta.
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Todas as obras do acervo continuam ocupando os respectivos espaços. O conjunto de Niura dialoga com elas. “Enquanto fui desenvolvendo o trabalho, fui percebendo a relação da abstração enquanto expressão de uma escrita pictórica que dialoga com a realidade que existe dentro do museu”, continua a artista. Esse diálogo pode se dar tanto em forma de homenagem quanto na questão do Barroco e também como uma espécie de correção histórica.
Bárbara e Jacinta: Inconfidência feminina
“As mulheres que participaram da Inconfidência Mineira, Bárbara Heliodora e Hipólita Jacinta, por exemplo, só entraram no panteão do museu neste ano (anteriormente, o espaço só reverenciava os conjurados homens). Até então, as mulheres entravam só como musas”, observa Niura, que criou esculturas com pedras de canga (outro mineral da região) bordadas, peças que ela considera ter “particularidades femininas”.
Na abertura da exposição, a partir das 10h, artista e curadora comandarão uma visita guiada. Ao longo da manhã deste sábado, haverá três intervenções. A atriz Bete Coelho vai apresentar o já citado “Museu da Inconfidência” e a compositora Cristina Vaz, o “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles. Em um terceiro momento haverá performance silenciosa de um grupo de mulheres.
Depois de Ouro Preto, “Pranteio” terá itinerância por Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Porto Alegre, entre outras cidades.
“PRANTEIO”
Exposição de Niura Bellavinha. Abertura neste sábado (14/12), às 10h, no Museu da Inconfidência (Praça Tiradentes, 139, Ouro Preto). Visitação de terça a domingo, das 10h às 18h. Entrada franca. Até 23/2.