De frente para a câmera, o jovem de longos cabelos empunha a guitarra Stratocaster, com o céu repleto de nuvens ao fundo. A imagem, captada em maio deste ano em Berlim, mostra o músico bielorrusso Alex Chumak durante as gravações do videoclipe “If you ask”. A cena, no entanto, poderia estar em outro tempo e em outro lugar – mais precisamente, naquela fotografia de Beto Guedes, do início dos anos 1990, em que o mineiro faz a mesma pose.
Apesar da distância entre Minas e Belarus – ex-república soviética antes chamada Bielorrússia –, nada disso foi por acaso. Chumak, o artista por trás do projeto Soyuz, confessa que a inspiração foi a imagem de Beto feita para o álbum “Andaluz” (1991) e clicada por Cafi (1950-2019). A imagem está disponível no acervo digital do fotógrafo, também autor da icônica imagem dos dois meninos da capa de "Clube da Esquina" (1972).
“Foi uma referência não só de imagem, mas de som”, confessa o bielorrusso ao Estado de Minas. Para a canção, que divide o novo single do Soyuz com a instrumental “Tenório”, o músico resolveu utilizar a Strato, modelo de guitarra eternizado por Jimi Hendrix e conhecido pelo som mais agudo, também usado por Beto Guedes na foto em questão.
O clima remete aos melhores momentos de “A página do relâmpago elétrico” (1977), primeiro álbum do mineiro, ou de “A Via-Láctea”, de Lô Borges, de 1979. “Foi um pouco difícil. Prefiro o violão ou as guitarras mais jazzísticas, no estilo do Toninho Horta”, arremata Chumak.
As referências à música de Minas fazem parte do vocabulário desse bielorrusso de 28 anos. O compositor radicado em Varsóvia, na Polônia, cita tanto os mais famosos representantes do cancioneiro mineiro – Milton Nascimento, Lô Borges e Wagner Tiso –, quanto os menos conhecidos, como Sirlan, Fernando Oly e Luiz Guedes.
Todos, segundo ele, conversam com o estilo musical que busca fazer e já rendeu três álbuns, lançados pelo selo britânico Mr. Bongo.
“A primeira coisa que descobri da música de Minas foi, óbvio, ‘Clube da Esquina’. Algo que nunca tinha ouvido antes e, ao mesmo tempo, me fazia sentir em casa. Tem algo muito específico na forma como os mineiros fazem música, usando acordes extremamente sofisticados e harmonias de jazz e do rock progressivo, mas, ao mesmo tempo, transformando isso em algo fácil de cantarolar”, descreve Chumak.
“Todas essas coisas ressoam em mim. Gosto de criar melodias cantáveis, mas que vão em outras direções, e encontrei isso na música mineira”, revela.
Assim como o Clube da Esquina captou referências dos Beatles e da música clássica, canções brasileiras, principalmente da Bossa Nova, passaram pela Cortina de Ferro e deixaram rastros no Leste Europeu. Em Belarus, Chumak detecta referências brasileiras no Pesniary, grupo de rock progressivo ativo entre as décadas de 1970 e 1990. “Em alguns momentos, é muito parecido. Não sei o que eles estavam ouvindo, mas com certeza tinha algo de brasileiro ali”, sugere.
“If you ask” é a primeira canção em bielorrusso do Soyuz, cujos trabalhos são majoritariamente em russo. A escolha é política, já que o idioma, mesmo oficial do país junto do russo, é visto com suspeitas pelo governo de Aleksandr Lukashenko, no poder desde 1994 e aliado de Vladimir Putin.
“Não tenho nada contra o idioma russo. Seria ótimo que isso não fosse atitude política, mas atualmente é”, diz Chumak, que vive na Polônia por causa das dificuldades criadas pelo regime de Minsk para os artistas.
Ponte Brasil-Belarus
Lançado em 22 de novembro, o clipe, com estética do vídeo analógico, foi gravado pelo paulista Gabriel Rolim, o Rollinos. A canção conta com participações do tecladista americano Anthony Ferraro, da Toro y Moi, e do brasileiro Biel Basile, baterista d’O Terno.
Um dos parceiros de Chumak é Sessa, ex-Garotas Suecas. O paulistano canta (em português) no último álbum do Soyuz, o “Force of the wind” (2022), que traz outro brasileiro, Gabriel Milliet, nas flautas. Alex, por sua vez, escreveu arranjos para o disco “Estrela acesa” (2022), de Sessa.
A colaboração, que começou com despretensiosa troca de mensagens no Instagram, acabou trazendo Alex Chumak ao Brasil este ano. O bielorrusso visitou Minas pela primeira vez, numa viagem com Sessa a Gonçalves, no Sul do estado.
Em São Paulo, foi ao estúdio gravar as bases para o próximo trabalho, ainda em produção – e com banda totalmente brasileira. Segundo ele, as sessões, bem espontâneas, tiveram algo do “Disco do Tênis”, de Lô Borges.
“Não é que cheguei sem nenhuma música, como fez o Lô, mas foi diferente dos meus outros álbuns, em que planejei tudo antes. Desta vez, mostrei as canções para os músicos em São Paulo e gravamos na sequência. Esse processo me ensinou muito a deixar rolar”, resume.
Como lembrança do Brasil, Chumak levou para a Polônia, mesmo sem ter toca-discos, um vinil especial: “A Via-Láctea”, de Lô Borges.
“IF YOU ASK”
Clipe do projeto Soyuz produzido por Gabriel Rolim, disponível no YouTube. Gravadora: Mr. Bongo
ALEX CHUMAK INDICA TRÊS DISCOS MINEIROS
• Fernando Oly – “Tempo pra tudo” (1981)
“Único álbum do autor da canção 'Chuva da montanha', gravada por Lô Borges. Disco incrível que merece muito mais reconhecimento.”
• Sirlan – “Profissão de fé” (1979)
“Perseguido pela censura, o multi-instrumentista lançou o álbum em 1979 com belos arranjos de Wagner Tiso. Infelizmente, a obra teve pouca repercussão.”
• Luiz Guedes e Thomas Roth – “Extra” (1982)
“De Montes Claros, o primo de Beto Guedes lançou muitas parcerias com o carioca Thomas Roth. 'Extra' é o primeiro deles, cheio de harmonias incríveis e refrões marcantes.”