Apostando em discussões sobre futuros distópicos, a Netflix Tailândia lançou nesta semana “O amanhã e eu”, sua primeira série de ficção científica. A produção é uma antologia de quatro longos episódios que exploram dilemas éticos e sociais relacionados aos avanços tecnológicos, com destaque para as inteligências artificiais.
Comparada ao sucesso “Black mirror” (2011), também disponível na Netflix, a minissérie, dirigida por Paween Purijitpanya, diferencia-se ao integrar valores e tradições tailandesas às discussões, utilizando elementos locais para abordar temas globais.
No episódio de abertura, “Diferentes”, a trama se passa em um cenário de viagens espaciais e clonagens. Noon (Waruntorn Paonil) é uma médica que vive na Lua há seis anos, enquanto seu marido, Nont (Pakorn Chatborirak), continua na Terra. O elemento trágico da história aparece quando, na viagem de retorno, há uma explosão na nave, e Noon morre.
Em uma realidade em que animais podem ser legalmente clonados, Nont considera trazer a esposa de volta por meio dessa tecnologia, desencadeando um dilema ético para si mesmo, a família da mulher e a médica responsável pelo procedimento. Com tom dramático, o episódio traz discussões sobre o luto, os limites da medicina, e, surpreendentemente, as identidades de gênero.
“Padecendo no paraíso”, o segundo episódio, situa-se em 2045, na fictícia cidade de Gamalore, local similar a Las Vegas, mas destinado quase exclusivamente à prostituição. A estética mistura o futurismo com elementos que remetem aos anos 1980, especialmente no uso de cores vibrantes.
Na trama, Jessica (Violette Wautier) é uma mulher que busca investidores para sua empresa, especializada na criação de robôs sexuais cada vez mais semelhantes aos humanos. Conforme a história avança, descobre-se que a mãe de Jessica era envolvida com a prostituição e sua motivação para criar a empresa está ligada ao desejo de oferecer uma vida melhor às mulheres dessa indústria.
Com material para discutir questões sociais complexas, como chantagens políticas, fetiches e tabus sexuais, o episódio perde o ritmo, com reviravoltas e fragmentos temporais que o impedem de concluir o próprio argumento.
Em “Buda digital”, a série aborda de forma ousada a relação entre religião e tecnologia, ao mostrar como os ensinamentos budistas foram mercantilizados com o emprego da ferramenta tecnológica Ultra. Com ela, as boas ações se tornam elementos de um jogo, em que, a cada conquista, os usuários poderão pagar contas ou comprar objetos.
Assim, o capítulo discute os limites da religião e as diferentes formas de exploração da fé, sem cair em moralismos simplistas.
No episódio final, “Muitos braços”, a narrativa adota um tom cômico e exagerado que rompe as expectativas do público, apresentando, pela perspectiva de duas crianças, uma Tailândia devastada por chuvas ininterruptas que duram mais de quatro anos.
Mook (Tangkwa Chananticha Chaipa) e Pang (Wanichaya Pornpanarittichai) vivem na região mais baixa da cidade, constantemente ameaçada pela inundação. Quando novas doenças começam a surgir e o governo rejeita as vacinas disponíveis, que têm o efeito colateral peculiar de causar barbas de tentáculos, as amigas se tornam inadvertidamente o símbolo de uma revolução.
Com o uso de câmera lenta, figurinos excêntricos e personagens caricatos, o episódio assume um caráter de novela, criando uma atmosfera tanto absurda quanto crítica. No desfecho da jornada das meninas, o sol finalmente reaparece, mas não traz boas notícias à população mundial. “O amanhã e eu”, portanto, evita o otimismo ao projetar o futuro.
“O AMANHÃ E EU”
• Minissérie em quatro episódios, disponível na Netflix.
*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes