O leitor belo-horizontino mais atento já deve ter notado. Para os mais desatentos, fica o convite para o teste: passe por qualquer livraria da cidade – especialmente as de rua, localizadas na Região Centro-Sul – e veja se não encontrará, em destaque nas estantes ou vitrines, exemplares da coleção “BH. A cidade de cada um”.
Trata-se de um livro de tamanho um pouco maior do que um palmo, com a imagem de um ponto conhecido da capital mineira na capa. O título do livro corresponde ao bairro ou local emblemático da cidade retratado na foto: “Lagoinha”, “Mercado Central”, “Estádio Independência”, “Parque Municipal”, “Maletta”, “Santa Tereza”, “Mineirão”, “Cemitério do Bonfim”... e por aí vai.
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Ao todo, já são 39 títulos publicados ao longo das duas décadas recém-completadas deste projeto editorial, idealizado pelos jornalistas José Eduardo Gonçalves e Sílvia Rubião. Com média de dois lançamentos por ano – o que justifica o destaque nas livrarias – sempre que algum exemplar esgota, é feita a reimpressão. “Você nunca vai encontrar um título com tiragem esgotada”, garante José Eduardo.
Para comemorar os 20 anos do projeto, será realizado, nesta terça-feira (10/12), no Teatro Francisco Nunes, o lançamento do 40º título: “Colégio Marconi” (Conceito Editorial), escrito por Luiz Vilela, sobre o tradicional colégio do bairro Santo Agostinho. Na ocasião, também haverá o relançamento dos demais livros da coleção.
Afetividade
A ideia de criar o projeto já estava sendo gestada há anos por José Eduardo. Natural de São João del-Rei, ele se mudou para Belo Horizonte logo após terminar o segundo grau (atualmente ensino médio) para estudar jornalismo e acabou não retornando à cidade natal – chegou até a ser nomeado cidadão honorário de BH.
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“Nessa época, o que me incomodava era ouvir amigos daqui falando mal da cidade. Eu não concordava. Belo Horizonte sempre me acolheu muito bem”, lembra ele. “Então, ali, eu já comecei a pensar se poderia fazer algo que pudesse retribuir esse carinho. Mas foi só anos depois, quando meu filho mais velho foi fazer intercâmbio e eu fui procurar material sobre a cidade, que eu percebi que não existia muita coisa sobre BH”, complementa.
Com a ajuda da colega e amiga Sílvia, José Eduardo começou a planejar um projeto acessível e interessante para a população. Inicialmente, convidaram Wander Piroli para escrever “Lagoinha”; Fernando Brant para “Mercado Central”; e Jairo Anatólio Lima para “Estádio Independência”. A proposta era que os autores não fizessem um relato histórico, mas narrassem a relação afetiva que tinham com o local.
Curiosidades
O sucesso foi imediato. Em seguida, vieram “Rua da Bahia”, de José Bento Teixeira de Salles; “Fafich”, de Clara Arreguy; “Parque Municipal”, de Ronaldo Guimarães; e “Praça Sete”, de Angelo Oswaldo de Araújo Santos.
“Com o tempo, já não éramos nós que procurávamos os autores, mas o contrário. Recebemos diversas propostas muito interessantes”, revela Sílvia.
O principal critério, segundo ela, é que o autor tenha uma afinidade com o lugar sobre o qual escreverá. “Certa vez, recebemos uma proposta de uma pessoa que queria escrever um livro da coleção detonando o Carlos Prates. Ela dizia que odiava o bairro… Claro que não entrou”, recorda Sílvia. “As pessoas podem criticar o local, mas precisa haver um fundamento, um contexto para isso”, explica ela.
Entre os 39 títulos já publicados, um dos mais curiosos é “Parque Municipal”, de Ronaldo Guimarães. O livro começa da seguinte forma: “Nasci no Parque Municipal há 50 anos. Morei metade da minha vida nele. Saí em 1980, para me casar. Ali perto, na Catedral da Boa Viagem. Fui a pé. Fui andando devagar, despedindo-me do meu quintal. Apesar de todo aquele verde, senti-me sufocado, sem ar”
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O autor não exagerou nem mentiu. Filho de um zelador do Colégio Imaco, cujo prédio ficava dentro do Parque Municipal, Guimarães nasceu e viveu grande parte de sua vida nas imediações do parque.
Poesia na favela
Outras histórias também são marcantes, como “Colégio Sacré Coeur de Marie”, de Marilene Guzella Martins Lemos, uma ex-aluna do internato que compartilha suas angústias e medos da época, quando tinha apenas 10 anos e saiu de casa para viver no colégio interno. Ou “Morro do Papagaio”, no qual a jornalista Márcia Maria Cruz, nascida e criada no local, encontra poesia nas ruas amareladas, nos becos e nas lâmpadas da comunidade.
Como faces de um caleidoscópio, os livros da coleção “BH. A cidade de cada um” não revela um conjunto simétrico de uma capital projetada, mas perspectivas multiformes de uma cidade viva e em constante expansão.
“Por isso, não prevemos um fim para essa coleção”, diz Sílvia. “Enquanto a cidade continuar crescendo e se transformando, sempre teremos algo novo a contar”, conclui.
“BH. A CIDADE DE CADA UM” – “COLÉGIO MARCONI”
• Lançamento do livro de Luiz Vilela e celebração de 20 anos da coleção. Nesta terça-feira (10/12), às 18h30, no Teatro Francisco Nunes, no Parque Municipal (Av. Afonso Pena, 1.321 – Centro). Entrada gratuita. Exemplares de cada livro da coleção à venda por R$ 40.