Contos não estão vendendo atualmente. Se você quer ganhar dinheiro com literatura, tem que escrever romance. Em 1965, Oswaldo França Júnior (1936-1989) recebeu esta dica do mestre dos textos curtos, o cronista Rubem Braga (1913-1990). "Teria algum romance pronto?", perguntou o capixaba. "Claro, tenho sim, só tenho que revisá-lo", respondeu o mineiro.
Não tinha, mas isto não impediu que, em poucos meses, ele escrevesse "O viúvo" (1965). Foi o romance de estreia de uma trajetória prolífica e prestigiosa na literatura brasileira. França Júnior publicou 14 livros, 13 deles romances. Tudo esgotado havia muitos anos. A partir de seu livro mais importante e conhecido, "Jorge, um brasileiro" (1967), a Nova Fronteira dá início ao relançamento de toda a obra do escritor.
Os títulos que estão previstos para os próximos meses são "As laranjas iguais" (1985), único volume de contos do escritor, e "De ouro e de Amazônia" (1989), romance póstumo, publicado meses após França Júnior ter encontrado a morte, em 10 de junho, na BR-381. Seu carro, um Escort, rodou na pista e despencou em uma ribanceira nas proximidades de João Monlevade. O escritor tinha 53 anos incompletos.
"Papai era um escritor sistemático. Lançou um livro de dois em dois anos. Escrevia todos os dias de manhã, no escritório dele, horário em que não podíamos perturbá-lo", relembra sua primogênita (de três filhos), Jacyra França. "Ele foi escritor como foi piloto de caça: era muito disciplinado, lia demais, e muito dedicado à literatura em um sentido amplo. Ele ia à escola, fazia todo o trabalho de divulgação."
Acervo de escritores
Escrevia sempre à mão. Desde a doação feita por Jacyra, em 1993, seus manuscritos integram o Acervo de Escritores Mineiros da UFMG. Disponível para visitação na Biblioteca Universitária, o material reúne também 2,5 mil livros e 500 fotos.
Quando França Júnior morreu, "Jorge, um brasileiro" continuava em alta, mais de 20 anos após o lançamento. Uma adaptação cinematográfica de Paulo Thiago havia chegado aos cinemas em 1988, com Carlos Alberto Riccelli no papel-título e Milton Nascimento interpretando a canção-tema.
Antes disso, Antonio Fagundes havia interpretado o caminhoneiro Jorge em um "Caso especial" (1978), lançado pela Globo com o próprio França Júnior como roteirista. Esta incursão televisiva foi o estopim para a criação da série "Carga pesada", originalmente exibida entre 1979 e 1981.
O romance acompanha o personagem-título, um caminhoneiro experiente que deve liderar, ao longo de sete dias, um comboio de oito carretas em direção a Caratinga, no Vale do Rio Doce. O período chuvoso e a precariedade das estradas de Minas colaboram para a série de percalços com que Jorge terá que lidar.
Prêmio literário
O livro venceu em 1967 o Walmap, então o mais importante prêmio literário do país. Os jurados que o elegeram foram Guimarães Rosa, Jorge Amado e Antônio Olinto, autor do prefácio. A nova edição traz este texto, bem como uma apresentação inédita assinada pelo crítico e escritor Eliezer Moreira. Os demais títulos também vão ganhar novos textos de apresentação.
França Júnior não planejou se tornar escritor. Nascido no Serro, viveu até os 7 anos naquela cidade. Com a morte prematura do pai, Oswaldo França, sua mãe, viúva e com cinco filhos para criar, se casou com um primo. A família mudou-se para Belo Horizonte.
A paixão pelos ares o levou para o Curso de Formação de Cadetes, em Barbacena, e depois para o Curso de Formação de Oficiais Aviadores, no Rio de Janeiro. A Aeronáutica o mandou para o Ceará, onde viveu com a família, até ser cassado, em 1964, pela ditadura militar.
Casado e com três filhos pequenos, França Júnior retornou a Belo Horizonte. "Ele tentou, mas não conseguiu arrumar trabalho", conta Jacyra. Sempre que ia fazer uma entrevista de emprego, quando pediam a carteira de trabalho, ele explicava que havia sido piloto de caça e que tinha saído da Aeronáutica. As portas se fechavam.
França Júnior fez de tudo um pouco. "Teve carrinho de pipoca, banca de jornal, três ou quatro táxis. Também comprava carro usado em Minas e vendia em outros estados. Na época, os carros mineiros eram valorizados, pois não tinham maresia", relembra Jacyra. Mas nunca foi caminhoneiro, como alguns acreditam que tenha sido.
Até que, um dia, foi ao Rio de Janeiro e, com um livro de contos embaixo do braço, bateu na porta de Rubem Braga, sem nunca tê-lo visto na vida. Falou do livro e ouviu do cronista: "Não é assim que se aborda as pessoas, mas deixa ele aqui que vou dar uma olhada". França Júnior não tinha telefone. Algum tempo depois desse encontro, ligou para Braga, que respondeu que havia gostado dos contos, mas sugeriu um romance.
Naquele período, 1965, Braga havia se unido a Fernando Sabino para criar a Editora do Autor (que deu origem à Sabiá). França Júnior entregou a Braga os originais de "O viúvo" três meses depois da conversa que tiveram. E foi levando a vida, pagando as contas com a banca de jornal que tinha na Praça Sete.
"Um dia, andando na rua de manhã cedo, ele olhou para a livraria que tinha na Praça Sete. 'O viúvo' estava na vitrine", conta Jacyra. Ele ficou emocionadíssimo, comenta a filha. Logo ligou para Rubem Braga, que lhe explicou: "Tentamos falar, mas você não deixou endereço, telefone, nada. Então editamos." Os dois permaneceram amigos até o fim.
"JORGE, UM BRASILEIRO"
• Oswaldo França Júnior
• Nova Fronteira (169 págs.)
• R$ 69,90 (livro) e R$ 49,99 (e-book)