LUTO NA LITERATURA

Talento múltiplo e premiado. Conheça a carreira de Marina Colasanti

Escritora, poeta, tradutora, ilustradora, jornalista, autora de aproximadamente 70 livros, ela morreu aos 87 anos, em casa, no Rio de Janeiro, nesta terça-feira

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"Os 80 nos avisam que estamos chegando no quilômetro final da maratona." Era julho de 2019 quando Marina Colasanti fez esta declaração ao Estado de Minas. Ainda houve alguns quilômetros até a reta final, ontem (28/1), quando a escritora, jornalista e tradutora ítalo-brasileira morreu em sua casa, aos 87 anos, no Rio de Janeiro.


O velório será hoje (29/1), das 9h às 12h, no Parque Lage. Casada desde 1971 com o escritor e poeta belo-horizontino Affonso Romano de Sant'Anna, Marina deixa uma filha, a atriz e diretora Alessandra Colasanti, e um neto, Nuno. Deixa também uma obra imensa, com aproximadamente 70 títulos – poemas, crônicas, contos, ensaios, reportagens.


Deixa, por fim, um enorme grupo de leitoras, crianças e adultos – muitos destes, por sinal, formados na infância pelos livros de Marina. "Uma ideia toda azul" (1979) é o mais importante deles. Nas 10 histórias curtas, a autora refaz a mitologia de reis e princesas: os personagens clássicos dos contos de fadas tratam de temas como amor, morte, juventude, velhice e solidão.


“Se o todo me representar, será sinal que consegui o que queria: emitir um único som através de embocaduras tão diferentes”, afirmou também ao EM. Sua obra foi devidamente reconhecida. Em 2023, Marina recebeu o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras – foi a décima mulher a receber a honraria.


Na época, por meio de comunicado, afirmou: "Estou muito emocionada, não esperava. Mas acho que sou merecedora porque tenho uma obra extensa. Nunca escrevi romance, mas muitos contos, minicontos, contos infantis, contos estranhos."


A escritora recebeu o Jabuti nove vezes. Foi inclusive escolhida por esse prêmio a "personalidade literária" de 2024. Tornou-se hors-concours da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), após ter sido várias vezes premiada.


Também venceu o Grande Prêmio da Crítica da APCA, Livro do Ano da Câmara Brasileira do Livro, prêmio da Biblioteca Nacional para poesia e prêmios internacionais.


Marina começou na literatura por meio do jornalismo. Era cronista do "Jornal do Brasil" quando lançou seu primeiro livro, "Eu sozinha" (1968). Mas a escrita veio da infância. "Tinha entre 8 e 9 anos quando escrevi os primeiros contos e, sobretudo, os primeiros poemas. Não era nenhuma criança prodígio, mas ouvia poemas da boca do meu pai (o ator italiano Manfredo Colasanti) e lia toda semana uma revista infantil que trazia histórias em quadrinhos com legendas rimadas e metrificadas."


Sua infância não foi comum, atravessou a Segunda Guerra Mundial em sua primeira década de vida. Nascida em Asmara, na Etiópia (então Eritreia, colônia italiana na África), em 26 de setembro de 1937, viveu também em Trípoli, na Líbia. A família voltou à Itália e, no difícil pós-guerra, emigrou para o Brasil. Com os pais e o irmão, o ator Arduíno, os Colasanti aportaram no Rio de Janeiro em 1948.


Parque Lage

Foram viver com Gabriella Bezansoni, cantora lírica italiana que havia deixado a carreira de lado ao se casar com o magnata brasileiro Henrique Lage. Tão rico quanto apaixonado pela mulher, ele remodelou o palacete aos pés do Corcovado para agradar Gabriella, que organizava festas lendárias em sua casa. Esta é hoje a Escola de Belas Artes do Parque Lage (EAV), um dos cartões-postais do Rio de Janeiro.


Gabriella era tia-avó de Marina. A escritora, que viveu no palacete até os 19 anos, recuperou a história de seus antepassados em "Vozes de batalha" (2021). “Há uma descrição da vida doméstica no Parque Lage e a sequência dela, com Roberto Marinho comprando a casa, conseguindo o destombamento dela com Juscelino Kubitschek, e o Carlos Lacerda tombando novamente a casa", disse Marina ao EM seis anos atrás, semanas após ter finalizado o livro.


Como tradutora, Marina trouxe para o português importantes obras, como "As aventuras de Pinóquio" (Carlo Collodi, 2002), "A pequena Alice no País das Maravilhas" (Lewis Caroll, 2015) e "Imagine" (John Lennon, 2017). Ilustrou também a maior parte dos livros que escreveu.


Antes de se tornar cronista, Marina fez de tudo no "Jornal do Brasil". Chegou ao diário em 1962, e atuou como redatora, colunista, ilustradora, subeditora. Foi por meio da atividade jornalística que conheceu Clarice Lispector, de quem se tornou amiga muito próxima.


Em 1967, Clarice foi convidada para escrever no "JB". “Todo mundo tinha reverência ou medo de lidar com ela, Clarice era estranha. Pois ela me foi entregue, era eu quem cuidava dos textos, dos telefonemas, quando ela tinha que adiantar uma crônica. Não havia computador nem impressora, era o tempo do carbono. Ela não tinha cópia dos textos. Dizia, com aquele erre arredondado dela: ‘O carbono foge’”, contou Marina ao EM em agosto de 2020, antes de uma live – foram várias durante a pandemia – dedicada a Clarice, em torno de seu centenário.


Continuou ativa até recentemente, mais remota do que fisicamente. Mas o autor tinha que estar presente, dizia Marina, "em um país onde não há mais crítica literária nos jornais, onde as pessoas vão pouco às livrarias". Dizia trabalhar com o que chamava "realidade expandida". "A vida fica melhor assim, se você entrar em outras dimensões", afirmou no curta "Entre a sístole e a diástole", dirigido pela filha Alessandra.


Lançado em novembro de 2024 no YouTube, o documentário familiar traz Marina ontem, hoje e sempre. Em primeira pessoa, guia o espectador por meio de fotografias e vídeos. "Não há limites para a imaginação e ela pode permear todo o cotidiano de uma vida. Isso certamente traçou meu rumo."

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