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So long, Marianne: adeus à musa de Mick Jagger, Sister Morphine dos Stones
Cantora, compositora e atriz, Marianne Faithfull viveu altos e baixos, filmou com Godard e Alain Delon, cantou com Nick Cave, Beck e Brian Eno
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A história lhe reservou o lugar de musa. Que ela rechaçou, por meio de sua trajetória destemida, na música e no cinema, e da vida aventureira, com alguns altos e outros tantos de baixos. Marianne Faithfull, cantora, compositora e atriz britânica, morreu na quinta-feira (30/1), aos 78 anos, em Londres, “pacificamente e na companhia de sua amorosa família”, afirmou seu porta-voz.
A trajetória de Marianne é um retrato da era do rock and roll. “Ela tinha o sorriso triste mais estranho que você já viu. Quando cantava, suspirava e fechava as pálpebras em poses de infinita pureza luxuriosa”, afirmou Andrew Loog Oldham em suas memórias, “2Stoned”. Foi ele, descobridor dos Rolling Stones, quem também descobriu a garota da classe alta londrina, numa festa da banda em 1964.
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Oldham reservou para Marianne a primeira canção composta por Mick Jagger e Keith Richards. Com sua voz frágil, ela fez, aos 16 anos, a gravação que se tornou definitiva de “As tears go by”. “Ela não foi escrita para mim, mas se encaixou tão perfeitamente que poderia muito bem ter sido”, afirmou a própria em sua autobiografia, “Faithfull”.
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Marianne Faithfull e Mick Jagger: o retrato da Swinging London sessentista
O início foi muito promissor – durante um ano, a balada ficou em alta nas paradas britânicas. Na época, ela chegou ao cinema pelas mãos de ninguém menos que Jean-Luc Godard: cantou “As tears go by” a capella no filme “Made in U.S.A.” (1966). Dois anos mais tarde, dividiu a cena com Alain Delon em “A garota da motocicleta”, de Jack Cardiff.
Naquela altura, já havia se separado do primeiro marido, o artista John Dunbar, pai de seu único filho, para assumir o relacionamento com Jagger. Eram a personificação da Swinging London – não havia outro casal assim no mundo, no Reino Unido, nos Estados Unidos e até mesmo no Brasil, que Marianne conheceu ao lado de Jagger em janeiro de 1968.
“Estou muito triste pela morte de Marianne Faithfull. Ela foi parte da minha vida durante muito tempo. Era uma amiga maravilhosa, uma cantora linda e uma ótima atriz”, declarou o vocalista dos Rolling Stones, por meio de suas redes sociais.
Nascida em 29 de dezembro de 1946 em Londres, filha de pai espião e mãe austro-húngara descendente do barão Leopold von Sacher Masoch, Faithfull sobreviveu a overdoses de drogas, a tentativas de suicídio, às ruas, ao álcool, ao câncer, à hepatite C e inclusive à COVID, que a obrigou a permanecer hospitalizada por três semanas em Londres.
A despeito de vários revezes, ela manteve a carreira ativa, passeando por diferentes áreas. Entre o fim dos anos 1960 e o início de 1970, Marianne sofreu aborto espontâneo de um bebê de Jagger. Pouco depois, a relação com o vocalista azedou. Além disso, perdeu, no período, a guarda de seu filho, Nicholas Dunbar. A tentativa de suicídio foi seguida de uma temporada vivendo nas ruas de Londres sob o vício da heroína.
Marianne entrou na Justiça para conseguir o crédito para a coautoria de “Sister Morphine”, que os Stones haviam lançado em “Sticky fingers” (1971) só nomeando Jagger e Richards como autores.
A cantora voltaria à ativa em 1976, com o álbum country “Dreamin’ my dreams”. A loira etérea dos anos 1960 não existia mais. Houve novos discos e outras quedas. O vício a levou ao fundo mais vezes, mas ela finalmente conseguiu se limpar. Com a sabedoria conquistada a duras penas, junto à voz muito rascante, que denotava os anos de abusos, seguiu para novos atos de sua carreira.
Irina Palm e Maria Antonieta
Neste século, novas gerações a viram em filmes como “Maria Antonieta” (2006), de Sofia Coppola, como a protagonista de “Irina Palm” (2007), de Sam Garbarski, e até mesmo em pequena participação, fazendo a voz de uma ancestral, no recente “Duna” (2021), de Denis Villeneuve.
Houve colaborações com vários dos grandes. Nos palcos, Marianne esteve em “The black rider” (2004), musical escrito por Tom Waits. Nos discos, as colaborações denotam o respeito que conquistou. Em “Kissin’time” (2002), Marianne cantou com Beck, Billy Corgan, Blur e Jarvis Cocker. No lançamento posterior, “Before the poison” (2005), gravou com PJ Harvey, Nick Cave e Damon Albarn.
Seu último álbum de estúdio, com música e poesia, é “She walks in beauty” (2021). Gravado no início da pandemia, traz parceiros como Nick Cave e Brian Eno.
Mick Jagger e Marianne Faithfull visitaram o Brasil pela primeira vez em janeiro de 1968. Foram recebidos pelo escritor Fernando Sabino, ex-adido cultural na Embaixada de Londres. Depois de recepcioná-los em seu apartamento no Leblon, como a conversa não engrenou, levou-os para o Antonio's. O bar reunia a boemia intelectual carioca, que se mostrou bastante conservadora diante do casal de rock stars.
“A turma dirigiu piadinhas de mau gosto e comentários preconceituosos a Mick e Marianne… Pior ainda, um dos frequentadores tirou o chapéu de abas largas de Jagger e o atirou em direção a outra mesa”, escreveu Nélio Rodrigues no livro “Os Rolling Stones no Brasil” (2000). O casal foi também a Arembepe, na Bahia.
Amizade entre Sabino e Jagger nunca rolou. Mas rendeu a crônica “O fariseu”, sobre a primeira (e última) vez que o escritor fumou maconha, influenciado por uma conversa sobre drogas com Marianne naquela fatídica noite. (Com agências)