Ler um romance do escritor suíço Joël Dicker é como abrir uma matriosca. Cada passagem se abre para uma nova camada, que se abre para outra, outra e outra, como dezenas de bonecas russas. Recém-lançado no Brasil, “Um animal selvagem” (Intrínseca) não foge à regra.

 

 


A partir do assalto a uma joalheria de Genebra em julho de 2022, somos apresentados à trama que envolve amor, sexo, mistério, dinheiro e poder, ingredientes básicos de um thriller.

 


Não há assassinato aqui, como na maioria dos livros deste autor que ganhou o mundo a partir de “A verdade sobre o caso Harry Quebert” (2012). Mas a engrenagem criada por Dicker para acompanhar a trajetória de dois casais eletriza – ninguém é o que parece ser.

 



 

Tomando o assalto como ponto central, o escritor criou toda uma trama em flashback, 20 dias antes do fato. De um lado estão Greg e Karine – ele policial, ela vendedora, que se mudaram com os dois filhos para um residencial de classe média em Cologny, subúrbio rico de Genebra. Os vizinhos cheios da grana olham de soslaio para quem vive no local, apelidado de “A Verruga”.

 


Do outro lado estão Arpad e Sophie, ele alto executivo de banco, ela advogada, também dois filhos. A situação financeira folgada lhes permite viver na casa de vidro assinada por um arquiteto importante em meio à mata em Cologny. Não é apenas o dinheiro que separa os dois casais, é o relacionamento entre eles.

 


Arpad e Sophie continuam apaixonados, enquanto Greg e Karine apenas se toleram. E o policial não pensa em outra coisa além da mulher do executivo: Sophie povoa seus sonhos. Todas as manhãs, ele sai de casa para vigiá-la. A residência envidraçada permite que tenha acesso à intimidade do casal.

 

 


A engenhosidade com que Dicker desenvolve as tramas é o ponto alto de suas histórias, em detrimento de diálogos pobres e personagens por vezes estereotipados.

 

Autor bestseller com sete romances traduzidos para 40 idiomas e 15 milhões de exemplares vendidos – no Brasil, todos foram publicados pela Intrínseca, com 200 mil cópias comercializadas –, Dicker é legítimo representante do que se chama, em inglês, de page-turner. Basicamente, histórias lidas rapidamente.

 

 


Com 400 páginas, “Um animal selvagem” não foge à regra. Dicker faz a defesa da chamada literatura de entretenimento. “Acho que esquecemos algo muito importante sobre os romances. Eles foram feitos para que as pessoas se divirtam. ‘O Conde de Monte Cristo’, um dos meus romances favoritos, foi publicado, por partes, em jornal. Ou seja: as pessoas voltavam a ele, como fazemos hoje com programas de TV”, afirma o escritor ao Estado de Minas.

 


Dicker acredita que os page-turners podem trazer o público de volta para os livros. “Hoje temos dificuldade em fazer as pessoas lerem, especialmente a nova geração. Uma das razões são os smartphones. Mas há outro motivo. Nós, autores, editores e toda a indústria do livro, não fomos bem sucedidos em mostrar aos jovens que os livros são como a música, o futebol, a moda. Eles não parecem tão bons. A boa notícia é que não é tarde demais, todo mundo adora ler, mas nem todo mundo sabe disso. Ainda. Então, temos de encontrar o livro certo para incentivar. Um livro de entretenimento pode fazer de alguém um leitor pelo resto da vida.”

 

Suíça: cenário ideal

 


O escritor defende sua cidade natal como bom cenário para thrillers, mesmo quando provocado sobre a Suíça ser conhecida como um lugar tedioso.

 

“Se você tem um crime cometido em uma cidade grande como Rio ou São Paulo, ou em uma cidade pequena – Genebra, muito conhecida pelas Nações Unidas, é minúscula –, o crime pode ser o mesmo, mas não o impacto. Na pequena, é como um terremoto. E a Suíça é muito positiva para isso, pois há o estereótipo de que é um lugar tranquilo, chato. Então, quando algo louco acontece, o leitor vai querer embarcar”, afirma.

 

 

Patrick Dempsey vive o escritor às voltas com misterioso assassinato na série "A verdade sobre o caso Harry Quebert", disponível no Globoplay

Globoplay/reprodução

 

 

Dicker, de 39 anos, tinha 27 quando seu segundo romance, “A verdade sobre o caso Harry Quebert”, fez dele uma sensação. Essa obra foi finalista do prestigioso prêmio Goncourt, se tornou o livro em língua francesa mais vendido da década passada no mercado francês e virou série, com Patrick Dempsey como protagonista.

 


Editor


Em 2022, o suíço criou a própria editora, Rosie & Wolfe, que hoje lança seus romances. Mas o catálogo vem crescendo com outros autores.

 

“Quis sugerir aos leitores livros diferentes dos meus. Alguns romances são feitos para entreter. Mas a partir deles você pode ter outros tipos, que lhe trarão coisas diferentes”, conta ele, que publicou ensaios como “O cérebro leitor”, da professora e pesquisadora Maryanne Wolf (editado no Brasil pela Contexto).

 

“É um livro muito importante, porque mostra como a leitura constrói o nosso cérebro. Com a editora, não quero adicionar livros como os meus. Quero tentar fazer com que meus leitores saiam de sua zona de conforto e leiam algo diferente”, afirma.

 

 

No zoológico

 

Joël Dicker lança em 4 de março a edição em francês de seu oitavo romance,“La très catastrophique visite du zoo”(“A visita catastrófica ao zoológico”, em tradução livre). A trama ocorre na véspera do Natal, quando excursão escolar ao zoológico se transforma em desastre.

 

“É um livro um pouco diferente dos outros, porque fala com um público grande – de crianças de 10 anos a idosos. Como um bom filme a que todos assistam juntos, acho que deveríamos fazer o mesmo com os livros”, comenta o escritor.

 

“UM ANIMAL SELVAGEM”


• Livro De Joël Dicker
• Tradução de Debora Fleck
• Intrínseca
• 400 páginas
• R$ 79,90
• R$ 54,90 (e-book)

compartilhe