Mahin é uma viúva aposentada de 70 anos que se cansou da solidão e da mesmice. Quer voltar a dançar e ouvir música, se sentir bonita, usar maquiagem, beber um pouco, quem sabe com um novo parceiro. Sai de casa sem um plano. E retorna com Faramarz, um taxista também solitário e septuagenário. Nesta noite, os dois se apaixonam.

 




Em cartaz nos cinemas, “Meu bolo favorito” é absolutamente comovente, divertido por vezes, agridoce também. Vencedor de dois prêmios no Festival de Berlim de 2024, sua existência é quase um milagre.

 

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A produção foi realizada, em parte, secretamente, diante das proibições impostas pela teocracia que rege o Irã. Os diretores e roteiristas, Behtash Sanaeeha e Maryam Moghadam, estão sendo julgados. Respondem a três acusações: propaganda contra o regime, espalhar a prostituição e a libertinagem e fazer um filme vulgar.


Os protagonistas, Lily Farhadpour e Esmaeel Mehrabi, assim como o diretor de fotografia e o produtor persa também estão sendo julgados, com um número menor de acusações.

 


Em entrevista ao Estado de Minas, de Teerã, o casal fala sobre o filme e a vida em seu país. “Decidimos estar aqui porque é nosso direito. E se eles não nos derem, acreditamos que temos que ficar e retomá-lo”, diz Maryam.


Qual é a situação atual de vocês no Irã?
Behtash Sanaeeha – Estamos no meio de um julgamento e há 19 meses fomos proibidos de viajar. Tudo começou quando a Guarda Revolucionária invadiu a casa do nosso editor e levou todos os computadores. No dia seguinte, nos pressionaram para tirar o filme da Berlinale. Depois de duas semanas, quando íamos para Paris terminar a pós-produção do filme, pegaram nossos passaportes e começaram o julgamento. Agora vamos para a prisão de Evin (que desde 1972 detém presos políticos) uma vez por mês para interrogatórios. Estamos esperando o Tribunal Revolucionário nos dar a sentença final.


Quais são as perspectivas que vocês têm?
Behtash – Parte da acusação é o que vivenciamos nos últimos dois anos, como a proibição de viajar. É muito triste e decepcionante porque não pudemos estar com nosso filme em nenhum festival, e não pudemos ver com o público internacional em um grande cinema. Talvez a proibição de viajar continue. Eles podem até nos colocar na prisão por um ano ou dois anos, por propaganda contra o regime. Não há nada previsível neste país. A situação está mudando muito no Oriente Médio e eles mudam as estratégias a qualquer momento.


Como vocês filmaram as cenas externas?
Maryam Moghadam – Filmar ao ar livre é quase impossível sem permissão. Conseguimos uma para um curta-metragem que seria feita por outro roteirista e diretor (amigo do casal). O filme se chamava “Mundo paralelo”.

Behtash – Mas para alguns locais não tínhamos a permissão específica, como para a cena do parque. Foi muito estressante pois só tínhamos duas horas para filmar e apenas três tomadas. Tivemos muita sorte, pois a terceira ficou boa e conseguimos escapar do parque.

 


Como veio a ideia de tratar de liberdade de escolha por meio de uma mulher idosa?
Maryam – O filme fala sobre vida, solidão e aproveitar o momento. São esses pequenos momentos de felicidade, nesse oceano de tristeza e loucura, que fazem a vida valer a pena. Escolhemos um casal de idosos por duas razões: quando envelhecemos, temos mais experiências de solidão, vida, morte. O segundo ponto é que queríamos evitar o clichê que a indústria cinematográfica nos ditou de que apenas os jovens, com um tipo de beleza, são interessantes de assistir. O casal do filme é muito interessante. Quando envelhece, você tem desejos e necessidades, e se pode ser bonito quando se é mais velho.


A resposta internacional que o filme teve pode interferir em alguma coisa?
Maryam – Pode diminuir os perigos para nós. Quanto mais você é conhecido e falado, mais eles são cuidadosos. Se é um desconhecido, eles são mais brutais.

Behtash – Mas não se pode ter 100% de certeza porque, às vezes, eles colocam todos os diretores famosos na prisão, como aconteceu com Mohammad Rasoulof ou o Jafar Panahi.


Fazer filmes no Irã é sempre um ato político?
Behtash – Nossa vida é política todos os dias. Mesmo quando você quer respirar neste país, pode ser político, porque temos muitas linhas vermelhas. Temos que mostrar dois tipos diferentes de vida. Uma é dentro de casa e outra é fora. Fora de casa, ninguém bebe álcool, a mulher tem que usar o hijab. Mas as coisas estão mudando.

Maryam – Muitas mulheres não estão usando o hijab e são presas. Uma vida normal é proibida. É proibido vestir o que você quiser, comer o que quiser, beber o que quiser. Apenas querer imaginar uma vida real (por meio de um filme) é um ato político porque a realidade é proibida.


Por que continuar no Irã?
Behtash – Queremos viver no Irã porque acreditamos que temos que fazer filmes sobre nosso povo. Para cada filme, temos que encontrar uma maneira, às vezes temos que apresentar um contexto falso para o Ministério da Cultura para obter permissão. Talvez façamos um filme completo secreto no futuro. Estamos tentando encontrar uma maneira.

Maryam – Poderíamos ter nos mudado antes (do julgamento) porque tenho nacionalidade sueca. Decidimos estar aqui, não porque é fácil, mas porque é nosso direito. E se eles não nos derem nosso direito, acreditamos que temos que ficar e retomá-lo. É assim que somos.


“MEU BOLO FAVORITO”
(Irã/França/Suécia/Alemanha, 2024, 106min., de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, com Lily Farhadpour e Esmaeel Mehrabi). Em cartaz no Pátio 1, às 12h20 e 17h (neste domingo, 12/1), e às 13h50 e 16h30 (segunda e quarta); e no UNA Cine Belas Artes 1, às 14h20 (exceto segunda).

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