Os números são grandes: mais de 100 espetáculos em 60 anos de carreira, além de um teatro (da Cidade) próprio há quase 35 anos. Pedro Paulo Cava foi uma exceção em sua geração: sempre viveu exclusivamente de teatro em Belo Horizonte, decisão tomada na juventude, quando seus pares foram embora para tentar a carreira no Rio ou em São Paulo. "A essa altura da vida, não vai mudar nada. Mas sou um cara feliz, e a maior parte das coisas que me fizeram feliz foram aqui", afirma Cava, o convidado dessa semana do “EM Minas”, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e o Portal Uai.
Em 60 anos de carreira, são mais alegrias ou mais desafios e tristezas?
Mais alegrias, mas com muita dificuldade porque não é fácil ser artista em Belo Horizonte, uma cidade meio autofágica, que costuma devorar seus próprios artistas. Uma parte da minha geração saiu daqui para fazer jornalismo em São Paulo e no Rio. Outra parte foi para o Rio de Janeiro em busca do sucesso da televisão. Alguns para São Paulo. Desses todos, e não foram poucos, pouquíssimos conseguiram obter algum sucesso porque é difícil tanto no teatro quanto na televisão. Eu resolvi ficar por vários motivos: primeiro porque sou filho único de pais que eram muito idosos e segundo porque queria ficar em Belo Horizonte e vencer aqui. Belo Horizonte é uma mágica para mim. Apesar de xingar a cidade, sempre fui muito apaixonado por ela. Assumi que queria ser um profissional de teatro, e isso com 17 anos, quando comecei a trabalhar profissionalmente.
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Tem uma pessoa que chegou e falou: "Pedro Paulo, você não serve para ser ator, vai dirigir". Quem foi essa pessoa?
Jota Dângelo, o pai de todos. Estava fazendo com ele (a peça) "Frei Caneca" e contracenando com o grande Rogério Falabella. Era difícil porque o Rogério me engolia em cena, eu não era bom ator. Um dia, o Dângelo falou: "Olha, você já está dirigindo, então vai dirigir Pedro Paulo, como ator não vai ser possível". De fato, foi o que aconteceu.
Não sei se o Dângelo errou na avaliação do ator, mas ele acertou na do diretor. Quantas peças você dirigiu nesses 60 anos?
Mais de 100.
Seu maior sucesso foi "Mulheres de Hollanda" ou estou enganado?
Está. Eu tive sucesso com "Bella Ciao", no Francisco Nunes, com "Galileu Galilei" e no Teatro da Cidade, depois que o construí, os sucessos foram "Mulheres de Hollanda", "Estrela Dalva", "Na era do rádio", "Uma intimidade indecente", "Brasileiro: profissão esperança" e por aí afora. Não colecionei fracassos, mas sucessos. "Galileu Galilei" tinha 25 atores em cena. Fui fazendo meus espetáculos e buscando público. Nós tivemos que, além de fazer teatro, formar público. Como se faz? Dando um espetáculo de qualidade que funciona no teatro. Não é tanto publicidade ou matéria no jornal, na rádio ou na TV que funcionam. É o cara que fala: "Vai ver que eu vi e é bom".
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Tem aquela história de que Belo Horizonte é ruim de teatro e que quando vem alguém do Rio ou São Paulo, fica dois ou três dias e vai embora. Manter o teatro vivo em Belo Horizonte seria uma obrigação, digamos assim, das companhias locais. E é algo que a gente não vê com grande frequência, infelizmente.
Isso mudou muito dos anos 1980 até 2010, quando o público começar a cair. As novas tecnologias estão afastando o público da cultura. Todo mundo tem acesso a filmes muito bons. O cinema ganhou força não nas salas, mas em casa. Durante a pandemia, as pessoas não tinham como ganhar dinheiro. Então todo mundo começou a fazer teatro na internet, no celular. Enfim, não era bom porque o teatro depende de você ter público. Teatro na internet não é teatro, não é vídeo, não é cinema, é alguma coisa que a gente ainda não sabe o que é. O teatro prescinde do público, do ator e do texto.
Você tem um teatro, dirige espetáculos, tem uma galeria de arte, ou seja, está jogando nas 11. Você se considera um artista empresário ou um empresário das artes?
Sou péssimo empresário para qualquer coisa. No tempo que comecei a dirigir não existiam produtores independentes que falam "vai dirigir que eu produzo". Não, você tinha que ser o produtor, contratar um produtor-executivo, e se virar para dirigir o espetáculo. E para você ser um bom empresário tem que saber ganhar dinheiro. Não sei, isto sempre foi difícil na minha vida. Mas um sonho sempre foi fazer um teatro. Foi aí que entrou o lado do empresário que gosta de conversar. Se você entrar no Teatro da Cidade, do menor parafuso ao maior refletor, tudo foi feito com contribuição de empresas, sem lei de incentivo ou dinheiro público.
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O que faz um grande ator?
Cinco por cento de inspiração e 95% de transpiração é o que caracteriza um grande ator. Mas o que caracteriza mesmo é uma intuição altamente desenvolvida que alguns, pouquíssimos têm. Você pode fazer a escola, ser um ator razoável, mas nunca vai ser um grande ator se não tiver essa intuição desenvolvida. Parece que é uma coisa que nasce com algumas pessoas para toda e qualquer profissão.
Qual é o texto que você considera indispensável e não teve oportunidade de montar?
Não sei te dizer assim um texto indispensável. Montei "Rasga coração", que sempre achei indispensável, mais importante da dramaturgia brasileira, é uma história pesada do Brasil, escrita pelo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, que foi proibido pela censura em 1974. Montei em 1984 no Francisco Nunes. Gostaria de ter montado "Macunaíma", mas o Antunes (Filho) montou e foi um espetáculo maravilhoso. Você fica com aquilo na cabeça, não vai fazer outro, né?