"Não existe vida fora do palcos." A afirmação que Maria Callas faz, a certa altura do longa-metragem homônimo, que chega nesta quinta-feira (16/1) aos cinemas, é como um fio condutor do filme de Pablo Larraín. O cineasta chileno filma os últimos dias da diva das divas com uma teatralidade intencional. Nunca chegamos a compreendê-la de fato. Mas tampouco nos cansamos de assisti-la, quanto mais diante da performance imperativa de Angelina Jolie.
Com "Maria Callas", Larraín encerra a trilogia sobre mulheres lendárias do século 20 frente ao abismo: "Jackie" (2016), com Natalie Portman como Jackie Kennedy, e "Spencer" (2021), com Kristen Stewart como a Princesa Diana. Assim como nas produções anteriores, muita coisa que está na tela foi imaginada pelo diretor e pelo roteirista Steven Knight, com base nos fatos da vida da cantora greco-americana (1923-1977).
Em seus derradeiros dias em Paris, em setembro de 1977, Maria Callas vive como que em dois planos. No apartamento colossal que habita com seus cachorros e os fiéis escudeiros Ferruccio (Pierfrancesco Favino) e Bruna (Alba Rohrwacher), ela é Maria.
Afundada em sedativos, sabe que sua voz não irá mais voltar. Ora é brutal, obrigando o pobre mordomo com dores excruciantes nas costas a trocar o piano de lugar a seu bel-prazer. Ora beira o patético, quando canta uma ária de ópera, de roupão, para a governanta que prepara um omelete.
Mas ela é também La Callas, a temperamental, trágica e genial cantora lírica. Os remédios alimentam suas alucinações. Os flashbacks a levam para tempos passados. São dias de pompa, quando fazia todos se curvarem para ela; de prazer, com o início de seu relacionamento com o magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer); e de miséria, como a infância traumatizada na Grécia ocupada pelos nazistas.
Neste retorno alucinado aos tempos passados, Maria Callas tem a companhia de Mandrax (Kodi Smit-McPhee), um repórter que está fazendo uma longa entrevista com ela. Ao lado dele, passeia por uma Paris tão imagética quanto a própria Callas. O personagem é pura fabulação de Callas para se sentir importante. Mandrax (muito popular na Europa na década de 1970 e proibido em meados dos anos 1980) é o sedativo e hipnótico que ela consome em quantidades abissais.
Imprevisível
Nós nunca sabemos como ela vai agir. Ela quer ser adorada, mas não quer ser incomodada. "Madame, talvez possamos encontrar um lugar lá dentro", sugere um garçom de um café, depois que Callas se incomoda com o comentário desagradável de um antigo fã. "Venho a restaurantes para ser adorada", ela responde.
Mais humana é sua relação com os dois funcionários, ainda que sempre entre ferroadas. "Quando eu lhe peço para fazer algo, você deve ocasionalmente me dizer não", afirma Callas a Ferruccio. "Sou cuidadoso, madame. É por isso que não ouso lhe dizer não", ele responde.
Larraín gosta e entende de ópera: "Maria Callas de alguma forma se tornou a soma das tragédias que ela interpretou no palco", afirmou o cineasta à revista britânica "Gramophone". "Ela interpretou tantos personagens trágicos que morreram no final da ópera que acho que eles se tornaram uma espécie de fantasmas em sua vida."
Fusão de vozes
O cineasta costura árias de grandes óperas ("La Traviata", "Medeia", "Carmen") na narrativa. A maior parte delas é apresentada em sua completude. No início do filme, Angelina Jolie, em preto e branco, canta "Ave Maria", de "Otello", de Verdi, olhando para a câmera. Ao site "The Playlist", Larraín explicou como foram feitas as filmagens, em que o canto da atriz foi fundido com as gravações originais de Callas.
"Para cada uma das seis árias que ela canta em frente à câmera e treinou por mais de um mês e meio, ela tinha um fone de ouvido e tudo o que soava quando estávamos gravando a música era sua voz, a voz de Angie. Filmávamos não apenas a voz em si, mas cada som, a respiração, a roupa, tudo”, diz o diretor.
“Então misturamos com a voz de Maria (Callas). Às vezes, é 1% Angelina, 5%, às vezes é 60%, mas, na maioria, você está realmente ouvindo Callas. Você não quer fazer um filme sobre Callas sem a música de Callas. Isso seria loucura. Mas, ao mesmo tempo, você tem que torná-lo crível. Então Angelina realmente canta em voz alta com todo o seu coração."
Em um dos papéis mais importantes de sua carreira, Angelina Jolie parece usar a perfeição como uma armadura. Ela se humaniza em poucos momentos, como por exemplo em um delírio de retorno aos palcos, quando testa sua força vocal e, acompanhada de um pianista, percebe que perdeu definitivamente o que a definia. Sua performance é inebriante, mas sempre distante, do alto de um pedestal.
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"MARIA CALLAS"
(Itália/Alemanha/Chile/EUA, 2024, 124min.). Direção: Pablo Larraín. Com Angelina Jolie, Pierfrancesco Favino e Alba Rohrwacher. O filme estreia nesta quinta-feira nos cines Centro Cultural Unimed-BH Minas 1, às 18h10; Diamond 1, 15h30 e 18h40; Pátio 5, às 12h40, 15h20, 18h10 e 21h; Ponteio 1, às 13h30 e 18h40 (exceto quarta) e 17h40 (quarta); UNA Belas Artes 2, às 14h40 (quinta, sábado e quarta) e 18h20.