Com estreia nesta quinta-feira (16/1) nos cinemas, o documentário “Luiz Melodia – No coração do Brasil” está sempre nos lembrando de como este cantor e compositor é um grande autor e intérprete, tanto na qualidade quanto na quantidade de sua produção. E também de como ele nunca se curvou à indústria que sempre o quis dentro de um nicho.

 

 


Preto, pobre, carioca nascido no morro (de São Carlos, no Bairro do Estácio)? Luiz Carlos dos Santos deveria seguir o caminho do pai, o sambista Oswaldo Melodia. Mas não – é o que ele deixa claro no longa-metragem, narrado em primeira pessoa.

 



 

Melodia morreu em 2017, aos 66 anos, em decorrência de câncer na medula. A cineasta Alessandra Dorgan poderia ter lançado um documentário convencional, com depoimentos e imagens de arquivo. Trabalhando desde o início do projeto (que consumiu sete anos) ao lado da jornalista Patrícia Palumbo, diretora musical, a realizadora realizou um filme-tributo, que foge dos padrões.

 


Evitando o engessado formato jornalístico (o que já é um ganho), ela mostra quem foi o cantor e compositor. A espinha dorsal do longa foi o extenso depoimento que Melodia concedeu a Palumbo, profunda conhecedora da produção musical brasileira, mais de 20 anos atrás.

 

Divisor de águas

 

 
A primeira grande personagem é Gal Costa. Melodia já tinha um bom repertório de canções quando Gal escolheu “Pérola negra” para o repertório do antológico show “Fa-tal” (1971).

 


Aquele foi o divisor de águas. O filme tem tanto Melodia falando desse encontro quanto a própria Gal. Exibe tanto imagens do espetáculo quanto da entrevista dela, de época, concedida ao jovem Jô Soares. Se Gal foi a primeira, Bethânia foi a segunda, quando gravou “Estácio, holly Estácio”, em 1972.

 


A partir das duas “madrinhas” baianas, Melodia chegou ao álbum de estreia, “Pérola negra” (1973). Já neste início ele apresenta sua carta de intenções: o disco reúne blues, rock e soul, com um grupo de bambas.

 

 


O documentário segue a história, com uma longa sequência com Melodia interpretando “Ébano” (1975), finalista do Festival Abertura, da Globo. Em vez de edições rápidas, o filme respeita o tempo do artista e da música. Mesmo que imagens e som sejam, por vezes, precários, os registros históricos aparecem praticamente integrais.

 

 


Melodia entrou no rol dos malditos, o grupo de artistas deixados de lado pela indústria porque não queriam se ater a desmandos de executivos de gravadora. Em muitos trechos do filme ele trata do assunto, com reflexões sobre companheiros de geração, Sérgio Sampaio em especial.

 

 


Avesso às repercussões do sucesso – tornou-se um artista realmente popular com “Juventude transviada”, incluída na trilha da novela “Pecado capital” (1976) –, Melodia se mudou para Salvador, onde se casou com Jane Reis, produtora associada do longa. Há imagens que cobrem essa temporada, mostrando, ainda que discretamente, a vida em família do cantor.

 


A música segue alta e em bom tom, com Melodia em momento antológico com Elza Soares (durante dueto em “Fadas”) e arrebanhando multidões com “Codinome beija-flor”. Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, considera a regravação de Melodia melhor do que a do próprio filho, autor da canção.

 


Rico em imagens de época, “No coração do Brasil” traz também um pouco da história de um país que deve se abrir para a obra deste criador original tanto na vida quanto na música.

 


“LUIZ MELODIA – NO CORAÇÃO DO BRASIL”


Brasil, 2024, 75min. De Alessandra Dorgan. O filme estreia no UNA Cine Belas Artes 2, às 17h, e no Centro Cultural Unimed-BH Minas 1, às 16h (somente segunda e terça-feira).

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