
Gal, Erasmo, Caetano, Tom Zé: os artistas na trilha de "Ainda estou aqui"
Canções brasileiras presentes no filme indicado ao Oscar e com mais de 4 milhões de espectadores no país têm nova onda de sucesso nas plataformas digitais
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Siga noA grana curta, a repressão ainda maior dos militares no pós-AI-5: não era fácil ser tropicalista no Brasil no início dos anos 1970. Radicado em São Paulo desde 1968, Tom Zé, sempre que podia, contava com a ajuda do amigo Valdemar, baiano como ele. “Era rico, então sempre me emprestava dinheiro sem juros”, relembra hoje o cantor e compositor de 88 anos.
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Pois Valdemar Szaniecki (1939-2014), judeu e candomblecista (filho de Oxóssi), era já naquele momento um dos mais respeitados marchands brasileiros. Com A Galeria, inaugurada em 1965, havia recebido exposições de Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Di Cavalcanti. Não era só o “banco” de Tom Zé – tornou-se também seu parceiro.
Os dois são os autores de “Jimmy, renda-se”. Lançada em 1970 no segundo álbum de Tom Zé, é, nos dias de hoje, sua canção mais ouvida no Spotify, graças a “Ainda estou aqui”. Não só ela, como boa parte das músicas do filme, quase todas pra lá de cinquentenárias, figuram entre os Top 5 de seus respectivos intérpretes.
Na última quinta-feira (30/1), o filme de Walter Salles alcançou no Brasil a marca dos 4 milhões de espectadores e segue, em sua 13ª. semana em cartaz, em 830 salas do país. A tripla indicação ao Oscar (Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, para Fernanda Torres) não levou o público só aos cinemas. Nas plataformas digitais, os números atingiram as alturas.
Erasmo Carlos
O melhor exemplo vem de “É preciso dar um jeito, meu amigo”, de Erasmo Carlos (parceria dele e Roberto), lançada no álbum “Carlos, Erasmo” (1971). A canção, que aparece tanto no filme quanto nos créditos finais, tinha menos de 25 mil streams diários, segundo a gravadora Universal Music Brasil. Devido à repercussão do filme, teve picos de 120 mil streams/dia.
A trilha do filme traz 18 canções, 12 delas brasileiras. A seleção coube a Walter Salles, o editor Affonso Gonçalves e os roteiristas Heitor Lorega e Murilo Hauser.
“Mas estou envergonhado/com as coisas que eu vi/mas não vou ficar calado/no conforto acomodado/Como tantos por aí”, canta Erasmo na balada com uma pegada de psicodelia, que indiretamente cutuca a ditadura. “É preciso dar um jeito, meu amigo” é a música que embala o trailer nacional de “Ainda estou aqui”.
Já o trailer internacional destaca “Jimmy, renda-se”. A canção já havia embalado uma sequência de perseguição em “O agente da U.N.C.L.E.” (2015), de Guy Ritchie.
“É preciso um momento de boa vontade coletiva para mergulhar na sacada das gírias, meio inglês, meio português. Quando tive a ideia de fazer essa música, comecei a dizer a letra e o Valdemar ia repetindo. Ele virou meu parceiro assim”, conta Tom Zé.
A letra de “Jimmy, renda-se” aproveita signos relacionados ao rock, com trocadilhos que citam os tropicalistas Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, com os ídolos do rock Bob Dylan, Janis Joplin e Jimi Hendrix: “Bob Dica, diga/Jimi renda-se!/Cai cigano, cai, camóni bói/Jarrangil century fox/ Galve me a cigarrete/Billy Halley Roleiflex/ Jani chope chope chope”.
“É preciso um momento de boa vontade coletiva para mergulhar na sacada das gírias, meio inglês, meio português. Quando tive a ideia de fazer essa música [“Jimmy, renda-se”], comecei a dizer a letra e o Valdemar [Szaniecki] ia repetindo. Ele virou meu parceiro assim”
Tom Zé, cantor e compositor
Na época em que foi lançada, Caetano e Gil estavam no exílio em Londres. “Depois que gravamos, Valdemar não me disse nada e foi para a Inglaterra. Chegou lá todo gabola e levou o disco para eles ouvirem. O que aconteceu? Acharam horrível, onde estava a homenagem? O Valdemar voltou todo envergonhado, me jogou o disco no colo, disse que ninguém gostou”, conta hoje, aos risos, Tom Zé.
NA VITROLA
Confira outros compositores presentes na trilha de “Ainda estou aqui”
• ROBERTO CARLOS
Roberto tem duas canções no filme, “As curvas da estrada de Santos” (parceria com Erasmo, de 1969) e “Como dois e dois” (Caetano, 1971), que fazem parte da mesma história.
No exílio em Londres, Caetano, numa noite, recebeu a visita do Rei. Na conversa, ele falou do que estava fazendo. Pegou o violão e cantou “As curvas...”.
O baiano ficou emocionadíssimo, chorou a cântaros, já afirmou em mais de uma entrevista. No retorno ao Brasil, Roberto compôs “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” para Caetano. Que, depois, retribuiu com “Como dois e dois”.
• CAETANO VELOSO
Ele é autor de quatro canções da trilha: a já citada “Como dois e dois”, “Baby”, no filme na gravação dos Mutantes (1968), “Um índio” (1977) e “Fora da ordem” (1991).
Ainda que criada fora do contexto da ditadura, a canção, do álbum “Circuladô”, se relaciona com a narrativa, pois trata da violência que se esconde por trás de um pensamento imposto.
Caetano se referiu especificamente à nova ordem pregada por George Bush (o pai, presidente dos EUA entre 1989 e 1993). “Eu fiz a música contra.”
• GAL COSTA
Terceiro álbum da cantora, “LeGal” (1970) foi lançado no retorno da baiana ao Brasil, depois de passar a virada do ano em Londres, com Caetano e Gil.
Ela voltou não só com ideias, mas também com músicas para o novo disco. A primeira gravação de “London, London”, de Caetano, está neste disco. O filme traz duas canções de “LeGal”: “Acauã”, de Zé Dantas, e “Falsa baiana”, de Geraldo Pereira.
• JUCA CHAVES
O cantor, compositor e humorista pode até parecer, mas não é uma figura anacrônica no universo dominado pelos tropicalistas na trilha de “Ainda estou aqui”. Com suas modinhas bem-humoradas e críticas, incomodou a ditadura militar.
Lançada como single em 1970, “Take me back to Piauí” – em que brinca, dizendo que se cansou de Paris, champanhe e caviar, e que vai viver no Piauí –, aparece numa sequência inicial do filme. Rubens Paiva (Selton Mello) coloca a música na vitrola e dança com a família, em um dos momentos de alegria dos Paiva, antes do pesadelo iniciado com o desaparecimento dele.