CINEMA

"Não é um filme sobre sexo; é um filme de sexo", diz diretor premiado

Com "Parque de diversões" , Ricardo Alves Jr. venceu a seção Autorias da Mostra de Tiradentes. Longa-metragem está em cartaz em BH, no UNA Cine Belas Artes

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Muito antes da criação dos aplicativos de paquera, no início do século 20, Belo Horizonte era uma cidade sem ponto de encontro e lazer para a comunidade LGBTQIAPN+. Vista como um desvio das normas sociais, a relação entre pessoas do mesmo sexo se dava de forma velada, cercada por sigilo e discrição.


Entre as décadas de 1940 e 1950, o Parque Municipal se tornou um local de flertes secretos na capital mineira. Vivendo em um ambiente social hostil e sem espaços seguros para se relacionar, muitos buscavam a escuridão de locais públicos para viver seus amores proibidos, recorrendo até mesmo à criação de codinomes.


Apesar dos avanços, o amor e o erotismo homossexual seguem sendo vistos como tabus. Foi pensando nisso que o diretor Ricardo Alves Jr. decidiu explorar o livre exercício da sexualidade em seu novo filme, “Parque de diversões”. A trama reimagina o Parque Municipal como cenário para relações entre um grupo de anônimos que invade o local à noite em busca de prazer, prática conhecida pelo termo inglês cruising.


Em meados do século passado, o parque ainda não era cercado pelas grades que foram colocadas justamente para inibir esse tipo de ação. Já no filme o rompimento dos portões serve de metáfora para a descoberta de um espaço de liberdade. A paisagem diurna se transforma completamente à noite, quando o local se torna um território de realização dos mais diversos desejos eróticos.


Ao cruzarmos os portões, os sons frenéticos da Avenida Afonso Pena desaparecem, dando lugar ao canto das cigarras, ao murmúrio das aves e ao som das fontes d’água. Os ruídos naturais se mesclam ao toque dos corpos, beijos, desabotoar de calças e camisas sendo retiradas, até a consumação do desejo.


Inspiração

Atualmente em cartaz no UNA Cine Belas Artes, o filme de Alves Jr. acaba de vencer a 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes na seção Autorias. O diretor conta que o filme não trabalha propriamente a história do Parque Municipal, mas faz uso dela como inspiração.


“Não é um filme sobre sexo; é um filme de sexo. O espectador se torna um voyeur dessas experiências e desses encontros entre anônimos nas práticas das diversas possibilidades de sexo”, afirma o diretor.


O filme foi gravado em seis noites. Sem a utilização de recursos públicos, o orçamento foi de aproximadamente R$ 80 mil. Se o Oscar parece ter medo de sexo ao deixar de lado títulos como “Rivais”, “Queer” e “Babygirl”, em “Parque de diversões” Ricardo Alves Jr. mostra que o tema em nada intimida o cinema independente.


“Vivemos um momento onde muito se prega o ataque à classe artística. Financiando o filme, tive a liberdade de poder fazer o que realmente era meu desejo enquanto representação”, diz. Ainda segundo ele, a produção provoca o espectador a lidar com os seus próprios desejos. “É algo que perpassa todas as pessoas. Todo mundo tem sua libido e seu lugar de desejo. O filme vai ao encontro disso.”


“Parque de diversões” foi filmado com a mesma equipe e parte do elenco do título anterior do cineasta, “Tudo o que você podia ser”, caso dos atores Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares. Para a seleção dos profissionais, foi realizada uma chamada pública de pessoas com experiência em voyeurismo e exibicionismo. A partir daí, foram realizados encontros com o elenco nos quais puderam compartilhar suas histórias com os temas.


“Após diversos encontros e dinâmicas, com trocas narrativas confessionais sobre experiências em cruisings ou em locais de sexo consensual coletivo, construiu-se um roteiro que evocava as performances que cada ator gostaria de colocar em cena”, explica Ricardo. Já a permissão para rodar o filme no Parque Municipal foi cedida com apoio da Film Comission.


Só quatro cenas do filme apresentam diálogos entre as personagens. A narrativa se constrói principalmente a partir da relação entre os corpos que chegam sem trocar uma palavra e vão direto ao ato sexual. Alguns participam ativamente, enquanto outros apenas observam, tocando a si mesmos.


Trilha sonora

Mas muitas das cenas não são tão explícitas quanto parecem. O diretor controla o uso de luzes e sombras para manipular o que fica ou não visível aos olhos do espectador. Na ausência dos diálogos, o que dita o ritmo é a trilha sonora original criada por Dellani Lima.

“Buscamos uma relação onde a música constrói uma relação direta com a coreografia dos performers e da câmera. A música traz muito do ritmo através das batidas e dos elementos rítmicos que adicionam groove e textura”, afirma o diretor.


Para ele, acompanhar a recepção do público em diferentes ambientes tem sido gratificante. Na semana passada, em Tiradentes, o longa foi recepcionado com sessão lotada. “Sinto que o filme cumpre a função dele, porque sai com as pessoas da sala de cinema, no sentido de que as pessoas continuam falando do filme, debatendo o filme, discutindo o filme.”


“PARQUE DE DIVERSÕES”
(Brasil, 2025, 70 min.) Direção: Ricardo Alves Jr. Com Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 3, 17h40; nesta quarta, 5/2). A partir de quinta (6/2), a sessão será às 17h30.

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