CINEMA

Cacá Diegues: um nome fundamental do cinema brasileiro

Morto na madrugada desta sexta(14/2), o diretor Cacá Diegues deixou, ao longo de 60 anos de trajetória, obra que une popularidade e profundidade artística

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Um dos fundadores do Cinema Novo e autor de clássicos da filmografia nacional, Cacá Diegues é nome incontornável da sétima arte no Brasil. O diretor, que morreu na madrugada desta sexta-feira (14/2), aos 84 anos, em decorrência de complicações cardiocirculatórias após cirurgia na próstata, transitou por diferentes gêneros, do drama à comédia, passando por obras de cunho histórico. Desde 2018, ocupava a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Filmes como “Bye bye, Brasil”, de 1980, e obras de vanguarda, como “Ganga Zumba”, exibido no Festival de Cannes, na França, em 1964, estão entre seus trabalhos de maior destaque. Dirigiu mais de 20 longas, desde “Cinco vezes favela”, de 1961 – um conjunto de cinco curtas, produção do Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE), do qual era integrante –, passando “A grande cidade”, de 1966, “Os herdeiros”, de 1969, e “Quilombo”, de 1984.

O último filme de Cacá Diegues foi “O grande circo místico”, lançado em 2018. Ao longo de sua carreira, o cineasta contemplou as grandes questões sociais do país, da miséria à temática racial, passando pela modernização do Brasil.

Nascido em 19 de maio de 1940, em Maceió (AL), o cineasta mudou-se para o Rio de Janeiro, com a família, aos 6 anos. A ligação com o cinema começou no Diretório Estudantil da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), onde fundou um cineclube.

Primeiros trabalhos

A estreia na direção ocorreu em 1961, com o curta “Domingo”, realizado de forma um tanto amadora com os colegas David Neves e Affonso Beato. Começou a chamar a atenção com “Escola de samba, alegria de viver”, parte de “Cinco vezes favela”, no qual jovem sambista assume a direção de uma escola de samba poucos meses antes do carnaval, enfrentando problemas diversos. O filme era estrelado por Abdias do Nascimento, ator e intelectual que desempenhou importante papel na luta contra o racismo no Brasil, Maria da Graça e Jorge Coutinho.

 Zezé Motta em "Xica da Silva"
Zezé Motta em "Xica da Silva", história mineira levada às telas por Cacá Diegues, que atraiu milhares de espectadores ao cinema Luz Mágica Produções/divulgação

“Ganga Zumba”, com os atores Antonio Pitanga, Eliezer Gomes, Léa Garcia e Luiza Maranhão, é considerado o primeiro longa nacional com protagonistas e elenco composto praticamente só com atores negros. Nesta obra, Diegues mergulha na história do Quilombo dos Palmares, que conhecia desde a infância, mas que, ao chegar ao Rio, descobriu não ser parte do ideário nacional de então. Seguiram-se os filmes “A grande cidade” (1966) e “Os herdeiros” (1969).

Diegues voltaria à temática da escravidão com “Xica da Silva” (1976), protagonizado por Zezé Motta, que encarnou o papel da figura que vira a “rainha do diamante” após um representante da corte portuguesa se apaixonar por ela.

Com mais de 3,2 milhões de espectadores, o filme, que marcou o início do processo de abertura política, é um de seus maiores sucessos. Antes, durante a época mais pesada da repressão militar, ele lançou “Os herdeiros”.

O longa foi censurado, por trazer à tona a sede de poder das elites brasileiras, ainda que metaforicamente.
A trama acompanha um jornalista que entra, pelo casamento, para uma família produtora de café e começa a desvelar suas ambições políticas.

José Wilker em 'Bye bye Brasil', um dos filmes mais importantes da carreira de Cacá Diegues
José Wilker em 'Bye bye Brasil', um dos filmes mais importantes da carreira de Cacá Diegues Embrafilme/divulgação

Na França com Nara

Na ocasião, em 1969, ele recebeu um convite para participar do Festival de Veneza. Aproveitou para deixar o Brasil e passar um período na França com sua então mulher, a cantora Nara Leão.


Ao retornar ao Brasil, dirigiu “Quando o carnaval chegar” (1972), estrelado por Nara, Chico Buarque e
Maria Bethânia; “Joanna Francesa” (1973), também com música de Chico e Jeanne Moreau no papel de uma dona de bordel em São Paulo, nos anos 1930; “Xica da Silva”, “Chuvas de verão” (1978) e “Bye Bye, Brasil” (1980), que foi indicado à Palma de Ouro em Cannes. Outros dois títulos de sua lavra – “Quilombo” e “Um trem para as estrelas” (1987) – também concorreram ao prêmio.

O cineclube do Diretório Estudantil da PUC-Rio foi um dos núcleos de fundação do Cinema Novo,
inspirado pelo neorrealismo italiano e pela Nouvelle Vague francesa. O movimento foi marcado por críticas políticas e sociais, principalmente durante a ditadura militar, e também contou com a participação de nomes como Glauber Rocha, Leon Hirszman, Paulo Cesar Saraceni e Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Com o fim da ditadura, Diegues criou a expressão “patrulhas ideológicas”, para definir críticos de seus filmes que fugiram a padrões defendidos pela esquerda ortodoxa.


Filmes de transição


Durante a crise do cinema brasileiro, Diegues lançou filmes de transição, como "Dias melhores virão"
(1989). Em 2006, dirigiu "O maior amor do mundo" e o documentário "Nenhum motivo explica a guerra", sobre o grupo Afro Reggae. Foi um dos idealizadores do Núcleo de Cinema do grupo Nós do Morro, ONG de onde saíram os atores Babu Santana, Thiago Martins, Roberta Rodrigues e Marcello Melo Jr., entre outros.

O cineasta foi homenageado pela escola de samba Inocentes de Belford Roxo em 2016. A agremiação desfilava na então Série A, com o enredo "Cacá Diegues – Retratos de um Brasil em cena". "Eu estou muito feliz em ser homenageado por uma escola de samba, é um prazer inenarrável", disse à época.

Nota de Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte do diretor. "Recebi com muito pesar a notícia do falecimento de Cacá Diegues, que durante sua vida levou o Brasil e a cultura brasileira para as telas do cinema e conquistou a atenção de todo o mundo", escreveu Lula nas redes sociais.

O cineasta era casado, desde 1981, com a produtora Renata Almeida Magalhães. Em 2019, perdeu a filha Flora, vítima de câncer no cérebro, aos 34. Diegues deixa os filhos Isabel e Francisco, do casamento com Nara Leão, e três netos. (Com agências)

ABL: Popularidade e profundidade


A Academia Brasileira de Letras, onde Cacá Diegues ocupava a cadeira que pertenceu ao cineasta Nelson Pereira dos Santos, emitiu nota lamentando sua morte.

“Sua obra equilibrou popularidade e profundidade artística, abordando temas sociais e culturais com sensibilidade. Durante a ditadura militar, viveu no exílio, mantendo-se sempre ativo no debate sobre política, cultura e cinema. A ABL expressa solidariedade à esposa, Renata Almeida Magalhães, e aos filhos”, diz o comunicado.

PRINCIPAIS FILMES DE CACÁ DIEGUES


• “Cinco vezes favela” (1961) 


• “Ganga Zumba” (1964)


• “Os herdeiros” (1969)


• “Quando o carnaval chegar” (1972)


• “Joana Francesa” (1973)


• “Xica da Silva” (1976)


• “Chuvas de verão” (1978)


• “Bye bye Brasil” (1980)


• “Quilombo” (1984)


• “Um trem para as estrelas” (1987)


• “Dias melhores virão” (1989)


• “Veja esta canção” (1994)


• “Tieta do agreste” (1995)


• “Orfeu” (1999)


• “Deus é brasileiro” (2003)


• “O maior amor do mundo” (2005)


• “O grande circo místico” (2018)

• “Deus ainda é brasileiro” (inédito)

É a continuação de “Deus é brasileiro”. Diegues vinha trabalhando neste filme desde 2022. A estreia está prevista para o segundo semestre deste ano.

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