"O brutalista" é monumental conto sobre o pesadelo americano
Com 10 indicações ao Oscar, longa sobre arquiteto judeu que se exila nos Estados Unidos chega nesta quinta-feira (20/2) aos cinemas
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Siga noNo início de “O brutalista” há uma cena de sexo tratado como mercadoria. Enquanto compra de uma mulher um prazer momentâneo, o arquiteto László Tóth (Adrien Brody) tem com ela uma conversa que ecoa um dos mais famosos diálogos do cinema – aquele de “O desprezo” (Jean-Luc Godard, 1963) em que Camille (Brigitte Bardot), nua na cama, indaga Paul (Michel Piccoli) sobre a possibilidade (ou não) de ele “amá-la inteiramente”, amando cada parte de seu corpo.
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O diretor Brady Corbet apresenta assim, logo de cara, suas credenciais de cinéfilo e as características mais marcantes do filme que estreia nesta quinta-feira (20/2) nos cinemas brasileiros, na condição de potencial grande vencedor do Oscar. O longa (3h35, com intervalo) tem 10 indicações, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator (na qual Brody é favorito).
Uma história sobre “a ambição de possuir aquilo que não é passível de ser possuído”, conforme Corbet declarou em entrevista, “O brutalista” caminha na tênue linha da ambivalência. Assim como a já citada cena de sexo – que é ao mesmo tempo transação comercial e reflexão sobre a transcendência –, cada elemento da história do arquiteto formado pela Bauhaus que escapa da perseguição nazista exilando-se nos Estados Unidos parece conter em si um enunciado e seu contrário.
Pensilvânia
“A chegada” é o título da primeira parte do filme, em que Tóth deixa a Europa e se junta a um primo já instalado na Pensilvânia. Encontra o parente com um novo nome (americanizado), uma nova mulher (católica) e um negócio de móveis e decoração com o qual tenta satisfazer os anseios de consumidores por uma aparência de requinte e sucesso.
A inicial boa acolhida do primo e a promessa de um trabalho em sociedade não demoram a se desfazer em suspeita, rejeição e crueldade. Esse será o tom da experiência de Tóth como imigrante, percorrendo abrigos e centros de distribuição de comida.
Corbet acompanha a jornada de Tóth no convívio com a miséria, o sofrimento, a decepção, a solidão e o início do vício em drogas com imagens de intensa beleza, ressaltadas pelo método de filmagem em celuloide 70 mm.
O destino mendicante do arquiteto, aparentemente, vai mudar quando ele tem seu talento reconhecido pelo rico empresário Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce). Contratado por Van Buren e com a ajuda de um de seus amigos advogados, o brutalista consegue viabilizar a saída da Europa da mulher Erzsébet (Felicity Jones) e da sobrinha Zsófia (Raffey Cassidy), que vão ao seu encontro.
A chegada das duas inaugura o segundo capítulo de “O brutalista”, chamado “O núcleo duro da beleza”. À maneira de um escultor, Corbet cava nesse trecho os blocos de significado – não por acaso, há uma sequência crucial ambientada em torno do mármore de Carrara, na Itália – para desenhar com seus gestos uma verdade complexa, multifacetada, que não exime nem mesmo o brutalista, cujas falhas se tornam mais visíveis.
A capacidade de Tóth fazer as pessoas à sua volta sofrerem, contudo, não tem paralelo com as humilhações de que ele continua sendo alvo, ainda que muitas vezes encobertas por uma capa de generosidade por parte de seu mecenas.
Jantar
A maneira como Van Buren trata os Tóth no jantar que oferece ao casal na noite da chegada de Erzsébet é um entre muitos exemplos que farão o arquiteto concluir que “eles não nos querem aqui”, referindo-se aos estrangeiros de modo geral, não apenas aos judeus, e Erzsébet constatar, um pouco mais tarde, que “este país é podre”.
Depois de retratar com notável acuidade a jornada de um exilado que descobre ser impossível realizar “o sonho americano”, “O brutalista” salta para os anos 1980 e vai até Veneza, onde o trabalho do arquiteto László Tóth é tema de uma retrospectiva na Bienal de Arquitetura.
A câmera passeia pelas obras de Tóth, enquanto Zsófia discursa sobre a capacidade do tio de reimaginar lugares, incluindo o campo de concentração de Dachau, e dar a eles outro significado.
Num diálogo muito anterior com Van Buren, citando suas construções que permaneciam de pé em Budapeste, o arquiteto havia defendido o papel das criações humanas duráveis como testemunho de uma força contrária à vergonha de episódios (também humanos) como o nazismo. Talvez seja esse “o núcleo duro da beleza” que “O brutalista” persegue.
Ou talvez seja um modo de dizer – voltando a “O desprezo” – que as partes não correspondem ao todo. O todo é inapreensível, ou não passível de ser possuído. Mas é possível que o melhor a fazer diante disso seja não desistir de almejar que o humano, um dia, possa ser “inteiramente amável”.
Intervalo na sessão
As 3h35 de “O brutalista” incluem um intervalo, que o diretor Brady Corbet julgou necessário para oferecer ao espectador para recuperar o fôlego (e ir ao banheiro). Ele disse ter ouvido que seu filme seria “impossível de distribuir” por duas razões: a longa duração afugentaria o espectador e reduziria a renda das salas de cinema, já que o número de sessões necessariamente é menor.
Com o sucesso do filme nas premiações de cinema, a começar pelo Festival de Veneza, e agora nas salas de diversos países, Corbet está rindo por último. E insistindo que Hollywood tem muito a repensar. O longa foi filmado em Budapeste porque, segundo o cineasta, com as taxações existentes nos Estados Unidos, ele jamais reuniria o orçamento necessário.
“O BRUTALISTA”
(EUA, 2024, 215 min.) Direção: Brady Corbet. Com Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce. Estreia nesta quinta-feira (20/2), no Cineart Ponteio (Sala 2, 13h30, 19h50), BH Shopping (Sala 7, 19h50), Diamond Mall (Sala 2, 19h30; exceto segunda, cuja sessão é às 19h10), UNA Cine Belas Artes (Sala 2, 20h20), Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 2, 19h10).