LITERATURA

Já contada em filme, a história de Claudia Wonder vira livro 

Dácio Pinheiro acaba de lançar "Claudia Wonder – Flor do asfalto", que é baseado em depoimentos da artista travesti e ícone do underground paulistano

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O diretor e produtor Dácio Pinheiro já admirava e acompanhava o trabalho de Claudia Wonder (1955-2010) – travesti que despontou artisticamente entre os anos 1970 e 1980 e se tornou um ícone do movimento LGBTQIAPN+ – quando a conheceu, em 2003. O encontro resultou no documentário “Meu amigo Claudia”, lançado em 2009.


Durante os anos de convívio, Pinheiro gravou diversos depoimentos de sua personagem e fez inúmeros registros em vídeo. Grande parte desse material ficou de fora do filme, simplesmente por não caber em seus 90 minutos de duração. A partir da chegada da pandemia, o diretor decidiu revisitar seus arquivos. Dessa imersão resultou o livro “Claudia Wonder – Flor do asfalto” (editora Ercolano).


“Tenho lido coisas sobre a Claudia que não correspondem à verdade, coisas que ela nunca disse. Esse livro é uma forma de resgatar a memória dela por meio de sua própria voz”, diz Pinheiro. O volume tem prefácio assinado pela escritora travesti Amara Moira, posfácio do jornalista Neto Lucon e textos que Caio Fernando Abreu e Glauco Mattoso dedicaram à artista.


Todo o resto, conforme aponta o autor, é constituído por depoimentos que colheu com Claudia. “Tentei organizar o livro de forma que ficasse como um documento elaborado por Claudia, com suas memórias emergindo em primeira pessoa, o que faz com que o livro seja também o registro de uma época”, afirma.


ACERVO

“Claudia Wonder – Flor do asfalto” (expressão que ela mesma cunhou para se definir) é ilustrado com fotos e recortes de jornal, além de outras raridades do acervo da artista. “Quando comecei a rever as entrevistas, percebi que muitas coisas mudaram em relação àquela época, e outras não. Achei interessante revelar essa São Paulo de 15 anos atrás, de forma a possibilitar uma reflexão sobre como as coisas evoluíram”, comenta Pinheiro.


Ele avalia que poderia ter optado por outras abordagens no documentário “Meu amigo Claudia”, mas acredita, contudo, que o filme é um registro mais fiel de uma época da forma como ficou. “Tem coisas hoje que soam polêmicas, a começar pelo nome, porque 'Meu amigo Claudia', atualmente, pode ser entendido como inadequado”, diz, pontuando que tomou esse título de um texto que o jornalista, escritor e dramaturgo Caio Fernando Abreu dedicou a Claudia.


“Tem essas questões de época. Claudia mesmo tinha isso, de dizer que era homem e mulher, um casal que vivia em paz, ou, ainda, que travesti não é nem homem nem mulher, travesti é travesti. Tem passagens que considero polêmicas no filme, quando, por exemplo, numa entrevista, Rita Lee pergunta se ela tinha pirulito. Penso que não é legal, mas, como documentário, temos que mostrar todos os lados, não pode ser chapa branca”, diz Pinheiro.


Ele observa que Claudia sempre foi plural: dublou divas em cabarés, gravou canções de rock, participou de montagens no teatro de vanguarda com José Celso Martinez Corrêa, posou nua em revistas masculinas, atuou em pornochanchadas e filmes pornográficos. Ícone do underground paulistano, também apresentou performances marcantes em inferninhos, como o clássico Madame Satã. Não bastasse a veia artística, teve um filho e se empenhou na luta pelos direitos LGBTQIAPN+
.

DISCO

As principais recordações que Pinheiro guarda de Claudia dizem respeito à sua urgência com relação a algumas questões. “Quando a conheci, ela já vinha há muitos anos lutando para gravar um disco próprio.” Ele comenta que, atualmente, é muito comum ver artistas trans lançando registros musicais e se firmando na cena, com públicos numerosos e grande visibilidade.


“Claudia batalhou muito por esse espaço nos anos 1980, querendo gravar um disco, e ela não conseguiu, em parte pelo preconceito e em parte pela crise econômica. Ela desistiu de tudo e foi embora para a Europa, onde viveu por 11 anos. Quando voltou, seguiu alimentando esse desejo de lançar um disco”, conta. O objetivo foi atingido em 2007, quando, acompanhada pela banda Laptop Boys, finalmente fez chegar ao mercado seu primeiro – e único – trabalho autoral: “Funky disco fashion”.


Pinheiro destaca que essa foi uma das frentes em que Claudia foi pioneira. “Existem outras pioneiras, como Thelma Lipp e Brenda Lee, que recentemente foi mote de um espetáculo. Acho importante conhecermos as origens e os acontecimentos que nos trouxeram ao lugar onde estamos hoje, para o bem e para o mal, com uma medida do que foi conquistado e do que retrocedeu. Como militante, Claudia chegou a falar no Congresso Nacional; hoje temos lá a Erika Hilton. São portas que ela abriu”, afirma. 

“CLAUDIA WONDER – FLOR DO ASFALTO”
Dácio Pinheiro
Editora Ercolano (212 págs.)
R$ 89,90

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