Ouvir o novo single da carioca Julia Mestre é como entrar em uma máquina do tempo. Marcando o pontapé inicial de seu terceiro disco solo, a artista, conhecida por seu trabalho com o grupo Bala Desejo – que integrou ao lado de Dora Morelenbaum, Lucas Nunes e Zé Ibarra –, lança “Sou fera”, faixa repleta de texturas e referências inspiradas nos anos 1980.
Com forte presença de piano elétrico e de sintetizadores, Julia faz uma fusão sonora que remete a Rita Lee (1947-2023) e a Marina Lima. As semelhanças com o passado são tantas que a faixa poderia facilmente fazer parte da trilha sonora de uma das novelas de sucesso da época sem causar estranhamento.
A artista conta que as referências dessa época vieram de sua mãe espanhola, que, após divorciar-se do pai da artista, costumava dar voltas de carro com a filha, ouvindo discos como forma de criar um momento juntas e manter contato com o português.
Mas não só de nostalgia vive Julia Mestre. Em seu novo trabalho, ela também traz influências contemporâneas, como Billie Eilish, no jeito de cantar quase sussurrando, com a boca bem próxima do microfone. Ana Frango Elétrico também é citada como referência para a carioca.
Dualidade
“Já/ Pra já/ Tem que ser pra já”, canta, no refrão de “Sou fera”. A letra, escrita durante a turnê de despedida do Bala Desejo, no início do ano passado, foi a primeira a ser registrada para o novo álbum em um diário que acompanha Julia em suas ideias. A canção aborda a dualidade entre força e vulnerabilidade vivenciadas por ela na estrada.
“As pessoas têm essa ideia de que turnê é um momento mágico, cheio de festas, mas, apesar de estarmos sempre cercados por muitas pessoas, muitas vezes é um período solitário. Estamos constantemente nos despedindo de lugares e pessoas”, diz.
“A música fala sobre o imediatismo de ter que viver o momento, já que passamos pouco tempo em cada cidade. Não há tempo para depois, é preciso aproveitar a experiência ali, naquele instante.”
Julia conta que a fera do título representa a armadura que carrega no dia a dia e no palco, projetando uma persona de força para cativar o público. “Mas, se alguém olhar de perto, por trás das minhas garras, vai ver que tenho uma aura mansa”, afirma.
Clipe oitentista
A estética dos anos 1980 também está presente no clipe, lançado no último dia 30. Gravado em película, ele traz figurinos com cores vibrantes, animal print, muitos acessórios e objetos característicos da época, como um walkman e fitas cassete, que Julia carrega ao longo de todo o vídeo.
O single é uma ponte entre o último trabalho da artista e o novo projeto. No clipe, ela se despede do Uno vermelho, companheiro fiel em “Arrepiada”. Quando o carro quebra bem nas primeiras cenas, ela embarca em uma road trip rumo à nova jornada, que se concretiza com o lançamento do disco, previsto para maio deste ano. Segundo a artista, essa é uma metáfora sobre abandonar o que já não serve mais.
“Essa faixa transporta de um universo para outro. Ao mesmo tempo que ainda tem traços do pop rock, ela já introduz essa nova fase mais voltada para a disco dance”, comenta.
Com direção criativa e roteiro assinados pela própria artista, o clipe é cheio de dicas sobre o novo projeto. Mais confiante, Julia Mestre assume quase todas as frentes deste trabalho, assinando como compositora, produtora musical e diretora criativa.
“Já trabalho com música há mais de seis anos e, com o tempo, fui adquirindo mais coragem e empoderamento para tomar as rédeas do que acredito. Sempre tive paixão pela criação, mas ainda era tímida ao me enxergar como diretora das minhas próprias ideias”, afirma.
Sua relação com a música teve início na adolescência. Apesar de crescer em um ambiente artístico, foi apenas aos 16 anos que ela começou a tocar, influenciada pelo meio musical da escola na Zona Sul do Rio de Janeiro onde estudou com seus futuros colegas do Bala Desejo.
“Todo mundo já era muito envolvido com música, e isso me inspirou a estudar violão. Descobri minha veia de compositora e, aos 18 anos, comecei a trabalhar com música autoral”, conta.
Julia divide a produção do novo álbum com Gabriel Quinto, Gabriel Quirino e João Moreira, músicos que a acompanharam na turnê de “Arrepiada”. “Senti que quem esteve comigo diariamente nos palcos entenderia 100% o que quero expressar agora”, diz. Para quem está curioso sobre o disco, Julia adianta: o álbum conversa muito com o que já foi apresentado na primeira faixa.
“SOU FERA”
• Single de Julia Mestre
• Disponível nas plataformas digitais