LITERATURA

Professora da UFMG lança livro em que disseca a gambiarra

Docente titular da Faculdade de Letras, Sabrina Sedlmayer autografa neste sábado (15/3) na Livraria Quixote "Quem não tem cão, caça com gato: Estudando a gambia

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Gambiarra, bem sabemos, é sinônimo de improviso. Mas há uma miríade de questões relacionadas a ela, como atesta Sabrina Sedlmayer em seu novo livro. Com lançamento neste sábado (15/3), na Livraria Quixote, “Quem não tem cão, caça com gato: Estudando a gambiarra” (Editora UFRJ) resulta de pesquisa que a professora titular da Faculdade de Letras da UFMG vem fazendo na última década e meia em torno do tema.

A obra apresenta, inclusive, um verbete com cerca de 50 definições que Sabrina foi colhendo ao longo do tempo. Ainda que no senso comum utilizemos o termo para falar de algo improvisado, gambiarra é também extensão de luz (outra definição bastante usada), espontaneidade, invenção, recusa da função original do objeto, desvio e até mesmo relação extraconjugal. 

O livro mostra a presença da gambiarra na literatura e nas artes visuais. As referências são várias, de Lina Bo Bardi a Carolina Maria de Jesus, esbarrando inclusive em Riobaldo Tatarana, o maior dos personagens de Guimarães Rosa. A autora enfatiza que ela vai muito além do Brasil. Cuba é onde ela encontrou terreno para se proliferar, com o aval do próprio Fidel Castro

Pesquisa

“Fui dilatando (a pesquisa). A gambiarra está nas nossas vidas com os inventores anônimos (que somos nós), como uma tática do improviso, e acabou entrando no terreno das artes”, diz Sabrina. Um bom ponto de partida, ela diz, foi uma pesquisa que ela desenvolveu, muitos anos atrás, no CNPq, sobre a fome na literatura brasileira. 

“Foi quando caí na Carolina Maria de Jesus e no ‘Quarto de despejo’. Vi que ali havia o tratamento de linguagem singular. Como ela não tinha recursos no campo semântico, inventava uma coisa muito interessante”, comenta Sabrina. Como Carolina não sabia o que significava poetisa, acreditava que era quem escrevia um livro, ela afirmou ao primeiro livreiro que encontrou que queria ser, então, poetisa. “Ou seja, interrogou todo um sistema literário.” 

Ainda em torno da questão da fome, Sabrina começou a trabalhar os alimentos – tal pesquisa, vale dizer, resultou no livro “Farofa, uma alegria popular” (2020, Autêntica). Descobriu a jacuba, maneira de os tropeiros se alimentarem em cima de um cavalo.

 “Jacuba é um café onde se coloca fubá, uma tradição mineira dos séculos 17 e 18. Se não havia café, você podia colocar água. Pois em ‘Grande sertão’ Riobaldo experimenta a jacuba com cachaça. Leva um susto. Cinquenta páginas depois, há um momento em que se coloca laranja. Tomei um susto. Riobaldo fez uma gambiarra”, aponta Sabrina. 

Ela acabou fazendo uma palestra em torno disso. A repercussão foi tamanha que virou outro livro, “Jacuba é gambiarra” (2017, Autêntica). A pesquisa a levou às artes visuais, em que destaca trabalhos dos mineiros Rivane Neuenschwander e Cao Guimarães, bem como do carioca Cildo Meireles, “figura matricial das artes”. 

No livro, Sabrina escreve sobre o lado engenhoso e bem humorado da gambiarra. “Mas tem outro, que tem a ver com sobrevivência.” O exemplo de Carolina de Jesus se encaixa neste viés – “Ela catava jornal no lixo, se salva pelos restos” – como também Cuba, cujo modelo de gambiarra ganhou um capítulo no livro. 

Ironia

“Quando houve o bloqueio, há um período especial que acho irônico. Fidel fez livros ensinando a população inteira a fazer gambiarras. Só havia três tipos de geladeiras. Se fosse o caso, deveriam usar motor de motocicletas para fazê-las funcionar. Cuba começou a inventar mil objetos, é um exemplo de que a gambiarra não é só brasileira. Ou seja, além da tática na vida cotidiana, ela tem uma influência na estética na arte contemporânea e pode ser vista como política, no caso de Cuba”, explica Sabrina. 

O título do livro, uma expressão comuníssima que espelha o que é uma gambiarra, foi tirado de uma passagem da carreira de Lina Bo Bardi. Em 1969, ela organizou, no MASP, a exposição “A mão do povo brasileiro”, que reuniu cerca de mil objetos de arte popular. Originalmente, a mostra se chamaria “Quem não tem cão, caça com gato”. 

“O Pietro Maria Bardi falou com a Lina que achava um nome muito popular, tosco, e sugeriu ‘A mão do povo brasileiro’.” Diante disto, Sabrina resolveu homenageá-la com o título. “Acho uma definição maravilhosa. E minha pesquisa, que vem de uma pergunta que te joga para outra, tem a ver com essa inquietude, com formas de resistência, de algo contra a plutocracia e que dá sobrevida aos objetos”, afirma. 

TRECHO

“O que se salienta, aqui, é que a necessidade é elástica, como diz Millôr Fernandes. E ela é humana, e, portanto, global, não apenas brasileira. As flexibilidades de pessoas nascidas em países considerados ‘periféricos’ e os gestos dessas pessoas são fundamentais para a sobrevivência, uma vez que surgem como alternativas encontradas cotidianamente no mundo inteiro, em qualquer lugar, desde que haja falta de recursos ou a mais franca pobreza, ou seja, desde que se faça presente a necessidade.” 

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“QUEM NÃO TEM CÃO, CAÇA COM GATO: ESTUDANDO A GAMBIARRA”
• Sabrina Sedlmayer
• Editora UFRJ
• R$ 40
• O livro será lançado neste sábado (15/3), a partir das 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi).

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