"Oroboro" acompanha alunos de escola mineira criando teatro
Filme de Pablo Lobato que estreia nesta quinta (20/3) mostra adaptações de "Grande sertão: Veredas" e "A flauta mágica" por estudantes do 12º e do 8º anos
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Siga noEm uma visita à escola em que sua filha estudava, no Vale do Sereno, entre Belo Horizonte e Nova Lima, em 2018, o cineasta e artista visual Pablo Lobato se deparou com um ensaio dos alunos do 12º ano, durante a aula de teatro, para a encenação de “Grande sertão: Veredas”.
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Desse episódio aparentemente prosaico nasceu seu novo filme, “Oroboro”, que entra em cartaz nesta quinta-feira (20/3), no UNA Cine Belas Artes, em BH, e em outras cidades do país.
Carregado de verniz poético, o documentário acompanha a preparação da montagem inspirada na obra-prima de Guimarães Rosa. Ao mesmo tempo, outro grupo de alunos, do 8º ano, também desenvolvia, conduzido pela professora de teatro, uma adaptação da ópera “A flauta mágica”, de Mozart.
Os preparativos para as duas encenações estão no centro de “Oroboro”, que também focaliza a rotina escolar e momentos de interação entre os alunos, no intuito de apontar o poder da arte na formação dos jovens estudantes.
Pablo conta que já conhecia a turma e que chamava a sua atenção as “presenças muito luminosas” de seus integrantes. Ele destaca que o teatro é um instrumento pedagógico importante no Colégio Rudolf Steiner (antiga Pólen Escola Waldorf) e que são os próprios alunos que escolhem o texto, adaptam, fazem o figurino, a trilha, o cenário, a luz, enfim, tudo.
“Mais do que a força desses jovens atuando, notei que havia algo na relação entre eles, eu diria que do campo do espiritual mesmo, uma atmosfera que me fez querer continuar por perto; um respeito, uma escuta, uma suavidade para lidar com as diferenças que eu não vivi na minha adolescência em sala de aula. Foi, para mim, claramente uma experiência curativa”, diz, sobre o período de aproximadamente três anos em que esteve mais próximo dos dois grupos de alunos.
Formas de amor
O diretor explica que a opção por incluir também os trabalhos em torno de “A flauta mágica” se deveu ao fato de o 8º ano – que sua filha cursava na época – e o 12º ano serem os períodos em que se dá uma maior ênfase ao teatro na Rudolf Steiner. “Em 'A flauta mágica', você tem jovens de 14 e 15 anos diante da ideia de um amor mais idealizado, e no 'Grande sertão', são adolescentes de 17 e 18 anos lidando com o amor roseano, algo metafísico, telúrico. No filme, um não perde força diante do outro, há uma alternância”, diz.
Oroboro é o nome dado à figura mítica de uma serpente ou um dragão que engole a própria cauda, formando um círculo. De origem grega, representa o ciclo da vida, a renovação e a transformação contínua. “Diz respeito também a uma aliança entre vida e morte e outras dualidades, que apontam para a ideia de infinito. Guimarães Rosa nos ensina com muita beleza a possibilidade dessas alianças entre forças distintas: o herói é bandido, a mulher é homem, o sertão é vereda”, observa Lobato.
Ele conta que via essas dualidades conciliadas na criação dos alunos e na própria paisagem que circunda a escola, situada em meio à natureza, com um córrego próximo e áreas verdes ao redor que, no entanto, são margeadas por prédios muito altos. “Talvez seja uma das especulações imobiliárias mais agressivas do Brasil, com uma urbanização que se deu muito rapidamente”, diz o cineasta, que há quatro anos se mudou para Nova Lima.
A escola é o principal cenário de “Oroboro”, mas também aparecem locações como um sítio em Itatiaiuçu, onde a turma de sua filha passou um mês durante a pandemia, isolada, em uma imersão para o desenvolvimento de “A flauta mágica”. Lobato diz que o roteiro trabalha com um véu. “Não deixo claro no filme onde a ação se passa. O espectador pode achar que essas imagens no sítio são na escola, os lugares meio que se misturam. Não deixo claro onde estamos.”
Afora o período de isolamento no sítio, a pandemia teve pouco impacto na feitura de “Oroboro”. “Daniel Tavares, que assina o roteiro, trouxe logo num primeiro momento a ideia de tirar tudo o que pudesse se referir a política ou à pandemia, para não datar o filme. Entendi rápido que ele estava apontando um caminho de alargamento, então é uma obra que tem hoje uma feição atemporal”, diz.
Para o diretor, “Oroboro” guarda alguns elementos de seus trabalhos anteriores, como “Dos 3 aos 3” (2023), “Ventos de Valls” (2013) ou “Acidente” (2006, com Cao Guimarães). Um deles é a relação com eventos no campo do sensorial e do plástico. “Não são filmes apoiados em imagens discursivas; estão mais interessados em revelar do que em informar.” O que há de novo em “Oroboro”, segundo ele, é uma maior disposição sua para investigar a relação entre arte e formação.
“No filme não uso em nenhum momento a palavra educação. Nada contra ela, mas um dia me encontrei com Nêgo Bispo (mestre quilombola do Piauí, que morreu em 2023) e ele falou que não mexia com educação, mas com criação, porque educação é para o mercado e criação é para a vida. Peguei essa imagem gasta de arte-educação e vi que ela tem que ser entendida em comunhão, porque arte não é adereço, algo que está inserido na experiência da educação. Isso está presente em 'Oroboro' como um cultivo do sensível”, afirma.
Outros projetos
Pablo Lobato está às voltas com outros projetos. Um deles, em curso desde 2020, intitulado “Bárbara de Cocais”, em alusão às cidades de Santa Bárbara e Barão de Cocais, onde é desenvolvido, ele define como uma “escultura comunitária”, que gerou palestras, oficinas e uma mostra itinerante de filmes com 20 títulos nacionais e internacionais.
O diretor também finalizou o média-metragem “Unidade de acolhimento #1”, que focaliza um centro de acolhimento a crianças de 0 a 6 anos. Ele tem ainda o projeto de um longa a partir do acervo do músico Djalma Corrêa (1942-2022), de quem era amigo.
“OROBORO”
(Brasil, 2023, 82 min.). Documentário de Pablo Lobato. Estreia nesta quinta (20/3), no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, às 14h; exceto hoje, e às 18h; exceto amanhã e nos dias 25/3 e 26/3).