Artista aponta caminhos para a vida, a cura e a transformação
Em sua obra, Camila Moreira aborda as interseções entre o corpo e a natureza, com o uso da costura, do bordado e da instalação
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Camila Moreira é uma artista que, por meio de suas obras, tece diálogos profundos sobre a vida das mulheres: seus sonhos, medos, dúvidas, silenciamentos e descobertas. Suas criações abrem espaço para questões que muitas vezes surgem em rodas de conversa entre amigas, no trabalho ou nos espaços onde podemos nos apoiar mutuamente.
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Mas, mais do que um reflexo da experiência das mulheridades, suas obras questionam, desafiam e, principalmente, resistem à opressão que atravessa as vidas das mulheres.
Você já se viu tocada por uma obra de arte de forma tão intensa que ela lhe ajudou a compreender algo sobre sua própria vida? Já encontrou em uma obra uma forma de cura ou até mesmo um caminho para regar seus sonhos?
Camila Moreira nos convida a refletir sobre essas questões ao abordar, com profundidade e sensibilidade, as relações históricas entre mulheres, natureza e sociedade.
Em seu trabalho, a artista investiga a presença das mulheres em diferentes contextos e, ao mesmo tempo, expõe as consequências da exploração delas e da natureza. Para traçar essas conexões, Camila utiliza uma multiplicidade de formas, desde o desenho e bordado até as instalações e performances.
Crítica às violências
O vermelho, uma cor vibrante e simbólica, se torna protagonista em sua pesquisa: o vermelho do sangue, das mulheres, do fogo, da raiva, da dor, do cuidado e do coração. Esses tons intensos, aliados a traços marcados com carvão, delineiam uma crítica poderosa às violências que marcam tanto a trajetória das mulheres quanto a destruição das florestas.
Em suas obras, Camila cria imagens de forte simbolismo, como árvores, peixes, tartarugas, corações, raízes, tamanduás e até mesmo o útero, que nos convocam a refletir sobre o nosso tempo. Elas revelam um presente em constante estado de emergência, onde a atenção às ausências e apagamentos se faz urgente.
Os desaparecimentos e silenciamentos das mulheres, assim como os sons da vida que buscam se fazer ouvir, são temas recorrentes e fundamentais em sua produção.
A obra “A primavera” exemplifica essa busca por renovação e resiliência. Criada em colaboração com sua mãe, Margarete, a escultura é uma árvore costurada em tecido que mistura o humano e o vegetal. O tronco, formado por órgãos bordados, e as raízes, grandes e expansivas, remetem a uma árvore mulher que brota e renasce, uma metáfora para o florescer das mulheres em tempos difíceis.
Outra escultura, “Mamãe, o encontro”, traz uma boneca com um vestido vermelho, que, pendurada, observa um espelho quebrado no chão, em um cenário dramático onde as cores vermelho, preto e branco evocam um universo de tensão, reflexão e perda.
Metáfora visual
Já “A linguagem”, com sua língua vermelha e orgânica, é uma escultura que nos faz refletir sobre as formas de comunicação e expressão das mulheres ao longo do tempo. “A transformação do corpo” propõe uma metáfora visual que dialoga com as questões de gênero e o tempo.
Feita em crochê, a escultura lembra um casulo ou até uma ampulheta, sendo uma representação do corpo feminino em constante transformação. O líquido vermelho que escorre em um pote de cerâmica, como se fosse mel, sugere a ideia de uma matéria viva, em movimento, transmutando-se à medida que o tempo avança.
Camila Moreira, ao abordar as diversas naturezas presentes nas florestas e nas vivências femininas, nos apresenta um conjunto de obras que questiona as estruturas patriarcais e capitalistas, ao mesmo tempo em que propõe um novo olhar sobre o cuidado, a resistência e a reinvenção do feminino.
Através da costura, do bordado e da instalação, ela nos mostra como, nas interseções entre o corpo e a natureza, podemos vislumbrar caminhos possíveis para a vida, a cura e a transformação.
Conhecer sua pesquisa artística é, portanto, um convite à reflexão e à ação. Uma proposta de resistir e renascer, tal como as árvores e as mulheres que se erguem em constante renovação.
A costura da vida das mulheres com suas florestanias, ou seja, para ressignificarmos culturalmente nossos jeitos de viver, será necessário construir um mundo onde as escutas dos seres das florestas são fundamentais para abrir espaços orientados por cosmopercepções que transformam também a vida nas cidades. Assim, a artista Camila Moreira, nos mostra a essencial importância de ser mulher-floresta para reflorestar o mundo.
*Doutora em História da Arte pela Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne e professora de Teoria, Crítica e História da Arte na Escola de Belas Artes da UFMG.