Tati Bernardi encarna "A boba da corte" em novo livro
Na história em primeira pessoa, autora expõe o percurso de ascensão intelectual e social de uma mulher que busca rir dos códigos adotados em seu novo ambiente
Mais lidas
compartilhe
Siga noDurante a festa de aniversário de 40 anos, uma mulher que ascendeu socialmente recebe uma mensagem que desencadeia nela uma crise de pânico, que a faz questionar seu lugar na sociedade e a certeza de seu pertencimento de classe.
Leia Mais
Essa é a sinopse de “A boba da corte”, novo livro de Tati Bernardi, a ser lançado no próximo dia 14. A obra segue a receita de títulos anteriores da autora, que mesclam elementos autobiográficos e ficção.
A mensagem que a protagonista da história, não por acaso chamada Tati, recebe é de uma amiga que, a caminho da festa, em um apartamento na rua Maranhão, em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, se confunde e vai parar no Largo do Maranhão, no Tatuapé, na zona Leste da cidade – nas palavras dessa amiga, “um lugar medonho”; na vida real, a região onde a escritora, roteirista, apresentadora e podcaster foi criada. Esse é o fio com que a autora entrelaça questões sociais, políticas e familiares.
“A personagem sou eu, as coisas, em certa medida, aconteceram mesmo, só que de forma menos exagerada do que coloco na história. Costumo dizer que meus livros partem de uma base de verdade e a ficção é todo o exagero que tem em volta”, diz.
Ela pontua que a protagonista da história traz também características, ideias e atitudes que pega emprestadas de pessoas à sua volta. “A Tati é uma mistura de mim com mais três ou quatro conhecidos meus. Condenso histórias e pessoas.”
“A boba da corte” vinha sendo gestado há aproximadamente cinco anos, segundo a autora. “Faço muitas coisas, escrevo para cinema e TV, sou colunista da 'Folha de S.Paulo' e do UOL, produzo podcasts, então não consigo lançar um livro por ano, o que eu adoraria. Além da falta de tempo, acaba que vou gastando argumentos com essas outras escritas”, afirma.
A tentativa de explorar novos caminhos foi outro fator que impediu o livro de vir à luz antes. Sua ideia, inicialmente, era criar uma personagem mais estritamente ficcional, escrita na terceira pessoa.
“Pensei em fazer uma psicanalista que expunha os pacientes, mas percebi que, se eu não voltasse para a primeira pessoa, o livro não ia sair”, diz. Esse é um traço que atravessa toda a sua obra, que inclui títulos como “Depois a louca sou eu” (2016) e “Você nunca mais vai ficar sozinha” (2020).
Primeira pessoa
“É algo que se mantém, a personagem em primeira pessoa, que sou eu. Cheguei a achar que seria um amadurecimento me livrar disso, mas não, entendi que é uma questão de estilo mesmo, então vou seguir com essa voz que, em grande medida, é a minha própria”, comenta.
O que mudou ao longo dos anos é a forma como essa voz está a serviço das personagens. Tati diz que essa foi uma observação feita por Paulo Werneck, editor da revista literária “Quatro cinco um”.
“Comparando o 'Depois a louca sou eu' com 'A boba da corte', ele disse que ‘a louca’ ainda estava à mercê das sensações e que ‘a boba’ já transformou essas sensações; ela as interpreta. Hoje coloco uma intenção nessa coisa de rir de mim mesma. Avancei na psicanálise. A boba é uma personagem que está mais velha e fez mais terapia”, diz.
Tati chama a atenção para o fato de que o livro conta uma história de ascensão social e intelectual que ela efetivamente viveu e também viu pessoas próximas – ou nem tanto – viverem. Ela diz que outra coisa que “travou” a escrita de “A boba da corte” foi o medo de expor essas pessoas.
“A partir do momento em que decidi contar essa trajetória tirando sarro de mim, condensando outras personalidades nessa personagem que sou eu, o livro saiu, mas foi um processo, falei disso na análise”, conta.
O exagero que ela diz dar a dimensão ficcional à obra está nos extremos do percurso que a personagem cumpriu. “Nasci na zona Leste de São Paulo, em uma família de classe média, então tive, sim, uma trajetória de ascensão, mas sou uma mulher branca, com privilégios”, pontua.
Ainda assim, ela admite conviver com a incerteza do pertencimento de classe que aflige sua personagem, mas isso se dá em diferentes graus.
“Se a gente pensar no que passa uma pessoa que nasceu na periferia, que sofreu racismo e que ascendeu socialmente, é outra história. Essa pessoa poderia contar isso num livro sério. Eu não teria a cara de pau de fazer um livro sério, porque, no meu caso, a discrepância não era tão grande, estudei em colégio particular, tive paparicos”, diz. Ela ressalta que o livro se inspira no seu trato social com pessoas ricas e intelectualizadas.
Dessa forma, “A boba da corte” acaba por se configurar num retrato ácido da elite progressista brasileira no qual a própria autora figura. “O livro traz códigos que a elite econômica e mesmo a intelectual cultivam. A ideia é rir deles. Muitos desses códigos não me pertencem – ou eu não pertenço a eles. Eu não sentava do jeito certo, eu não comia do jeito certo, não me comportava do jeito certo, então é um livro para tirar sarro desses códigos.”
“A BOBA DA CORTE”
• Tati Bernardi
• Fósforo Editora (104 págs.)
• Em pré-venda no site da Fósforo Editora por R$ 69,90, o livro físico, e R$ 48,90, o e-book, com envio a partir de 14 de abril.