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LITERATURA

O ‘Tudo é rio’ de Drauzio Varella chega hoje às livrarias

Médico e escritor lança nesta quarta-feira (2/4) livro em que conta histórias de personagens que conheceu em suas viagens pelo Alto Rio Negro, na Amazônia 

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Drauzio Varella tem o costume de fazer de seus livros reuniões de pequenas crônicas à la Rubem Braga e Fernando Sabino, mas com uma diferença: tudo o que ele escreve é real, fato consumado.


Por meio de historietas, o médico e escritor costura uma narrativa com reflexões sobre um tema comum. Foi assim em “Estação Carandiru” (1999), “Carcereiros” (2012), “Prisioneiras” (2017) e “Por um fio” (2004), todos publicados pela Companhia das Letras.


Não é diferente em “O sentido das águas – Histórias do Rio Negro”, obra que chega às livrarias nesta quarta-feira (2/4), pela mesma editora. Resultado de anotações que ele fez ao longo dos últimos 30 anos, quando viajou para o Alto Rio Negro – território da Região Amazônica que compreende os municípios de São Gabriel da Cachoeira e Japurá, e dezenas de etnias indígenas –, “O sentido das águas” olha para a Amazônia pela perspectiva da história de vida de seus moradores.


Em 304 páginas, o leitor é apresentado a uma região de beleza exuberante e fragilidade ímpar. “É a região mais esquecida do país”, afirma Drauzio, em entrevista ao Estado de Minas. “Nós (do Sudeste) somos muito autocentrados, fechamos os olhos para o resto do país. Uma floresta com milhões de quilômetros quadrados a gente acha que é (apenas) uma mancha verde no mapa”, diz.


“Também é a região mais violentada do Brasil”, prossegue. “Primeiro chegaram os invasores portugueses, que escravizaram os indígenas e dizimaram comunidades inteiras, etnias inteiras que a gente nem teve ideia de que existiram. E, hoje, vivemos a fantasia de que lá é o lugar onde as pessoas se encontram.”


Reflexões

“O sentido das águas” propõe reflexões nessa linha, apresentando as histórias de personagens locais. A história de Seu Papaguara é uma das mais comoventes. A partir dela, conhecemos um lado vil de uma das raras atividades econômicas da região do Alto Rio Negro: a escravidão contemporânea. O extrativismo da piaçava começa durante a cheia do rio, quando patrões arregimentam trabalhadores e os levam para florestas alagadas, por onde eles ficarão por um ano, colhendo a planta.


Terminado o prazo, se os trabalhadores não apresentam resultado satisfatório, os patrões os deixam no local por prazo indeterminado, levando apenas comida para eles.


Sobre Hilda, a indígena picada por uma jararaca e que precisou remar por duas horas até chegar à comunidade mais próxima, ele conta: “Nesse período, ela ficou com dores pavorosas, sem dormir um minuto. Foi operada várias vezes e ficou na casa de um primo, em São Gabriel da Cachoeira", conta.

"Fui entrevistá-la e, quando ela contava a história, a filhinha dela entrou e sentou no colo dela. Foi a única hora que ela sorriu. E, no meio daquela tragédia toda, a menina ficou quietinha, não falou nada. Na hora em que eu me levantei para ir embora, fui me despedir, a menina disse: ‘Não vai embora, não. Fica com a gente’. Eu me emociono até hoje com isso”, comenta o médico e escritor.


“O sentido das águas” também se vale de histórias menos trágicas, mas que suscitam reflexões. É o caso de Jacaré, o maranhense radicado na periferia de São Gabriel da Cachoeira e dono de boteco. Ex-garimpeiro, tendo explorado terras no Norte do Mato Grosso, Rondônia, Serra Pelada, Santa Isabel do Rio Negro e Pico da Neblina, ele experimentou uma vida folgada por pouquíssimo tempo.


Jacaré chegou a ter tanto dinheiro que, certa vez, depois de passar meses na mata, voltou para a cidade e contratou dois táxis para passear no Centro. No carro da frente, ia só o motorista e o chapéu de Jacaré. No de trás, ia Jacaré.


Ele também colocou as notas de dinheiro de toda a sua economia em um pacote e saiu puxando o embrulho pela rua. Como justificativa: “Andei a vida inteira atrás desse filho da p…. Agora é ele que anda atrás de mim”.


Com esse alívio cômico, Drauzio Varella mostra que o garimpo não passa de uma utopia perigosa, com sérias implicações para garimpeiros e povos originários. Conforme outro garimpeiro diz no livro: “No garimpo, a gente às vezes tá rico, às vezes tá na miséria. O problema é que a riqueza só dura dois, três dias, e a pobreza fica pela vida inteira”.


O autor lembra que essa atividade se intensificou entre 2018 e 2019 e que, nesse período, ao menos 570 crianças Yanomami morreram em decorrência da malária, infecções sexualmente transmissíveis, verminoses ou desnutrição, que são espalhados pelo garimpo.


“Gosto de contar a história real das pessoas, acho que elas te fazem conhecer melhor a realidade do lugar do qual estamos falando”, afirma Drauzio. “Através delas, você consegue refletir sobre a realidade ou apresentar a realidade de uma forma que chama muito mais a atenção. Lendo aquilo, o leitor tira uma série de conclusões.”


“O SENTIDO DAS ÁGUAS – HISTÓRIAS DO RIO NEGRO”
• Drauzio Varella
• Companhia das Letras (304 págs.)
• R$ 79,90

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