Segundo volume da biografia da Globo mostra erros e acertos enormes
Novo livro cobre o período de 1985 a 1998, quando a credibilidade do jornalismo da emissora foi abalada, e a teledramaturgia emplacou grandes sucessos
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Siga noEm novembro passado, o jornalista e biógrafo Ernesto Rodrigues lançou o primeiro volume de um projeto ambicioso, desenvolvido em parceria com a editora Autêntica: a história da Rede Globo, contada em três livros.
Autor das biografias de Ayrton Senna, João Havelange e da médica fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, Ernesto percebeu uma lacuna no mercado editorial. Embora existam diversas publicações sobre a emissora, nenhuma delas se dedicou a narrar toda a história da Globo, que completa 60 anos neste 2025.
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No primeiro volume, “A Globo – Hegemonia”, Ernesto abordou o início da Globo, em 1965, até a cobertura das Diretas Já!, em 1984, amplamente criticada pela demora da emissora em dar destaque ao movimento. Ex-funcionário da casa, ele não se esquivou de tocar em pontos polêmicos, como o alinhamento da Globo ao regime militar e o polêmico negócio feito com o grupo Time-Life, que resultou em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
Ernesto também expôs o ambiente conturbado no núcleo de dramaturgia, marcado por assédio moral e intrigas, além de relembrar novelas e séries emblemáticas, como “Malu mulher” e “Roque Santeiro”.
Postura isenta
Agora, no segundo volume, “A Globo – Concorrência”, que acaba de chegar às livrarias, o autor mantém a mesma linha do primeiro livro, sem adotar tom favorável à emissora nem tampouco virulento.
“Acho que essa trilogia é um projeto que nem todos vão aceitar”, ele diz, em entrevista ao Estado de Minas. “Existe uma faixa de público no Brasil que tem uma visão muito cristalizada sobre a TV Globo, uma relação de amor e ódio. Acredito que certos setores vão preferir manter a visão contaminada por lendas e teorias da conspiração que sempre cercaram a história da Globo”, afirma.
Ao longo de 654 páginas (desconsiderando o índice onomástico e as referências bibliográficas), Ernesto narra a história da emissora de 1985 a 1998, período em que o Brasil passou por grandes transformações políticas, econômicas e sociais.

Também foi quando ocorreram episódios relevantes para a emissora e a história do Brasil: Tancredo Neves, o primeiro presidente democraticamente eleito de maneira indireta após o regime militar, morreu sem tomar posse; Collor e Lula protagonizaram um debate cuja edição a Globo manipulou em favor do alagoano; o magnata da comunicação italiano Silvio Berlusconi entrou em embate feroz com Roberto Marinho; e atores da Globo chegaram à exaustão, devido ao ritmo insano de produção de novelas.
Por outro lado, a Globo batia recordes de audiência. Durante esse período, sucessos absolutos conquistaram o público, como “Vale tudo” (cujo remake está no ar, em horário nobre), a série “Grande sertão: Veredas” (com direção de Walter Avancini e tendo Tony Ramos e Bruna Lombardi nos papéis de Riobaldo e Diadorim), o infantil “Xou da Xuxa”, os humorísticos “TV Pirata” e “Casseta & Planeta” e a revista dominical “Domingão do Faustão”. Para o então vice-presidente da emissora, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, foi o “auge” da Globo.

Auge e crises
O “auge”, contudo, chegou repleto de crises. O jornalismo da emissora ficou manchado após o “Jornal Nacional” de 15 de dezembro de 1989 exibir um compilado dos melhores momentos do debate entre Fernando Collor e Lula.
Segundo fontes, por determinação de Alberico de Souza Cruz, então diretor da Central Globo de Jornalismo, foram escolhidos os melhores momentos de Collor e os piores de Lula. Além disso, o candidato alagoano ganhou mais tempo no ar.
Se isso influenciou ou não o pleito, não há consenso. Mas vale lembrar que Collor venceu aquela eleição. “Nunca fiz um serviço tão sujo na minha vida”, declarou um dos editores de vídeo que fez os cortes a pedido do chefe.

Tentativa fracassada
“A Globo – Concorrência” também detalha o fracasso retumbante da emissora ao tentar entrar no mercado italiano. Durante a década de 1980, Roberto Marinho comprou parte da TV Montecarlo, com a intenção de expandir a presença internacional.
A Globo italiana enfrentou sérias dificuldades. Trabalhava com equipamentos precários, lidou com concorrentes fazendo lobby no parlamento para que a emissora se tornasse ilegal no país (o que de fato conteceu), e manteve na Itália uma equipe inexperiente.
No meio dessa turbulência, foi ao ar um telejornal feito por jornalistas que sequer falavam italiano. Resultado: Roberto Marinho vendeu a emissora por preço de banana.
Esse episódio, talvez o mais embaraçoso para a família Marinho, até hoje gera acusações mútuas entre os filhos de Roberto Marinho e Boni, com cada lado responsabilizando o outro pelo fracasso.
No núcleo da teledramaturgia, os atores estavam sobrecarregados por ter de decorar muitas falas em pouco tempo. Vera Fischer brigou com Fernanda Montenegro, e Tarcísio Meira ameaçou abandonar a novela que estava gravando.

Para piorar, a Globo recusou “Pantanal” por acreditar que o custo de produção seria alto demais. O folhetim foi apresentado à Manchete, que comprou a ideia e lançou o que se tornaria o maior sucesso da emissora.
Embora o título do livro de Ernesto remeta à “concorrência”, fica claro que nenhuma outra emissora tinha a capacidade de desbancar a Globo. Ela manteve sua hegemonia por décadas e só começou a passar por maiores transformações a partir da virada do século. Mas isso é assunto para outro livro.
“A GLOBO – CONCORRÊNCIA”
• Autor: Ernesto Rodrigues
• Autêntica (720 págs.)
• R$ 129,80