Da Itália para Tiradentes. Matheus Paratella está cada vez fincando raízes no interior de Minas Gerais, com uma cozinha ítalo-mineira, que conecta a origem da sua família ao lugar onde escolheu viver. Há seis meses, ele assumiu a cozinha de um novo restaurante na cidade histórica, o La Villa Trattoria. O chef continua a expressar toda a sua delicadeza para trabalhar os sabores e apresentar os pratos em um menu degustação que muda de acordo com as estações do ano.

Matheus sempre acreditou na proposta do menu degustação. Trouxe a ideia da Itália, onde morou por 20 anos, e foi um dos primeiros chefs em Belo Horizonte a trabalhar com isso de forma fixa. A sequência de pratos vem desde os tempos de Alma Chef e o acompanhou por todas as suas casas (Paratella e D'Agostim di Paratella) até chegar ao Tragaluz, que o levou para Tiradentes em 2021.
“Sempre tive o sonho de expressar a minha gastronomia com menu degustação. Essa é uma forma de mostrar o meu trabalho de chef de cozinha de forma mais completa”, pontua.

O La Villa trabalha com quatro menus por ano, um para cada estação: primavera, verão, outono e inverno. O número de etapas varia, assim como o preço, já que a sazonalidade norteia a cozinha de Matheus. Segundo ele, isso é essencial para que o cliente possa desfrutar dos ingredientes no seu melhor momento. A escolha não deixa de ser interessante para o negócio, já que produtos sazonais são mais baratos do que os que estão fora de época.

Canelone de rabanete com ricota de búfala e ervas mediterrâneas

Ricardo Almeida/Divulgação

Com esse pensamento, o chef acaba dando mais valor aos ingredientes locais, que se tornam as estrelas dos seus pratos. Matheus conta que aprendeu com os italianos a cultivar muito do que usa nas receitas e a sempre buscar produtos do seu entorno. “Essa curiosidade me veio mais em Tiradentes quando comecei a fazer as primeiras trilhas de bicicleta. Dei de cara com uma amora selvagem e, naquele momento, fiquei com ainda mais vontade de fazer uma caça aos tesouros locais”, conta.

Fosse de bicicleta ou a pé, Matheus sempre andava com uma mochila e colhia tudo o que via de diferente pelo caminho. Pesquisava para saber se era comestível e fazia testes na cozinha até descobrir a melhor forma de usar nos pratos.

Foi assim que ele descobriu mais de 12 flores comestíveis em Tiradentes, conheceu o milho de grilo (bolinhas roxas adocicadas) e reencontrou o pau doce, também chamado de uva japonesa. “Comia muito na minha infância em Curvelo. Achei aqui em vários lugares e comecei a fazer geleia para acompanhar os queijos regionais”, destaca. As expedições não param.

O chef também leva para a mesa vegetais que colhe nas hortas de casa e dos fundos do restaurante. Entre eles, abobrinha, abóbora, quiabo, tomate, rúcula, vagem, manjericão, basílico italiano e funcho. Vai usando conforme a disponibilidade.

Torta de castanha do Pará e chocolate branco, esponja de cacau, telha de chocolate, sorvete de queijo e doce de leite ligeiramente queimado

Ricardo Almeida/Divulgação

Matheus não limita mais sua cozinha ao Piemonte, como fazia no início da carreira, quando queria homenagear a região da Itália onde morou com a família. Hoje combina técnicas italianas com ingredientes locais. Por isso, fala que faz uma comida ítalo-mineira. “Acho importante o cozinheiro ter bases concretas para que depois possa exercitar sua criatividade.” No seu caso, que trabalhou muitos e muitos anos com chefs italianos, seu raciocínio sempre parte da Itália.

Para entender melhor o processo criativo, veja o exemplo. No menu de inverno, o chef pensou em pratos mais encorpados da gastronomia italiana, mas tinham que ter um toque regional. Então, chegou ao risoto de canjiquinha com ossobuco de vitelo cozido lentamente. Da mesma forma, serviu ravióli de galinha com quiabo, avelã e flor do campo. 

Minas e Itália

A interessante mistura entre Minas e Itália aparece em um prato do menu de primavera, que pode ser degustado até meados de dezembro. Tem ravióli, mas é de milho, ingrediente ícone da cozinha mineira. A massa italiana fica amarela por causa da gema de ovo caipira e ganha pontinhos pretos com sementes de papoula. Por dentro, creme de milho verde fresco com parmesão da Serra da Mantiqueira.

Ravióli de camarão com cabecinhas de lula flambadas na cachaça, ervilhas tortas, ervas frescas, creme de espumante e óleo de manjericão

Ricardo Almeida/Divulgação

A carne deste prato é preparada como um assado italiano, com marinada em vinho branco e legumes, mas a escolha foi pelo cupim, muito comum na região. A glace servida à parte tem pequi de Montes Claros, por influência do chef Fred Trindade, que falava muito sobre o “axé” da cozinha brasileira. “As nossas famílias vêm de Montes Claros e foi o Fred que me fez gostar de pequi. Se não fosse esse axé, a glace não seria tão maravilhosa”, reconhece.

O cupim chega à mesa cortado em formato triangular, imponente como uma pirâmide, o que causa muita surpresa. Completam o prato a ricota de búfala de Barbacena (produzida por um italiano) com ervas frescas do quintal (tomilho, melissa e alecrim) e o crumble adocicado de milho (feito com canjiquinha). Para finalizar, folhas de biscuit coloridas com manjericão e espinafre.

Chama a atenção a delicadeza do trabalho de Matheus. O chef cria elementos que levam sabor e enfeitam os pratos. Mesmo a forma de empratar já entrega muita beleza. Isso vem da sua vivência na Itália com italianos e japoneses. Diz que também aprendeu com eles a processar o mínimo possível os ingredientes. Sua cozinha segue o lema: se os produtos são bons, o resultado vai ser maravilhoso.



O carpaccio de beterraba resume tudo isso. Impressiona como ele consegue transformar uma simples beterraba assada em um prato belo e delicado. Por cima das rodelas roxas, vários pequenos ingredientes se encontram. Imagina o efeito de incluir bolinhas minúsculas de queijo de cabra (todas feitas à mão). “A minha cozinha não tem equipamentos modernos, o nosso trabalho é muito manual, então ensino os meninos como se cozinhava antigamente, sem termômetro, sem forno combinado, sem máquina a vácuo.”

Também entram avelãs, pétalas comestíveis e flores de manjericão. O que une todos os ingredientes é o molho de vinagre e mel, servido na mesa.

Outro prato que se destaca pela beleza une batata recheada com fonduta de queijo do Campo das Vertentes, shitake assado no papilote, creme de cogumelos de Barbacena e “terra” comestível. Detalhe: ele é montado como se fosse um cogumelo que acabou de ser encontrado no meio do mato.

Avelãs do Piemonte

Receitas e ingredientes do Piemonte continuam a influenciar a cozinha de Matheus. O uso das avelãs, das entradas às sobremesas, já virou uma marca do seu trabalho. “As avelãs do Piemonte são as melhores que existem na face da Terra. Cresci em Alba comendo e usando avelã e nas cidades em volta os italianos fazem tortas, molhos, sobremesas, sorvetes”, justifica. Sua mãe sempre volta da Itália carregada de avelãs para o restaurante.

Cupim glaceado, ravióli de milho com sementes de papoula, crumble de milho e ricota de búfala com ervas

Celina Aquino/EM/D.A Press

Falando de um prato específico piemontês, no menu de primavera tem o “Mare e monte”. O chef traz como petisco cogumelos fritos, que são típicos da região, mas incomuns no Brasil. Lá, eles usam os porcinis que encontram nos bosques. Aqui, Matheus trabalha com cogumelos de Barbacena (shitake, shimeji, paris e portobello).

Para fazer a conexão entre mar e montanha, entra o camarão, também empanado em farinha panko processada, o que deixa a fritura mais delicada. Cogumelos e camarões são servidos com maionese de basílico (manjericão italiano), picles de cebola e uma fatia de limão.

A sobremesa que fecha o menu de primavera se chama “Meu Piemonte brasileiro”. Isso porque o chef faz uma panacota, doce típico do Piemonte, com um ingrediente brasileiríssimo, a manga. No recheio, geleia de morango da casa. Ao lado, gelatina de coco (outra fruta tropical que remete ao Brasil) e frutas da estação, como amora selvagem do quintal, e amarena (que a sua mãe sempre traz da Itália).
Matheus ainda usa iogurte de graviola para “pintar” o prato, pó de cenoura para colorir e folhas de hortelã para levar frescor. 

Passado e futuro

Villa em italiano quer dizer casa antiga. Não por acaso, o restaurante se chama La Villa. Ele ocupa a primeira casa a ser construída na Rua Francisco Cândido Barbosa, há mais de 200 anos. A casa com dois séculos, que serve uma das comidas mais modernas de Tiradentes, fica a poucos metros do Chafariz de São José, um dos pontos turísticos mais visitados da cidade.

Batata recheada com fonduta de queijo, shitake, creme de cogumelos e 'terra' comestível

La Villa Trattoria/Divulgação

Antes de se mudar para Tiradentes, há dois anos, Matheus tinha estado apenas duas vezes na cidade, apenas para trabalhar no festival de gastronomia. Não a conhecia como turista e nem imaginava morar lá. Até receber o convite para chefiar o Tragaluz. “Vim a trabalho e acabei me encantando pela cidade, pelas pessoas e pelo estilo de vida, menos acelerado do que vivia em Belo Horizonte”, comenta o chef, que faz trilhas de bicicleta quase todos os dias e mora a cinco minutos de caminhada do restaurante.

No início do ano, começou a parceria com a contadora tiradentina Janine Trindade, com quem Matheus trabalhou no Tragaluz. Primeiro, ela o chamou para assinar o cardápio da pousada que tinha arrendado. Depois, com o sucesso do menu degustação, a decisão foi focar no restaurante, ocupando um ponto central da cidade.

O menu degustação sazonal é o carro-chefe da casa, mas os pratos do a la carte, que acompanham o chef desde o início, também são importantes para mostrar o seu trabalho. “La mia caprese” é uma versão da salada italiana com tomate recheado com burrata de búfala fresca, anchova e pesto de basílico genovês. Ao abrir a cúpula onde a entrada é servida, uma fumaça preenche o ambiente.

Outra entrada icônica tem o nome de Onilvaldo. Homenagem ao (já falecido) produtor de “um dos melhores boursin do país”, de Itabirito. O queijo vai por cima de uma casquinha crocante com figo fresco, raspas de limão siciliano, flor de sal, hortelã e mel de Prados.

'La mia caprese': tomate recheado com burrata de búfala, anchova e pesto genovês

Ricardo Almeida/Divulgação

Tem gente que sai de Belo Horizonte só para comer o seu carbonara, só para dar ideia da fama desse prato. Enquanto a receita original é feita com espaguete, guanciale (bochecha de porco), gema de ovo, queijo pecorino e pimenta-do-reino, a dele tem tagliolini (massa típica do Piemonte), pancetta artesanal, creme de leite fresco, gema caipira e queijo tipo parmesão da Serra da Mantiqueira. Na finalização, Matheus usa pimenta-do-reino e azeite da Serra da Mantiqueira.

Uma das opções de sobremesa do a la carte é a “Meu Brasil brasileiro”: tortinha de castanha do pará e chocolate branco, esponja de cacau, telha de chocolate, sorvete de queijo do Campo das vertentes e doce de leite ligeiramente queimado.

Serviço

La Villa Trattoria (@lavillatiradentes)
Rua Francisco Cândido Barbosa, 31A, Centro – Tiradentes
(32) 99951-1880

Canelone de rabanete com ricota de búfala e ervas mediterrâneas

Ingredientes
6 rabanetes médios; 1 ricota de búfala fresca (200g); 1 colher de chá de orégano da Sicília; 1 colher de café de tomilho-limão; 1 colher de café de basílico picado bem fino; sal a gosto; pimenta-do-reino moída na hora a gosto; 1 colher de sopa de mini alcaparras; 1 colher de sopa de mini cogumelos em salmoura; 2 colheres de sopa de pesto de manjericão; pó de cenoura a gosto

Modo de fazer
Coloque a ricota em uma peneira para escorrer bem o excesso de soro. Em seguida, transfira para um bowl. Pique as ervas bem finas e acrescente a ricota. Tempere a gosto com sal e pimenta-do-reino. Cubra com plástico-filme e reserve na geladeira. Lamine os rabanetes bem finos com a ajuda de uma mandolina ou uma faca bem afiada. Em cima de uma bancada, abra uma fina camada de plástico-filme. Disponha as lâminas de rabanete intercaladas formando uma escama de peixe de aproximadamente 8cmx8cm. Coloque a ricota dentro de um saco de confeiteiro e utilize-o para dispor uma grossa camada de ricota por cima da escama de rabanete. Com a ajuda do plástico-filme, enrole até formar um canelone. Feche as extremidades com um nó e deixe por 1 hora na geladeira para firmar. No momento de servir, corte as extremidades de cada canelone e retire o filme. Finalize com as alcaparras, os cogumelos cortados a gosto, o pesto de manjericão e pulverize com o pó de cenoura. Sirva com um bom pão italiano.

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