Um dia na França sem sair de Belo Horizonte. Prepare-se para uma viagem de sabores em um roteiro com indicações de lugares para comer do café da manhã ao jantar. Com croissant, boeuf bourguignon, creme brulée, suflê, crepes e muitas outras receitas que são tradição entre os franceses.
Vamos começar o dia com um café da manhã na Casa Bonomi. Baguete, croissant e brioche, três pães franceses que Paula Bonome, a fundadora, fez questão de aprender e que, não por acaso, são os mais vendidos por lá. “Fiquei um tempo na França aprendendo a fazer, principalmente, a baguete. Depois, quando padeiros franceses chegaram ao Brasil, vieram aqui para me ensinar croissant e brioche”, aponta.
Paula quis ser bem fiel às receitas, e acha que conseguiu. “Tive o aval dos próprios franceses. Não só os padeiros, como alguns clientes que já passaram pela Bonomi e até o dono do moinho onde compro farinha, que é francês. Todos falam que faço o verdadeiro pão francês. Então, acho que passei de ano, consegui o diploma”, comemora a padeira, sempre vigilante quanto ao padrão de qualidade.
Como falam na França, a baguete encontrada na Bonomi, de fermentação natural, fica “croustillant”, ou seja, bem crocante, com a casca firme. Aqui, uma única ressalva: pelo gosto dos franceses, ela ficaria mais tempo no forno. “Eles gostam da baguete mais assada, mais escura, mas os mineiros, não. Então, fiz um pouco de concessão, mas acho que isso não faz ofensa.” Por dentro, o pão comprido tem que ser bem alveolado.
O brioche vira uma nuvem de tão macio. Apesar do açúcar, tem um sabor mais neutro e combina com tudo. Na França, Paula conta, é muito comum comê-lo com foie gras, patê de campagne e geleias. A padaria oferece várias opções de brioches recheados. Entre elas, linguiça, queijo com mel e chocolate.
Já o croissant, ah, o croissant... “Na boca, você tem que achar que está uma delícia”, suspira Paula. Agora, tecnicamente falando, o legítimo croissant combina casca com consistência firme e massa rendada. Chamou a atenção dela na França as placas dizendo “nosso croissant só tem manteiga”, uma forma de ajudar a separar o joio do trigo. “Aqui só trabalho com manteiga, e de qualidade. Não entra margarina nem nenhum outro tipo de gordura.”
Com a mesma massa, além do croissant tradicional, a padaria faz croissant de amêndoas, pain au chocolat, kouign amann (diferente por ser caramelizado) e pain aux raisins (recheado com creme de confeiteiro e passas).
Você pode levar os pães franceses para casa ou se sentar para comer. Facilmente vira um brunch. No cardápio, a baguete se transforma em sanduíches com picanha defumada com tapenade, queijo com presunto cru e pernil de porco, todos com rúcula. Inspirado em uma invenção francesa, o Croque Sinhá consiste em uma fatia generosa de brioche com um buraco no meio para receber o ovo caipira. O croissant ganha recheio de presunto e queijo.
Patê da casa
Quando chegar a hora de almoço, dê um pulo no Cozinha Santo Antônio para se deliciar com dois clássicos da França: patê de campagne e boeuf bourguignon. Lá não é um restaurante francês, que fique claro. Pelas palavras da própria chef, Juliana Duarte, trata-se de uma “comida mundana cheia de mineirices”, mas, uma das grandes influências, sem dúvida, é a França.
“Inquestionavelmente, a França é o berço da gastronomia e influenciou demais o meu aprendizado. É inevitável passar pela cozinha francesa quando a gente se interessa por cozinhar, aprender métodos e conhecer ingredientes”, comenta a também historiadora, que, na adolescência, enquanto todo mundo fazia aula de inglês, foi estudar francês. Depois, viajou muitas vezes para a França para comer e fazer cursos rápidos de gastronomia.
Um dia, Juliana viu a irmã fazendo patê de campagne e quis aprender. Logo, ficou conhecida em BH pela iguaria, que não era muito comum em BH. Fazia sob encomenda e vendia em feiras. Tamanho foi o sucesso que não poderia ficar fora do cardápio do restaurante – está desde o primeiro dia.
As receitas variam de cozinheiro para cozinheiro. Lá na França, falam em “patê de la maison”, o que significa dizer que cada casa faz do seu jeito. A chef do Cozinha Santo Antônio, por exemplo, usa barriga de porco como base da massa, que também tem cortes de boi e fígado de pato, e bacon artesanal para envolvê-la. No tempero, destaca-se o “pirlimpimpim da Ju”, mistura de ervas e especiarias. Como aprendeu na roça, quando sobe o cheiro, é sinal de que está bom de tempero.
Mesmo no restaurante, Juliana é a única pessoa que faz o patê de campagne. Não que seja segredo. Ela não se importa de ensinar a técnica e passar a receita, mas não abre mão de colocar a mão na massa. “Gosto muito de fazer o patê de campagne pelo desafio que tem e acho muito bonito o preparo, encontrar a mistura ideal, as proporções. Sou virginiana, então adoro esticar perfeitamente o bacon para colocar a terrine. Método e beleza são coisas que me atraem”, justifica.
No cardápio como sugestão de entrada, o patê de campagne é servido com conserva de cebola roxa, geleia de frutas vermelhas e fatias de baguete. Ainda tem como levar um inteiro para a casa e tê-lo como “curinga” na geladeira. “Você corta uma fatia, faz uma salada de folhas, abre um vinho e vira um banquete”, ensina. Para os momentos mais festivos, ela faz sob encomenda o patê en croute (envolvido por uma massa).
Uma panela só
Antes de abrir o restaurante, Juliana já era apaixonada por boeuf bourguignon. “Me conquistou por ser um prato que fica cozinhando por horas, que você faz com calma, e impregna a casa com cheiros deliciosos de vinho com ervas”, explica Juliana, lembrando-se do verbo francês “mijoter”, usado com o sentido de ficar “cuidando” da comida por um bom tempo. “Além disso, é um preparo perfeito para uma panela só e para servir muita gente, nessa ideia dos encontros em volta da mesa.”
Como é de se imaginar, a chef deu seu toque à receita. Acrescenta batata-doce (“o adocicado super combina com o boeuf bourguignon”), brinca com ingredientes da época (pinhão costuma aparecer) e serve com baguete (“fica mais gostoso do que com arroz”). “A melhor parte é molhar o pão no caldinho”, avisa. Não faz diferença se está frio ou quente, o boeuf bourguignon sai todos os dias. Pode estar o calor que for que tem gente com vontade de se sentir um pouco na França com o ensopado.
Vitrine de doces
Deu vontade de adoçar o paladar? A confeiteira Lídice Peres está pronta para receber você com uma vitrine cheia de doces franceses. Foi em Paris, durante um curso, que ela descobriu sua paixão pela “pâtisserie”. "O que mais me encantou foi que eles criam receitas de acordo com a estação. No verão, os doces são mais leves e frutados. No inverno, tem muito chocolate, avelã e caramelo. É como a moda lida com as roupas”, compara.
De volta a BH, Lídice abriu uma confeitaria com o seu nome e se voltou para os doces tradicionais franceses. “Amanhã, se você viajar para Paris e for em qualquer pâtisserie, vai achar os doces que tenho aqui.”
Lá você pode ter o prazer de quebrar uma casquinha açucarada e comer o creme brulée feito com fava de baunilha de Madagascar. Sentir o azedinho do creme de limão siciliano da tarte au citron. Admirar as camadas de massa de amêndoas, creme de manteiga sabor café e ganache de chocolate meio amargo da torta ópera. Escolher os macarons pelas cores, que acompanham os mais diversos sabores, como framboesa, limão, pistache, maracujá, chocolate e caramelo. Até jabuticaba já teve.
Sempre que dá, a confeiteira leva um toque de criatividade para as receitas francesas. No caso do mil-folhas, ela acrescentou caramelo com flor de sal à tradicional combinação de massa folhada crocante e creme de confeiteiro com fava de baunilha.
Legítimo bistrô
Para o jantar, nada mais apropriado do que um bistrô francês. Aqui entra em cena o Taste-Vin, a grande referência da cidade. Quando começou a se aventurar na cozinha, Rodrigo Fonseca logo se encantou pelas preparações francesas. Depois, teve aulas com Bernadette Mascarenhas, a Dadette, que ensinava, especialmente, pratos da França. “Juntei o que gostava com as técnicas que aprendi – ainda tinha o suflê que me ensinaram em São Paulo, e acabei seguindo esse caminho.”
Como um típico bistrô francês, o Taste-Vin tem mesas bem próximas umas das outras, ambiente intimista e pouco formal e a presença dos donos (Rodrigo está sempre circulando pelo salão). Na cozinha, o chef segue as referências francesas, mas também incorpora influências locais, tanto pela questão de adaptar as receitas ao que encontra no Brasil quanto para dar um toque pessoal aos pratos.
Para quem busca uma experiência tipicamente francesa, a sugestão é começar pela salada de folhas verdes com queijo de cabra empanado e torrada de pão de grãos. “Se você for hoje à França, vai encontrar essa salada em vários bistrôs. Não quer dizer que o queijo seja empanado, essa é uma adaptação nossa”. Outros clássicos são rillete (espécie de patê com carne cozida, desfiada e finalizada na própria gordura) de pato com mini salada verde e chutney de tamarindo e sopa de cebola gratinada com queijo gruyère, bacon e torradas.
São tantas opções que fica até difícil escolher o prato principal. O cardápio lista desde camarão à provençal a coelho ao molho de mostarda de Dijon e filé-mignon ao molho au poivre vert (pimenta verde) e batata dauphinoise. “Qualquer escolha que você fizer vai se sentir um pouco na França”, avisa.
Uma das indicações é o “Ballottines de queue de boeuf”. “É um prato feito com toda a técnica francesa, mas que leva taioba, uma verdura tipicamente mineira.” A folha verde envolve a carne de rabada cozida longamente, desfiada e desengordurada, como uma trouxinha, que é regada com o molho da própria rabada. De acompanhamento, arroz branco com raspas de laranja, que entregam um interessante frescor.
E o suflê?
Calma que o suflê não foi esquecido. Obviamente, merece menção honrosa em um típico jantar francês. Só ficou por último porque pode entrar a qualquer momento, seja como entrada, acompanhamento ou prato principal. O Taste-Vin não economiza na oferta: são 12 sabores. Entre eles, espinafre com passas e maçã; queijo da Serra do Salitre com pimenta dedo-de-moça; surubim defumado com gruyère e o que leva o nome da casa, com camarão, gruyère e champignon.
“Existem dois restaurantes em Paris conhecidos pelos suflês e os clientes me contam que vão lá experimentar para saber qual é o melhor. Em geral, nos elogiam muito”, revela o chef, que, antes de abrir o Taste-Vin, fez estágio no bistrô Marcel, em São Paulo, de onde trouxe a receita do suflê.
Rodrigo é um apaixonado (e estudioso) por vinhos e não poderia indicar outra bebida para o jantar, do início ao fim. O bistrô tem uma carta de vinhos com 1/3 de rótulos vindos da França. “Temos vinhos franceses importados exclusivamente para nós, de várias faixas de preços, para que as pessoas deixem de achar que vinho bom tem que ser caro. Não, nada disso”, destaca.
Duas sobremesas tipicamente francesas podem encerrar brilhantemente o dia francês: mil-folhas com frutas do bosque e profiteroles recheados com sorvete de creme e calda de chocolate quente.
A qualquer hora
Café da manhã, brunch, almoço, lanche da tarde ou jantar. Não tem hora certa para comer crepe, concorda? Por isso, fica como sugestão para qualquer momento do dia. Novidade em BH, a Francette é uma creperia que serve o legítimo crepe francês (com sarraceno e tudo). Os donos são Silvana e Philippe Watel, casal que já esteve à frente do bistrô parisiense Au Bon Vivant.
“Descobri o amor pela comida na França. Meus passeios eram ir ao supermercado, ler livros de cozinha nas livrarias e experimentar sabores diferentes. Comecei a ter uma afinidade muito forte com o país e ele foi me conquistando”, relembra Silvana, que era da área de informática e lá conheceu Philippe.
Com o Au Bon Vivant, eles realizaram o sonho de abrir um restaurante de comida francesa. O bistrô fechou, a empresa de congelados Cheguei! não deu certo e a chef parou para pensar: “onde está a nossa essência?”. Logo veio a resposta. “Entendi que a nossa essência está na França, é o que faz brilhar os olhos, nos emociona.”
E, assim, desengavetaram o projeto da creperia, que existia desde 2018, com nome, logomarca e crepeiras trazidas da França na mala. Os testes começaram em feiras de rua e, diante de filas e mais filas, que faziam a massa acabar antes da hora, tomaram coragem para abrir um ponto fixo.
Na França, o crepe salgado, chamado de “galette”, é feito com sarraceno. Apesar de popularmente conhecido como “trigo”, por ser usado como farinha, o sarraceno não é da família dos cereais, é considerado uma planta com flor, por isso não tem glúten, além de ser altamente nutritivo. Virou símbolo da região da Bretanha, mas é consumido no país inteiro.
“A Bretanha era uma das regiões mais pobres da França, com poucas opções de cultivo, e o sarraceno, de adaptação fácil a qualquer tipo de solo e clima, logo fez sucesso”, explica Philippe.
Crepe para os franceses é como pizza para os brasileiros: come-se muito, mas não todo dia. Silvana quis sair do básico queijo com presunto, o mais comum de se encontrar na França, e propor combinações de ingredientes como se fosse um prato. Até porque, ela destaca, a massa de sarraceno combina com tudo. “Quis unir um pouco da sofisticação, da beleza e da leveza da cozinha francesa com a liberdade e descontração que o crepe dá.”
O “La Bretonne”, mais famoso na França, desembarcou em BH com um toque especial. Além de queijo gruyère, muçarela e presunto, tem cubos de bacon para dar um “tchan”. Com uma dobradura diferente, a massa deixa à mostra o ovo “estrelado” com gema mole.
O “Galette Saucisse” também é bem popular entre os franceses. Conhecido como comida de estádio, lembra cachorro-quente. Silvana deu uma incrementada na receita, colocando linguiça artesanal, queijo Canastra, creme de mostarda de Dijon e picles de cebola roxa.
Invenções da chef
Falando de outras invenções da chef, destaque para a “La Bordelaise”. Dentro da massa de sarraceno tem carne desfiada com pimentões coloridos e cenouras assadas, molho de vinho tinto e cebola caramelizada. Na decoração, uma telha de queijo gruyère. Imperdível também é a “Mineirette”, com copa lombo confitado, chutney de abacaxi, queijo canastra e cubinhos de bacon.
Quem não quer comer carne pode ser muito feliz com o “Francette”, que combina abobrinha assada, tomates confitados, queijo brie, cebola caramelizada, redução de vinagre balsâmico e mel, hortelã fresca e crocante de limão siciliano.
Outra surpresa, especialmente para os veganos, é o “Marrakech”, servido frio, com berinjelas e abobrinhas assadas, homus de grão-de-bico, tomates, cebola roxa, azeite extravirgem, limão siciliano e hortelã. “Pode parecer esquisito, mas não é. Surpreende no paladar por ser bem agradável.”
Entre os crepes doces, a primeira sugestão da chef é o “Suzette”. “É um clássico francês e o nosso, modéstia à parte, está muito gostoso. O molho de laranja é o mesmo do Au Bon Vivant e o sorvete tem baunilha de verdade”, descreve. Não menos interessante é a versão de profiteroles: trouxinha de crepe com sorvete de baunilha e calda de chocolate meio amargo. Por cima, crocante de amêndoas e sarraceno.
Para beber, vinho ou espumante, na taça e na garrafa. Silvana adianta que está para incluir no cardápio coquetéis feitos com essas bebidas.
Boeuf bourguignon (Cozinha Santo Antônio)
Ingredientes
1k de miolo de pá ou alcatra; 750ml de vinho tinto; 3 cebolas médias (200g); 2 cenouras médias (100g); 1 talo de salsão (50g); 1 alho-poró pequeno (50g); 150g de bacon; 30g de farinha de trigo; 1 buquê garni (tomilho, alecrim, louro e salsinha); 1 litro de caldo de carne ou legumes; 200g de cogumelo; 300g de batata-doce salmão; 300g batata-doce roxa; 300g de batata-bolinha; 1k de cebola baby; sal e pimenta-do-reino a gosto; 1 baguete em fatias
Modo de fazer
Corte os legumes em cubos de 1,5x1,5cm. Corte a carne e o bacon em cubos de 3x3. Prepare uma marinada com a carne, legumes, vinho e um giro de azeite. Deixe na geladeira por 12 horas. Frite os cubos de bacon em uma panela de ferro mineira ou de ferro esmaltada. Reserve. Separe a carne da marinada, reservando os legumes e o vinho. Na mesma panela em que fritou o bacon, em fogo alto, sele os cubos de carne. Faça isso aos poucos para evitar a formação de água. Retire os pedaços de carne e tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Polvilhe levemente com a farinha de trigo. Na mesma panela, doure os legumes, raspando no fundo a crostinha dourada que deve ter se formado durante o processo de selar a carne. Volte com os cubos de bacon e carne e envolva bem com os legumes dourados. Acrescente o vinho e deixe ferver por 5 minutos para evaporar um pouco do álcool. Acrescente o caldo de legumes ou carne, abaixe o fogo e deixe cozinhar lentamente por duas a três horas. Corte as batatas doce em rodelas e asse regadas com azeite e tomilho. Asse as batatas-bolinha inteiras com casca com azeite e alecrim. Salteie os cogumelos e sirva por cima na hora de finalizar. Descasque as cebolas e coloque em uma caçarola com 150 g de manteiga e uma colher rasa de sobremesa de açúcar mascavo. Deixe cozinhar até caramelizar. Se precisar, acrescente um pouco de água. Sirva o boeuf bourguignon com as guarnições e fatias de baguete francesa de casca grossa.
Serviço
Casa Bonomi (@padariacasabonomi)
Avenida Afonso Pena, 2600, Funcionários
(31) 99206-2772
Cozinha Santo Antônio (@cozinha_santoantonio)
Rua São Domingos do Prata, 453, Santo Antônio
(31) 98218-6427
Lídice Peres (@lidiceperes)
Rua Grão Mogol, 872 – loja 2, Sion
(31) 98362-1920
Taste-Vin (@restaurante_tastevin)
Rua Curitiba, 2105, Lourdes
(31) 3292-5423
Francette (@francettebh)
Rua Alagoas, 756, Funcionários
(31) 99631-1447