Quem nunca aguardou ansiosamente o fim de semana chegar para sentar e abrir aquela cervejinha gelada? Mas hoje em dia, é necessário fazer mais uma pergunta antes de beber aquela geladinha. Cerveja… de quê?


As cervejarias em Minas estão inovando cada vez mais nos ingredientes das loiras, ruivas e morenas. “De uns anos para cá, as cervejarias buscam o resgate da tradição. Querem cada vez mais ter um produto único que remeta às origens”, explica Daniel Gontijo, da Smedgard. O engenheiro, especialista em tecnologia cervejeira, se juntou à Uaimií, para que, juntos, pudessem criar uma cerveja única para A Forja - Taberna Épica Medieval. Como ingrediente especial, escolheram o cardamomo.


“Como somos uma taverna medieval, tentamos ser o mais historicamente fidedignos possível, desde os pratos à decoração. Então decidimos fazer uma cerveja com o estilo antigo”, revela Igor Escobar, sócio da Forja.


“Essa cerveja foi encomendada para a gente. Chamamos o Daniel da Smedgard porque ele é conhecedor dessa culinária bávara e já tinha feito cervejas nesse estilo. Fizemos uma parceria e criamos essa cerveja”, conta Flávia Paiva, sócia da Cervejaria Uaimií.


Assim nasceu A Forja. Com o nome inspirado na sua idealizadora, a cerveja, que, hoje, é servida apenas em formato de chope, apresenta uma coloração dourada alaranjada e é levemente opaca para, propositalmente, lembrar as cervejas da Idade Média, que não eram filtradas para reter mais sabor. Inspiradas em receitas escandinavas, ela pode ser considerada uma adaptação para o paladar brasileiro.


“Ela tem um aroma muito específico dos ingredientes utilizados. Foram usados maltes de trigo e de cevada pouco caramelizados. O cheiro dela, então, lembra biscoito, pão e grãos. O próprio cardamomo dá um cheiro mentolado, condimentado e até apimentado, que equilibra com o aroma de panificação, sem tirar o frutado”, explica Daniel.


Sobre o sabor, a cerveja é pouco amarga e possui uma espuma bem cremosa. Com um teor alcoólico baixo, de 4,5%, é uma proposta leve e equilibrada, que pode ser consumida em grandes quantidades. O cardamomo traz toques de condimento e menta, trazendo uma refrescância e frescor, levemente adocicado.


“O público abraçou muito, é a cerveja que mais sai hoje. Por ser a cerveja da casa, muitas pessoas pedem para poder conhecer e depois que experimentam, querem repetir”, conta Igor.


ENTRE ABÓBORAS E CENOURAS

No município de Gonçalves, na região da Serra da Mantiqueira, quando ainda era um cervejeiro caseiro, Bruno Faria ficava encantado com a grande produção de abóboras. E porque não juntar esse legume à sua grande paixão?


A Abróba (a escrita é desse jeito mesmo), um dos rótulos da Cervejaria 3 Orelhas, assim como A Forja, também tem inspirações europeias. Baseada nas pumpkin ales (cervejas feitas de abóbora), estilo comum na Inglaterra, a cerveja rende mil litros do líquido a cada cem quilos de abóbora pescoçuda.


“Nós assamos a abóbora no fogo a lenha até ela ficar bem assada, parecendo com um purê. Depois juntamos com os grãos, malte e cevada”, explica Bruno, fundador da 3 Orelhas, que funciona no Mercado de Origem, no Bairro Olhos D’Água.


Quando decidiu levar a cerveja com abóbora para a sua cervejaria, Bruno estava pensando em uma relação com o Dia das Bruxas, em outubro, mas a ideia conquistou os clientes e agora faz parte do cardápio fixo.


“Trabalhamos com essa cerveja o ano todo, qualquer mês que você vier ela vai estar disponível. De início, era uma brincadeira para a época de Halloween, onde ainda tem uma grande saída dessa cerveja, mas pela demanda e curiosidade do pessoal, ela ficou. Lógico que tem aqueles que torcem o nariz por causa do uso da abóbora, mas quem experimenta, gosta”, promete.


A Abróba tem uma base maltada e possui uma coloração avermelhada, onde a abóbora pescoçuda está presente tanto em sabor, aroma e também em textura, com uma sensação mais aveludada. Além da abóbora, a cerveja leva um conjunto de especiarias.


“Além do lúpulo, que é o ingrediente principal de uma cerveja, temos o gengibre-do-brejo, um gengibre que dá na beira de cachoeiras e nós mesmo coletamos. Ele é mais herbal, menos picante e agressivo que o tradicional. Ela tem também a noz moscada, o zimbro e o cardamomo na sua composição. Até tentamos ter uma produção própria dessas especiarias, mas o ritmo acelerado da fábrica não deu certo”, conta Bruno.


É uma cerveja que possui maltes especiais que trazem notas de caramelo, casca de pão, que junto com os outros ingredientes formam um sabor único. Segundo o idealizador, é uma bebida que remete a um doce de abóbora, como uma torta, mas sem ser uma experiência predominantemente adocicada. Bruno ainda destaca que é uma cerveja encorpada, com suporte para o teor alcoólico de 6,5%.

 

Para acompanhar o copo, o chef da 3 Orelhas, Vitor Rabelo, indica a carne de lata, com virado de banana e salada de couve. Quem prefere só petiscar pode pedir o torresmo de barriga ou a milanesa de pernil.


O freguês que torcer o nariz para cerveja de abóbora tem outras opções para escolher na cervejaria. A Cenoura e Bronze é outra receita a ser degustada.


Inspirado por um de seus sucos preferidos, o de laranja com cenoura, Bruno trouxe o legume para a receita cervejeira. É uma cerveja refrescante, com baixo teor alcoólico. A presença da citra traz notas herbais, cítricas e florais.


“Dentro do universo cervejeiro, onde a gente busca novos produtos para trazer novas experiências, eu vejo que o uso de ingredientes exóticos, como legumes, frutas, especiarias e grãos trazem demanda, mais do que repulsa. O mercado consumidor é muito viciado em pilsen, então tudo que você consegue trazer que conte uma história, evidenciar uma origem, um novo sabor, eu vejo que fortalece os produtores”, opina Bruno.


CERVEJA COM FUBÁ
TORRADO E RAPADURA

Em 2021, a ACERVA Mineira - Associação dos Cervejeiros Artesanais de Minas Gerais - juntamente com a Cervejaria Prússia, fez um concurso com cervejeiros artesanais caseiros de Minas. Um dos destaques desse concurso foi a Montinho, cerveja feita por Marcelo Sampaio Rocha.


Inspirado pela ideia de que “Minas Gerais é a Bélgica Brasileira”, devido à variedade dos estilos de cerveja feitos no estado, Marcelo entrou no concurso na categoria Escola Mineira, onde uma das exigências é possuir, na sua composição, ingredientes da culinária mineira, com uma belgium Ipa.


“Na receita da Montinho eu utilizei o fubá torrado e a rapadura. São itens extremamente mineiros, que lembram as características da nossa culinária. Eu já tinha experimentado o fubá e a rapadura em cerveja. Essa foi a oportunidade de casar (os ingredientes) e colocar no mercado”, revela.


A coloração da cerveja é um amarelo dourado, quase âmbar, com uma boa formação de espuma branca. Os aromas são levemente cítricos do lúpulo, mas com um toque condimentado, que é a proposta de uma cerveja belgium IPA.


“O fubá e a rapadura trazem uma complexidade para a receita. É um aroma que você consegue sentir esquentando um pouco mais, lembrando frutas secas. O sabor também remete a isso”, explica o cervejeiro.


Até chegar ao resultado desejado, o cervejeiro de Mariana, na região central do estado, usou do próprio conhecimento com outras cervejas que já tinha feito e de outros apaixonados pela bebida. Marcelo possui um canal no YouTube onde mostra suas produções caseiras. Por lá, os 500 inscritos que o acompanham no “A Família Nerd” o ajudam compartilhando suas experiências.


“No meu canal do YouTube mostro minhas receitas de cervejas caseiras, de panelinha, e costumo trocar muita ideia com quem me segue por lá. Eu já tinha testado outras receitas parecidas com amendoim e até mesmo com o fubá e rapadura, então os testes para chegar na Montinho foram mais ajustes. Eu já tinha uma base boa para comparação”, conta.


“Escolhemos produzir a Montinho porque gostamos do estilo dela e da criatividade”, revela Amanda Goveia, gerente de marketing da Prússia. Hoje, a cerveja faz parte de um pack com outros três rótulos.


“O Pack Pancada leva quatro cervejas com nomes de brincadeiras de criança, como o “Fusca Azul”, “Hoje Não”, “Toma Distraído” e “Montinho”. Queríamos trazer a relação de cervejas mais “pesadas”, com o teor alcoólico maior”, completa.


A Montinho vem conquistando cada vez mais apreciadores. Recentemente, ela ganhou como a 3º Belgian IPA mais bem avaliada do Brasil no Untappd!, o aplicativo mais famoso de dar notas às cervejas no mundo todo.


“A parte prática da experimentação às vezes é difícil, nem tudo fica bom, mas temos que continuar. De maneira geral, temos uma ideia muito ruim de adjuntos na cerveja, até associando com cervejas de baixa qualidade. Eu, particularmente, acho que se usar com criatividade e sabedoria, os adjuntos são muito legais e fazem muita diferença na cerveja”, reflete Marcelo.


PARA HARMONIZAR COM QUEIJO

Em alemão, Dünn significa fino e esbelto. Em Belo Horizonte, é o nome de uma cervejaria localizada no coração gastronômico da cidade, o Mercado Central.


Antes de se aventurar no mundo cervejeiro, além de florista, Mácoud Patrocínio era presidente do Mercado. Ele começou a se perguntar: O que levava as pessoas a irem lá? E a sua conclusão não poderia ser mais mineira: elas iam comprar queijo.


“Eu via que o produto mais procurado aqui era o queijo. Quando migrei para as cervejas, eu decidi que queria criar uma cerveja com a cara do Mercado., para acompanhar o produto de maior sucesso”, conta.


Assim, Mácoud começou uma busca. Como conseguir fazer uma cerveja que harmonize com o queijo mineiro? Não foi uma tarefa fácil.


“Eu saí pelo Mercado procurando especiarias e alimentos que poderiam fazer parte dessa bebida. Em primeiro momento eu criei uma cerveja que era uma junção de cevada, goiabada e queijo. Mas eu percebi que o cheiro do queijo na cerveja não era adequado. Tirei ele e deixei só a goiabada, que harmonizou completamente com o queijo canastra”, rememora.


A Dünn Mercado é uma cerveja estilo American Amber Ale, com 4,5% de teor alcoólico. Na composição, leva lúpulo e maltes especiais, responsáveis pela cor mais avermelhada e levedura belga. Ela possui um gosto com nuances frutais e a goiabada se faz presente no aroma. Apesar de ser feita com o doce, Mácoud reforça que ainda se trata de uma cerveja.


“Nós temos vários tipos de clientes. Temos aqueles que já são bebedores de cerveja. A primeira coisa que ele fala é ‘eu não quero doce na cerveja’. O outro grupo são aqueles que não são bebedores usuais. Elas estão sempre mais aptas a experimentar, mas eu tenho que lembrar: isso é uma cerveja”, conta.


“O propósito é: eu estou bebendo uma cerveja. Muitas pessoas chegam aqui e acham que vão ter o gosto da goiabada e não é assim. Ela está presente no aroma e no retrogosto, que é quando você bebe uma cerveja, sente o gosto e aroma dela, mas no final consegue associar com outro ingrediente”, completa Mácoud.


Ele recomenda que a cerveja seja consumida junto de fatias de queijo canastra. Ele ensina, inclusive, a melhor sequência para degustação.


“Você primeiro sente o aroma da cerveja. Toma uma leve golada, pega um pedacinho do queijo canastra meia cura e começa a mastigar. Antes de engolir, toma outra golada da cerveja e continua a mastigação, misturando a cerveja e o queijo. Por último você engole e finaliza com mais um gole da Dünn Mercado”, sugere.

 

TONEL CHEIO DE MINEIRIDADE

Após se mudar de Curitiba para BH com a família, Célio Gutstein decidiu fazer uma pós-graduação em tecnologia e ciência cervejeira. Atualmente, ele é o responsável pelo setor de criações e inovações da Cervejaria Wäls.


“Em 2016, quando entrei na Wäls, a gente criava muitas cervejas diferentes. Uma média de três a quatro novas por mês. Hoje, o ritmo de criação diminuiu e a gente faz as inovações de uma forma mais focada”, explica.


Um desses focos da Wäls foi trazer para as cervejas as diversas culinárias de Minas Gerais. “Temos muito esse contexto de ser ‘De Minas para o Mundo’. Então eu desenvolvi um projeto que buscava levar a cultura de Minas para fora. Já fazíamos isso com as cervejas tradicionais, mas queríamos ampliar, levar insumos. Assim fizemos o projeto Wäls Expedições. Nós visitamos várias regiões de Minas buscando ingredientes regionais para as receitas”, revela.


Dentro dessa coleção, foi criada uma série de cervejas que exaltam a cultura gastronômica mineira. Mas foram necessários cuidados para que esses rótulos pudessem alcançar e conquistar o maior número de consumidores possível.


“Todas as cervejas do projeto Wäls Expedições são ricas em camadas sensoriais e nenhuma delas é uma cerveja extrema, com alto teor alcoólico, nada muito denso. Não pode ser uma cerveja muito nichada. É uma bebida para quem toma lager, quem toma pilsen, tenha a possibilidade de provar e gostar. A ideia é ser um degrau acima das cervejas comuns, não ter muita diferença. Nosso maior consumidor é aquele que toma cervejas mais leves, mas tem curiosidade para experimentar novos rótulos,” explica Célio.


Representando a cultura de todo o estado, a Doce da Mata é um rótulo que traz em sua fervura o doce de leite da Zona da Mata. É uma cerveja de estilo Ale, com teor alcoólico de 4,6% e amargor de 20 IBU. Com uma coloração escura acobreada e uma espuma bege, a cerveja leva cinco tipos de maltes. É uma bem aromática, com notas de torra, caramelo, chocolate, toffee e do doce de leite. Já no sabor é possível sentir a presença do doce de leite, mas sem um adocicado intenso, com um leve amargor no final.


A Abacaxi do Triângulo vem para homenagear a grande produção da fruta no Triângulo Mineiro. Uma cerveja do estilo table saison belga, leva uma combinação do abacaxi e da erva-cidreira, com teor alcoólico de 4,5% e IBU 23. É composta por seis tipos de malte, de cor laranja turva, bem leve e refrescante. No sabor, tem notas cítricas e herbais, com o leve sabor do abacaxi e da cidreira.


No Norte de Minas, Célio driblou os próprios gostos pessoais para produzir a Pequi do Norte. Ele conta que, até começar esse projeto, não gostava do fruto e revela ter tido dificuldades para trabalhar com ele.


“O pequi é muito gorduroso e a gordura não faz bem para a cerveja, porque ela acaba com a espuma. Tivemos que fazer um processo onde a pele do pequi foi toda retirada, e da polpa foi feita uma pasta, que foi levada ao forno para separar a parte gordurosa e poder trazer o sabor e textura que estávamos procurando”, conta.


Essa cerveja pode ser considerada uma american IPA e leva cinco tipos de malte, pequi, lúpulo, flocos de aveia e trigo. De coloração amarela intensa, a pasta de pequi é utilizada no final da fervura, o que faz com que o fruto apareça no aroma e sabor de forma sutil, abrindo espaço para os aspectos das frutas amarelas e tropicais. Com teor alcoólico de 5,4% e IBU 20, ela segue a linha das outras cervejas na coleção, sendo uma cerveja leve.


“Para se colocar um insumo na cerveja tem que ser feito de forma delicada, para não ser algo muito intenso e carregado. Senão você muda o que você está bebendo. A cerveja não pode ser considerada uma cerveja de pequi, ela é uma cerveja com pequi”, finaliza.


Serviço


A Forja - Taberna Medieval
R. Cláudio Manoel, 500, Funcionários, @forjataverna

Cervejaria 3 Orelhas
Mercado de Origem - R. Adriano Chaves e Matos, 447, 6º andar, Olhos D'Água, @cervejaria3orelhas

Cervejaria Wäls
R. Gabriela de Melo, 566 - Olhos D'Água, wals.com.br

Dünn Cervejaria
Mercado Central - Av. Augusto de Lima, 744, loja 231, Centro, @dunncervejaria

Prússia Bier
Rod. MG 129 s/n Km 1,4, Bairro Gralhos, São Gonçalo do Rio Abaixo, @prussiabier

Uaimií Cervejaria de Fazenda

R. Grão Mogol, 1176, Sion, @uaimii

 


*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Rocha

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