Na cozinha, é onde a magia acontece e as mães exibem um dos seus superpoderes: o tempero do amor. Uma canja quentinha quando o filho está doente, um prato saboroso para o almoço em família ou um doce no domingo para começar bem a semana, receitas preparadas com cuidado e zelo por uma mãe amorosa se destacam no meio de opções mais requintadas. Com o Dia das Mães se aproximando, conheça os temperos que quatro chefs de cozinha de Belo Horizonte utilizam como herança materna.


Um dos nomes mais famosos da gastronomia mineira, o chef Leo Paixão, de 42 anos, proprietário dos restaurantes Glouton, Ninita, Nicolau Bar da Esquina, Nico Sanduíches, Mina Jazz Bar e o mais novo Macaréu, teve a semente da cozinha plantada há anos pela sua mãe e pelo seu avô, que, com o passar do tempo, germinou numa tomada de decisão muito importante: trocar o jaleco pelas panelas.


Formado em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leo não se sentia feliz com a vida dos plantões. Então, dois anos depois de pegar o diploma, resolveu passar uma temporada de um ano estudando gastronomia na Ferrandi, uma das principais escolas de formação profissional do mundo, localizada em Paris, importante polo gastronômico.


“Quando retornei para Belo Horizonte, abri o meu primeiro restaurante, o Glouton, e foi a partir dali que vieram os prêmios, os reconhecimentos e as oportunidades para abrir as outras casas que tenho hoje”, conta.


Sua mãe, Patrícia Paixão, de 65, sempre foi muito presente em toda a sua trajetória. Apesar de ter ficado apreensiva ao ver Leo trocar a tão batalhada medicina, ela não largou sua mão e permaneceu na torcida por suas conquistas. E segue assim até os dias atuais. “Mamãe é uma grande frequentadora dos restaurantes. Então, na verdade, eu faço todos os pratos dos meus cardápios para ela.”


O chef ainda tem fresco na memória os domingos, quando era mais novo, em que cozinhava junto com a mãe no fogão a lenha da casa em que foi criado. “Minha mãe sempre gostou da comida da roça, então eu cozinhava muito com ela. A gente fazia costelinha com canjiquinha e frango com quiabo.” Entre os pratos preferidos, o que era feito com mais recorrência era a galinhada.


Os momentos na companhia da mãe ensinaram muito a Leo sobre gastronomia e o prepararam para um futuro brilhante com as panelas. Com Patrícia, ele aprendeu muito a usar verduras e hortaliças, além de plantá-las numa horta. “Inclusive, hoje tenho uma horta em casa graças a ela. Minha mãe me ajuda muito e me dá várias mudas e dicas.”


Leo só tem a agradecer por tudo o que a mãe já fez por ele. “Eu tenho muito carinho em cozinhar para mamãe, da mesma forma que ela sempre teve muito carinho de cozinhar para mim também. Acho que a gente demonstra muito nosso afeto através da cozinha”, comenta. O prato favorito de sua mãe é a lasanha de berinjela em mil-folhas com queijo stracciatella e molho pomodoro, disponível no cardápio do restaurante Ninita.

 

O prato favorito da mãe de Leo Paixão, Patrícia, é a lasanha de berinjela em mil-folhas com queijo stracciatella e molho pomodoro do restaurante Ninita

Rubens Kato/Divulgação


A exemplo da mãe

 

“Comecei minha jornada como garçonete de um bufê junto com a minha mãe. Foi por causa dela que comecei a me identificar com a área”, conta Tainá Moura, de 27 anos, formada em gastronomia e chef executiva dos restaurantes AA Wine Experience, Gennaro e Amadeus. Ela vem de uma família muito simples que busca encontrar a riqueza nos detalhes. Seu diferencial sempre foi o amor por servir e ajudar.


“Certa vez, fui fazer um evento pelo bufê e tive meu primeiro contato com um chef de cozinha. Era a primeira vez que via um profissional assim na minha frente. Logo de cara, achei muito bonita a postura dele e a forma como lidava com as coisas para trazer mais organização e dinâmica para a cozinha. Então, comecei a ter curiosidade pelo setor”. A partir dali, ela foi conhecer mais sobre a área e logo já estava trabalhando em diferentes partes da cozinha: praça de sobremesa, salada e preparações.


Quando a oportunidade apareceu na sua frente, ela não hesitou, pegou todos os ensinamentos e foi com tudo. “Estava fazendo um evento no Mineirão e era auxiliar de cozinha no setor de lavação. Teve um problema com a chef e perguntaram quem sabia fazer sobremesas. Como eu sabia, peguei um evento para quase 20 mil pessoas e a partir dali comecei a atuar como chef de cozinha”.


Ao longo do tempo, Tainá foi cada vez mais estudando, aprimorando e fazendo cursos setorizados. E, em meio ao turbilhão de projetos e correria da vida, teve um filho, Emanuel, seu maior e melhor presente, que hoje está com quatro anos.


“Eu me vi naquela jornada louca de cozinha. Só trabalhava, mas queria cada vez mais que as pessoas conhecessem meu trabalho. Porém, tive que dar uma pausa e ir mais leve, pois era uma gravidez de risco.” O amor pela cozinha levou Tainá a trabalhar até o último mês de gestação.


Quando o filho estava com dois meses, ela recebeu a proposta de entrar para o AA Wine Experience como chef e teve o grande desafio de conciliar a maternidade com a cozinha. “Entrei num ambiente extremamente masculino, onde não havia nenhuma mulher e as pessoas não se respeitavam muito. Então, com o tempo, consegui mostrar para eles que poderíamos, sim, fazer aquilo que a gente ama, mas se respeitando.” Mesmo que, em muitos momentos, pensasse em desistir ou largar tudo, sua força vinha ao olhar para o filho e relembrar tudo o que sua mãe já havia feito por ela.

 

Quando quer agradar a mãe, Maria Alice, o chef do tragaluz serve a couve-flor assada com molho à base de tahine, iogurte, erva fresca,castanha de caju e sementes de romã

fotos: Tragaluz/Divulgação


Fazer com amor

 

Tainá montou o cardápio do AA Wine Experience seguindo técnicas contemporâneas, mas sempre com um toque mineiro, que aprendeu na cozinha com a avó Ana Bernardes Faria, de 81, e a mãe, Cássia Aparecida da Silva Moura, de 46. “Quando eu era mais nova, sempre via como minha avó conseguia transformar as coisas na cozinha. Mesmo com poucos recursos, ela fazia sempre o melhor. Com o tempo, entendi que não é sobre o ingrediente que vamos usar, mas sobre fazer com amor”.


O prato que mais marcou Tainá na infância está disponível no cardápio do AA Wine Experience como uma homenagem para Cássia: é a lasanha completamente artesanal de ragu de ossobuco.


Das receitas feitas pela avó, a favorita era o mingau de milho verde, que é homenageado no creme brulée de milho verde com sorvete de canela. “Trago uma referência muito afetiva para minha cozinha, um pouco de tudo que aprendi com minha mãe e com minha avó. Quero que as pessoas comam meus pratos e sintam que estão comendo a comida mãe delas, sabe?”

 

Se fosse preparar um prato especial para a sua mãe, Maria Antonieta, Cristóvão Laruça faria o arroz de lagosta servido no restaurante Turi

Rubens Kato/Divulgação


Gosto de saudade

 

O português em terras mineiras Cristóvão Laruça, de 43 anos, chef de cozinha e proprietário dos restaurantes Caravela, Turi e Capitão Leitão, além de sócio da Fazenda Cervejeira e do recém-inaugurado restaurante Mitra, chegou ao Brasil em 2004 e seu primeiro contato foi com a terra do axé, Salvador, na Bahia. Com um diploma de arquitetura, veio para fazer projetos de obras.

 

"Minha mãe foi a pessoa mais importante da minha vida na minha formação. Se ela não tivesse sido como foi, eu não seria a mesma pessoa hoje."

Tragaluz/Divulgação


“Quando você está distante do seu país, da sua terra e da sua família, a forma de se sentir mais próximo é comer as comidas que você comia antes e que sempre amou”, conta.


Com o coração cheio de saudade, Cristóvão buscou cada vez mais se livrar da distância fazendo pratos típicos e investindo na gastronomia. Com o tempo, foi sendo incentivado pelos novos amigos, abriu uma pousada em Salvador e definitivamente trocou a prancheta pelas panelas. “Abri o Caravela em 2012, num condomínio fechado, até que tive o apoio de vir para Belo Horizonte. Esse foi o pontapé para as casas que temos hoje.”


A saudade da família e, principalmente, da mãe, Maria Antonieta Laruça, de 70, que mora em Portugal, ainda aperta o coração. “Minha mãe é a maior influência por eu ser chef hoje. Em Portugal, temos o costume de jantar comida mesmo, todos os dias. E a minha mãe sempre fazia essa refeição quando eu voltava do trabalho, então eu e meu irmão acompanhávamos e até ajudávamos na cozinha.”


Entre as comidas que Cristóvão mais fazia para matar a saudade do lar, está o bacalhau à Brás, que é um prato típico da região de Lisboa, onde ele morava. A receita consiste em bacalhau desfiado, batata palha, cebola frita às rodelas finas, ovo mexido, azeitonas e salsa picada. Outro prato muito preparado pelo chef, que tem gosto de saudade, é a jardineira: ensopado de carne com legumes.


“Tem um prato da minha mãe que eu gostava muito na minha juventude e que, inclusive, faço até hoje em homenagem a ela no cardápio do almoço executivo do Caravela, que é o fricassê de frango, diferente do fricassê do Brasil. Eu simplesmente amava quando ela fazia esse prato.”


Molho de gemas


Diferentemente do brasileiro, que é preparado com frango desfiado, batata palha e assado no forno, o fricassê em Portugal é um prato com sobrecoxa de frango, que tem como base um molho espesso com gemas e vinagre, o que lhe confere um perfil de sabor com uma acidez mais presente e uma textura mais aveludada. O acompanhamento é purê de batata.


Hoje, se pudesse fazer um prato especial do Dia das Mães para Maria Antonieta, Cristóvão prepararia o arroz de lagosta, que é servido no restaurante Turi. O prato é feito com arroz caldoso nutrido no caldo de lagosta e servido com uma lagosta inteira grelhada.


O chef sente falta de conviver mais com a mãe e gostaria que a sua filha, Catarina Laruça, de três anos, passasse mais tempo com a avó. Apesar da distância, eles têm contato quase diário pela internet e com os sabores portugueses nas refeições. Tudo tem um toque da mãe. “Minha mãe foi a pessoa mais importante da minha vida na minha formação. Se ela não tivesse sido como foi, eu não seria a mesma pessoa hoje.”

 

Herança celebrada

 

“A maior influência da minha mãe é que ela sempre teve um critério muito grande para escolher os ingredientes, ela é muito cuidadosa, tudo tem que ser muito fresco. A abobrinha tinha que ser de uma mercearia específica que ela gostava, o tomate tinha que estar em um ponto certo para a receita dela de tomate seco tradicional. Eu, como cozinheiro, sei que sem ingredientes bons não se faz comida boa. Esse esmero dela, esse cuidado na escolha dos ingredientes, sem dúvida, foi um legado”, conta Felipe Rameh, de 42 anos, ao falar da sua mãe, Maria Alice Rameh de Paula, de 67.


Nascido e criado na Zona da Mata mineira, o chef – que assina os cardápios dos restaurantes el MAI, em BH, e Tragaluz, em Tiradentes, e abre a sua casa, a Casa Floresta, para eventos – cresceu na simplicidade da roça, mas focado em conhecer o mundo. “A gente quando é menino novo não dá tanto valor às coisas do quintal, ficamos muito emocionados e impressionados com o que vem de fora, de outros lugares, de outros territórios e, às vezes, até de outros países e esquece de enxergar a riqueza cultural que tem debaixo dos pés da gente”.


Quando ficou mais velho, ele foi desbravar os territórios e as diferentes culturas que tanto almejava. Esteve por quatro anos em São Paulo e quase quatro anos fora do Brasil, no entanto, a saudade de casa e da família o chamou de volta.


“Um dia me caiu um entendimento, em um dos restaurantes em que trabalhava na Espanha, que eu conhecia mais da cozinha espanhola, da cozinha francesa e de outros países do que a cozinha do lugar em que eu nasci e fui criado. Senti uma necessidade urgente, quase uma sede, de voltar para a minha terra para me reconectar com a minha essência, com as minhas raízes, onde eu comi as primeiras coisas e absorvi as primeiras referências. Fiz uma ponte aérea Bruxelas/Muriaé depois de oito anos viajando.”


Com a avó de origem libanesa, Felipe cresceu num lar que sempre esteve muito conectado com os alimentos. Ter sempre uma mesa farta para compartilhar e para saborear com a mão é algo tradicional em sua família. Para eles, a comida é quase uma religião.


“As cozinhas no Líbano, todas elas, têm um sofá porque as preparações são muito demoradas, então as pessoas ficam ali, falando sobre a vida enquanto cozinham. A vida acontece muito na cozinha”, relembra. “Não tenho dúvida de que essa herança que a minha mãe teve do meu avô respingou em mim. Vivi isso na minha infância, um fascínio, uma relação muito íntima e muito rica que a minha mãe sempre teve com a comida. Um gosto por comer, isso me atravessou a vida inteira”.


Quando criança, seus pratos favoritos preparados pela mãe eram os doces. “Ela faz uma broa maravilhosa, o pão de queijo dela é delicioso, a torta de limão da minha mãe é maravilhosa, muitas mousses, bolo de mexeriquinha… Então, tenho mais essas lembranças dos bolos e doces”.


Agora adulto e experiente na gastronomia, é sua mãe que experimenta seus temperos. Dentro do seu menu, o prato favorito de Maria Alice é a couve-flor assada. “É uma couve-flor inteira, que, sendo orgânica, tem muito mais sabor. Então, traduz um pouco essa coisa do critério com o ingrediente e tem uma mistura de referências árabes muito fortes, que é um molho à base de tahine, iogurte, vai muita erva fresca, castanha de caju e sementes de romã. É um prato lindo, super saboroso, com muito contraste de sabor, muito fresco e nutritivo.”

 

Fricassê de frango à portuguesa

Caravela/Divulgação

 

Fricassê de frango à portuguesa
(Cristóvão Laruça)


Ingredientes

400g de sobrecoxa de frango; 1 cebola; 2 dentes de alho; 1 folha de louro; 3 gemas; 50ml de vinho branco; 350ml de caldo de frango ou água + 50ml de água; 30ml vinagre de vinho branco; 1/2 colher de sopa de farinha de trigo; 60ml de azeite; salsa a gosto; sal a gosto; pimenta branca a gosto


Modo de fazer

Aqueça o azeite numa panela. Assim que o azeite estiver bem quente, coloque as sobrecoxas de frango temperadas com sal e pimenta branca e deixe dourar bem de todos os lados. Assim que as sobrecoxas estiverem bem douradas, retire-as da frigideira e reserve. Junte então a cebola e o alho picados e louro no azeite onde dourou as sobrecoxas, e deixe refogar bem. Quando o refogado estiver pronto junte as sobrecoxas e refresque com o vinho branco, assim que o vinho reduzir pela metade, adicione o caldo de frango ou a água, tampe a panela e deixe cozinhar em fogo médio por 15 minutos. Assim que terminar o cozimento das sobrecoxas, retire novamente as com cuidado da panela. Dissolva então a farinha com 50 ml de água, junte ao molho que está na frigideira e vá mexendo até espessar o molho. Entretanto bata as gemas com o vinagre e com o fogo baixo, adicione ao molho, sem parar de mexer. Corrija os temperos e volte por fim com as sobrecoxas para o molho, envolva bem e deixe ferver ligeiramente sem que as gemas talhem. Finalize com a salsa repicada e sirva com um purê de batata.

 

Serviço

 

Ninita
Rua Bárbara Heliodora, 71, Lourdes
(31) 3292-4237

AA Wine Experience
Rua Curitiba, 2102, Lourdes
(31) 2527-6194

Turi
Ponteio Lar Shopping (BR-356, 2500, Santa Lúcia)
(31) 99339-9367

Caravela
Diamond Mall (Avenida Olegário Maciel, 1600,
3º piso, Lourdes)
(31) 99585-5804

Tragaluz
Rua Direita, 52, Centro, Tiradentes
(32) 3355-1424

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino

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