Fogo, brasa, lenha, fumaça, chama. Elementos capazes de transformar qualquer alimento. A partir das 14h de sábado, eles entram em ação durante o preparo dos mais diferentes tipos de pratos no Fuegos Festival, no Parque de Exposições da Gameleira, em Belo Horizonte. Nesta edição, serão 36 estações com 37 chefs e assadores. Destaque para a presença especial de Jefferson Rueda, do restaurante A Casa do Porco, em São Paulo, que vai apresentar cortes da raça de porco canastra ideias para churrasco.


“Tudo termina em churrasco”, resume Jefferson Rueda, que fica feliz de ver que, além de ser uma paixão nacional, o ritual de assar carnes passou a ocupar, definitivamente, seu lugar no mundo da gastronomia. A relação do chef com o fogo vem de criança. De São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo, ele cresceu “na barra da calça” do pai, que fazia churrasco com os amigos pela cidade. Tanto que abriu A Casa do Porco, em 2015, para resgatar essa memória de infância.

 

Depois de muitas pesquisas e testes, o chef Jefferson Rueda descobriu que os cortes de porco da raça canastra são mais indicados para churrasco

Porco Real/Divulgação


O restaurante – quarto lugar na lista dos 100 melhores da América Latina e 12º no ranking mundial pelo 50 Best – tem fogão a gás para fazer caldos e molhos, mas 80% dos preparos passam pelo fogo. A essência da cozinha está no fogo, na parrilla que começa a ser acesa, todos os dias, às 8h. O porco San Zé, a estrela do cardápio, está sempre por lá. “Isso faz toda a diferença. A carne assa ao mesmo tempo em que fica defumada.” Os cortes do porco caipira são servidos com salada de couve, farofa de cebola, tartar de banana e tutu de feijão.


A paixão de Jefferson pelo churrasco se soma ao amor pelo porco. No Fuegos, o chef vai unir esses dois mundos, mas de um jeito diferente do que faz no restaurante. BH terá a oportunidade de conhecer dois cortes da raça canastra, que, depois de muitas pesquisas e testes, descobriu-se ser mais indicada para preparar no fogo. “Você tem que olhar para o animal e saber o que quer dele. Com esse olhar, descobrimos um produto de altíssima qualidade para churrasco. A carne tem muito marmoreio (gordura entremeada)”, explica.

 

"O Fuegos é um culto à gastronomia no puro fogo, um tributo à cozinha rústica, a um conjunto de técnicas dos nossos primórdios." Marcelo Wanderley - idealizador e curador do Fuegos

Francisco Dumont/Divulgação

 

Sustentabilidade


O chef se envolveu com a criação de porcos muito antes de abrir A Casa do Porco. “Comecei a andar pelo interior atrás de um parceiro e conheci o Zé Luís, que criava só leitão”, conta, referindo-se ao seu sócio, José Luís Bertoletti, que está nesse ramo há mais de 30 anos e é descrito como um “encantador de porcos”. Jefferson conseguiu convencê-lo a criar porcos, e não leitão, falando muito sobre sustentabilidade, já que a vida dos animais não passava de um mês e meio. Um parêntese: A Casa do Porco ganhou esta semana a Estrela Verde do Guia Michelin, que homenageia restaurantes com iniciativas sustentáveis.


Antes de mais nada, o paulista sabia que precisava estruturar toda a cadeia produtiva e que o diferencial do seu restaurante seria o porco caipira. “Desde que cheguei a São Paulo, em 1997, nunca consegui comer um porco que era igual ao nosso, do interior.” Nesses anos, eles vêm resgatando e valorizando raças brasileiras, muitas que já estavam desaparecidas, com uma cuidadosa criação em sítio na cidade de Pardinho. Além do canastra, destacam-se moura, caruncho, sorocaba e piau.

 

Arroz de polvo da chef Fabiana Rodrigues

Fuegos/Divulgação


Jefferson conta que vem de uma família que sempre criou porcos. No dia de fazer o abate, era uma festa, cada parente levava um pedaço. E na sua casa tinha carne de porco quase todos os dias. Mas isso virou paixão mesmo com o trabalho como açougueiro, dos 15 aos 18 anos. “Se não tivesse ido embora de Rio Pardo para estudar gastronomia, teria virado açougueiro. Comecei a aprender a fazer linguiça, temperar pernil para assar, lidar com um lado mais de cozinheiro, não olhava só para a carne e me apaixonei pelo porco”, relembra.


Em São Paulo, ele percebeu que os restaurantes serviam codorna, faisão, perdiz, mas nada de carne de porco. Quando ainda estava no italiano Pomodori, começou a colocar linguiças no cardápio. Até assumir que levantaria essa bandeira com todo o empenho e dedicação no A Casa do Porco. Há quatro anos, além do restaurante e da criação dos animais, o chef comanda o açougue Porco Real, que produz tudo com o porco caipira, de embutidos a defumados e cortes variados da carne.

 

Só elogios


O público do Fuegos vai poder comer copa lombo grelhado e costela de porco da raça canastra. “Em todos os lugares onde faço esse porco, só recebo elogios, então acho que não vai ser diferente com os mineiros. É perigoso o mineiro querer a carne para ele de tão boa que é”, brinca Jefferson, que é apaixonado pela cozinha mineira, tão caipira quanto a sua do interior de São Paulo.


Aí vai o aviso para ninguém estranhar: o copa lombo, grelhado na brasa, sairá ao ponto ou mal passado. Há anos, o chef vem fazendo um trabalho de esclarecer mitos e verdades sobre a carne de porco e esse é um ponto importante.

 




“Podemos comer carne de porco crua, sim. Estamos aqui para mudar essas coisas, desmistificar e o mundo evoluiu, gente. Porco não é mais criado nas condições em que eram no passado. Vejo meu porco criado solto, com água de barro, sombra, no alto do morro, que vai dormir debaixo da árvore à tarde e tenho vontade de dormir com ele.” É interessante saber que o tartar de porco é o prato mais procurado no A Casa do Porco. Daqui a um mês, o menu degustação vai mudar, mas a carne crua tem que estar em alguma etapa.


Voltando ao Fuegos, a estação de Jefferson também servirá costela no fogo de chão. “Passa por um cozimento longo e sai desmanchando, desprende sozinha do osso”, descreve. De acompanhamento, para as duas carnes, canjiquinha de milho crioulo com couve tostada, receita criada pela chef Fabiana Rodrigues e que será executada durante o festival por Júlio César Jabur.


“O porco sempre foi o grande protagonista do evento, mas este ano, com o Jefferson Rueda, expoente da promoção dessa cultura, isso fica ainda mais evidente”, aponta o idealizador e curador do Fuegos, Marcelo Wanderley, ressaltando que o porco é a proteína que mais cresce em vendas em Minas Gerais e nós, mineiros, somos os maiores consumidores do Brasil.

 

Cupim no espeto


Paula Labaki vem de São Paulo também disposta a derrubar mitos e preconceitos. No seu caso, em relação ao cupim. “É um corte de nelore, extremamente macio, com bastante gordura, mas aconteceu que existia uma lenda de que a injeção do boi era dada no cupim. Mas não é verdade, é na anca. Além disso, com a entrada dos modelos de cortes americanos e argentinos, voltados para o angus, o cupim ficou esquecido”, analisa.

 

Do Pará, Saulo Jennings utilizará a técnica indígena piracaia para assar peixes, exatamente como se faz na Amazônia

Victor Schwaner/Divulgação


Há 15 anos trabalhando com churrasco, a chef tem um histórico de ousadia na escolha das técnicas (ela fez o primeiro varal de cupim do Brasil). Mas, dessa vez, decidiu voltar ao clássico com o cupim casqueirado. “Sempre estou em busca de conectar comida e memória. Quero que as pessoas se lembrem dos bons momentos dos churrascos em casa e o cupim é um clássico no Brasil.”


Segundo Paula, o cupim responde melhor a processos lentos de cocção, o que faz com que a gordura entranhe na carne, resultando em suculência e maciez. E é o que ela vai fazer: cozinhá-lo a baixa temperatura por cinco, seis horas. Depois, a carne é transferida para a churrasqueira tradicional, no espeto, e fica em contato com o fogo alto para que se forme uma casquinha (daí o nome casqueirado). Na hora de servir, a chef vai tirando as lascas.


Juntam-se ao cupim casqueirado dois acompanhamentos indispensáveis em qualquer churrasco: farofa e vinagrete. A chef escolheu servir farofa de cebola tostada e vinagrete de maçã verde, esse considerado um clássico da sua cozinha. Feito com tomate verde, fica bem diferente do tradicional.


Técnica indígena


Do Pará, Saulo Jennings tem tudo para surpreender assando peixes com uma técnica indígena, exatamente como se faz na Amazônia. Ao lado dele, estará Esmaelino dos Santos, conhecido como Maico, de origem borari, indígenas que habitam a região de Alter do Chão. O vilarejo de sete mil habitantes, onde o chef tem o restaurante Casa do Saulo, preserva hábitos e costumes dos povos originários, e é isso que ele quer mostrar.


“O meu objetivo é muito simples: que o brasileiro conheça o que é seu, original, sem influências europeias. Isso que vou servir é comida original brasileira da Amazônia. Quero mostrar para o Brasil que a nossa cultura, muitas vezes escondida ou chancelada como 'patinho feio' tem o seu valor”, pontua.


Na estação paraense, o público acompanhará o preparo de peixes no moquém, grelha artesanal construída com madeira. A técnica amazônica, de origem indígena, se chama piracaia (do tupi, pira peixe e caia fogo), ou seja, nada mais é do que grelhar a carne usando fogo. O tempo de cozimento depende do tamanho e da espessura do peixe. “É difícil de achar o ponto, mas ficamos especialistas nessa técnica de assar peixe em brasa com fogo alto. Já temos tanta habilidade que achamos em várias espécies e tamanhos de peixes. Esse é o desafio legal de uma técnica ancestral.”


Saulo vai trazer uma diversidade enorme de peixes da Amazônia, entre eles filhote, tucunaré, tambaqui e pirarucu, como se os indígenas estivessem cozinhando o que encontrassem nos rios. Para temperar, apenas sal e limão. Os peixes serão servidos com molho de tucupi e ervas e farofa de farinha de mandioca. “Vou usar várias ervas da Amazônia, chicória é uma delas, que é diferente da do Sudeste. É uma erva que uso muito na minha cozinha, dá um aroma muito gostoso”, comenta.


Tributo a Kiki


O Fuegos também promete emoções com a estação em homenagem a Kiki Ferrari, que será comandada por Felipe Galastro. Kiki, um entusiasta do churrasco, que participava de todas as edições, como assador e cozinheiro, morreu aos 41 anos no dia 24 de abril, coincidentemente Dia do Churrasco. Uma das “alamedas” do festival será batizada de Kiki Ferrari para ficar eternizado na história do evento.


Em memória do amigo e chef, Felipe vai preparar “costela de fogo de chão à moda Kiki Ferrari”. Traduzindo, vai cozinhar e defumar a carne no fogo e servi-la com o molho de pimenta e manteiga de garrafa Buffalo, da marca Chefn' Boss, criada por Kiki. A receita do acompanhamento também é dele: coleslaw (salada de repolho) tropical.

 

Nesta edição, Paula Labaki volta ao clássico com o cupim casqueirado, servido com farofa de cebola tostada e vinagrete de maçã verde

Victor Schwaner/Divulgação


Cozinha rústica


“O Fuegos é um culto à gastronomia no puro fogo, um tributo à cozinha rústica, a um conjunto de técnicas dos nossos primórdios. Quando falo em trazer as cinco regiões do Brasil para BH, é porque quero mostrar a força dessas culturas, desses territórios. Promovemos um intercâmbio com o que temos espalhados pelo país”, reforça Marcelo Wanderley. Além de reunir 37 chefs e assadores, a expectativa é de receber 3,5 mil pessoas.


Só para se ter uma ideia da diversidade, o festival reúne, em um único espaço, desde um búfalo inteiro, que será assado por Mário Portella, até varal de picanha, com Jimmy Ogro. Paulo Vasconcelos e André de Melo, do Bravo Catering, se apresentam com coração de pato, enquanto Antônio Marreta vai preparar cheeseburger defumado e Tainá Moura, do AA Experience, choripan com linguiça de costela.


Na linha das estações temáticas, como a indígena, de Saulo Jennings e Esmaelino dos Santos, Flávio Trombino vai cozinhar como os tropeiros da época da colonização, Fabiana Rodrigues vai preparar arroz de polvo em uma “praia”, com direito a coqueiro, e Babi Frazão vai servir galinhada com farofa de castanha de pequi em clima de fazenda.

 

Para todos os gostos

 

Quem disse que festival de churrasco só tem carne? O Fuegos vai oferecer ao público pratos para quem busca sabores diferentes e inesperados. De massas a vegetais, sanduíches e sobremesas. Não é para ninguém se sentir excluído dessa festa em torno do fogo.


A chef Sofia Marinho criou o fusilli com creme de abóbora defumada e legumes tostados exclusivamente para o festival. “Acho bem interessante e desafiador trabalhar com fogo. Sempre tento levar a mesma delicadeza e leveza da minha cozinha, então penso no fogo como meio de cocção, e não como algo bruto. O desafio é controlar as chamas e manter a temperatura”, destaca.

 

A padaria Du Pain participa novamente com os seus famosos croissants, mas, dessa vez, eles vão ser recheados com doce de leite

Victor Schwaner/Divulgação


A massa será cozida em caldeirão com água fervente e finalizada em panelão tipo paellera. Depois, envolvida em um creme de abóbora defumada. Ao lado, vários vegetais assados direto na brasa na parrilla, entre eles abobrinha, berinjela e cogumelos. Para finalizar o prato, queijo de búfala.


Jana Barrozo, do Cabernet Butiquim, vai usar o fogo para preparar pintxo (nome que se dá a petiscos espanhóis) de muçarela de búfala com alho-poró tostado, berinjela defumada, picles de alho e gel de cebola caramelizada. É para comer o espetinho em uma bocada. Já o sanduíche de goiabada e queijo é receita de Tiago Amaral, que tem padaria em Divinópolis, Região Centro-Oeste de Minas.


Na categoria sobremesas, Pedro Rodrigues, da Uiaê Sorvetes, resgata a banana split. “É uma sobremesa simples, mas deliciosa, que remete muito aos anos 1990, quando fazia muito sucesso.” Caramelizada na brasa, a banana será servida com sorvete supercremoso de iogurte grego. Glaucio Peron, da Doce da Roça, vai preparar doce de abóbora com lascas de coco defumado e suco de limão capeta em fogão de barro.


Ronaldo Souza, da Du Pain, participa de novo com seus famosos croissants, mas, dessa vez, eles vão ser recheados com doce de leite.

Arroz de polvo (Fabiana Rodrigues)

Ingredientes

1 polvo inteiro pesando cerca de 2kg limpo; 600g de camarões cinza M (eviscerados e sem rabo); 4 dentes de alho; 1 cebola picada em cubos médios/grandes; ½ cenoura picada em cubos médios/grandes; 2 ramos de tomilho fresco; 2 ramos de alecrim fresco; 2 folhas de louro; 700 ml de água; 1 pitada de generosa das 3 pápricas: doce, picante e defumada; 1 cebola picada em cubos pequenos; 2 dentes de alho; 1 pimentão vermelho; 150g de linguiça calabresa cortada em cubos; 250ml de vinho branco seco; 250g de molho de tomate; 400g de arroz parboilizado ou comum; caldo do cozimento do polvo; 100g de mini tomates italianos ou cereja picados no meio; salsinha picada ou coentro fresco a gosto; 600g de camarões cinza;
1 maço de brócolis rama; 2 colheres de sopa de manteiga


Modo de fazer

Em uma panela de pressão onde caiba o polvo e todos os outros ingredientes com folga, refogue o alho, a cebola, a cenoura e as ervas no azeite. Adicione o polvo e refogue até ele mudar de cor. Coloque a água fervendo e feche a panela de pressão. A partir do momento em que o vapor começar a sair pela válvula da panela, conte de 10 a 12 minutos de cozimento e desligue. Retire o polvo do caldo e reserve o caldo do cozimento para cozinhar o arroz (coe o caldo). Reserve. Em uma panela que possa ir à mesa, refogue a cebola, o alho e o pimentão vermelho no azeite. Refogue o brócolis separadamente. Acrescente a linguiça e, em seguida, o polvo cortado em pedaços. Adicione o vinho e deixe reduzir e evaporar. Acrescente o arroz, misture e cubra com o caldo do cozimento do polvo e o molho de tomate. Deixe cozinhar em fogo baixo, por 5 minutos, mexendo de vez em quando. Acrescente mais caldo, se necessário. Tempere os camarões com um fio de azeite, sal e pimenta-do-reino. Adicione os camarões e misture. Deixe cozinhar por 8 a 10 minutos. Quase no fim do cozimento do arroz, acrescente os tomatinhos. Acerte sal e pimenta-do-reino. Finalize com um fio de azeite e salsinha ou coentro. Se desejar, separe alguns tentáculos para grelhar na frigideira bem quente com um fio de azeite ou manteiga e utilize na finalização do prato. Sirva quente e bom apetite!

Serviço

Fuegos Festival 2024
Data: 25 de maio
Horário: das 14h às 22h
Local: Parque de Exposição da Gameleira (Avenida Amazonas, 6020, Gameleira)
Ingressosno site do Cumbucca

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