Logo que se formou em hotelaria, aos 18 anos, Aniello Cassese, o Nello, foi parar em um restaurante com uma estrela Michelin na Itália. Durou apenas nove meses. “Foi um impacto muito forte. Cheguei a questionar se queria continuar a ser cozinheiro tamanho o nível de exigência.” Era o caminho certo, mas no momento errado. Quinze anos depois, tendo passado por várias cozinhas estreladas, o chef italiano conquistava a sua própria estrela à frente do Cipriani, dentro do icônico hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Hoje ele aperta os cintos em busca da segunda.

 

Ninguém foge mesmo do seu destino. Assustado com o que tinha vivido, Nello mudou de direção e passou um ano trabalhando em serviço de catering e cozinhando na casa dos clientes. Até que sentiu que era a hora de voltar para aquele mundo desconcertante, mas que, no fundo, era onde queria estar. “Estavam me fazendo falta a disciplina, o respeito à hierarquia, às regras, aos processos, então decidi sair da Itália e ter experiências fora do país”, conta o chef, nascido em Nola, cidade na região de Nápoles.

 




Foram quase dois anos em Londres. Lá, ele entrou no grupo de Gordon Ramsay (que ficou famoso na TV por ser nada gentil com os participantes de um reality show) e passou por todos os restaurantes, de uma, duas e três estrelas Michelin (esse último com o nome do chef). Na sequência, teve a oportunidade de passar pelo duas estrelas Gordon Ramsay au Trianon, em Versalhes, na França. Depois voltou para a Itália, onde ficou por sete anos comandando o restaurante de um hotel em Castelnuovo Berardenga, na região da Toscana. O objetivo era conquistar mais uma estrela para o grupo de Gordon Ramsay.

 


Em 2016, quando sua primeira filha nasceu, Nello começou a repensar a carreira e tomou a decisão de deixar o emprego. Queria buscar outros desafios. Mal sabia que estava carimbando seu passaporte para o Brasil. Sem nunca ter pisado em terras brasileiras. Então, como ele veio parar no Rio de Janeiro? “Na época, era muito amigo do chef de um hotel em Florença, o Vito Mollica, que tinha recebido um grupo de jornalistas brasileiros e ouviu que estavam procurando um chef no Rio de Janeiro. Ele sabia que eu estava em busca de trabalho e me indicou”, explica.

 

Camarão carabineiro, abóbora, espuma de leite e salsa

Tomás Rangel/Divulgação


A vaga era para o restaurante Cipriani, aberto em 1994, cujo nome homenageia o luxuoso Hotel Cipriani, em Veneza. Inaugurado em 1923, ou seja, com mais de 100 anos de história, o Copacabana Palace já tinha uma estrela Michelin com o asiático Mee e queria conquistar mais uma com o italiano. De novo, as estrelas rondavam Nello. O chef aceitou a proposta com a condição de ter liberdade total de apresentar a culinária italiana do seu jeito, menos clássica e mais moderna, menos abrasileirada e mais autêntica.


Tudo novo


Aos 30 anos, Nello fez uma revolução no restaurante. Mapeou fornecedores para trabalhar com o máximo de produtos italianos. Desde molho do tomate san marzano, passando por queijo, azeite, arroz e avelã, até o culatello de Zibello. Zibello é uma cidade bem pequena perto de Parma e o culatello é considerado o rei da charcutaria na Itália, parte nobre da coxa do porco que passa por 24 meses de cura. Pensando também em qualidade, ele foi, aos poucos, trocando o a la carte com pratos clássicos pelo menu degustação, algo inédito na história do restaurante. Sua meta era ganhar a estrela em três anos, e conseguiu.


Em 2019, o Cipriani comemorava o tão sonhado reconhecimento no Guia Michelin. No ano passado, entrou também para a lista dos 100 melhores restaurantes da América Latina pelo 50 Best (ficou no 95º lugar). Mas nem pense que o caminho foi fácil. “Foi bem difícil. Cheguei ao Brasil sem falar português, deixando minha filha recém-nascida em casa todos os dias”, relembra, emocionado. “Era um jovem de 30 anos, a equipe tinha pessoas com mais de 50, que trabalhavam há muito tempo no mesmo restaurante, fazendo os mesmos pratos. Mudei tudo, o padrão, a operação, o jeito de pensar. Demorou, mas consegui.”


Segundo o chef, foi muito desafiador – para a equipe e para os clientes – entender a nova proposta de culinária contemporânea italiana. “Tivemos perdas e ganhos. Perdemos clientes antigos, mas também conseguimos conquistar um novo tipo de cliente, mais foodie, curioso, mais aberto a experimentar combinações diferentes”, avalia. Em paralelo, ele montou uma equipe disposta a lutar pelos mesmos objetivos.

 


Nesse mesmo ano, Nello se tornou chef executivo de todos os restaurantes do hotel (Cipriani, Mee, Pérgula e Bar da Piscina). Hoje ele ocupa a posição de diretor de culinária da rede Belmond na América do Sul, o que inclui, além do Copacabana Palace, o Hotel das Cataratas, em Cataratas do Iguaçu, e seis endereços no Peru. Mas não abre mão de continuar como chef do Cipriani. Foi o que o trouxe até o Brasil e ele sente que ainda tem muito a fazer. Conquistar a segunda estrela Michelin é um dos planos.

 
Consistência


Nello poderia muito bem se contentar com o que já conquistou, mas isso nunca passou pela sua cabeça. Exigente, organizado e disciplinado, ele não dorme no ponto. Até porque sabe que está sendo avaliado todos os anos e que o segredo está na consistência.

 

“A pior coisa é pensar que virei chef e cheguei ao meu limite. Apesar da minha posição, continuo a estudar sempre, a viajar para explorar restaurantes, ver o que está acontecendo daqui para fora, pegar inspiração, correr atrás das novidades, servir coisas novas e surpreendentes para os clientes. Tenho que me desafiar todos os dias, sair da zona de conforto. Só assim vou conseguir crescer, construir e evoluir.” Segundo ele, o esporte ajuda muito na concentração.

 


De olho na segunda estrela Michelin (atualmente, seis restaurantes brasileiros ostentam essa distinção), ele sabe que vem aí um baita desafio. “Subir mais um nível é ainda mais desafiador. Temos que encontrar quem queira fazer parte desse projeto. Sorte a minha que cinco pessoas da equipe estão comigo desde o início, toparam entrar nessa luta.” Da cozinha para fora, está prevista uma reforma para modernizar o salão e deixá-lo mais condizente com a proposta do chef, que é mostrar uma comida italiana à frente do tempo.


Bases italianas

 

Contemporânea e inovadora. É assim que Nello define a sua cozinha. Todas as receitas partem de bases italianas, mas o resultado sempre extrapola fronteiras. Tanto por se deixar influenciar por outros lugares pelo mundo quanto pela vontade de não se prender ao clássico. O que não se negocia é o respeito aos ingredientes, regra que os italianos seguem com rigor.

 

“Sou fã da culinária italiana tradicional e todas as vezes em que vou à Itália faço questão de comer em restaurantes típicos, mas aqui quero que as pessoas tenham uma visão mais aberta do que pode ser a cozinha italiana contemporânea”, pontua.

 

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No menu tem risoto, sim, mas não é qualquer risoto. Para começo de conversa, o chef utiliza arroz acquerello (o grão carnaroli envelhecido por sete anos). Ingredientes tradicionais, como molho de tomate e manjericão, misturam-se a preparos inesperados, entre eles emulsão de manteiga azeda, pó de tomate seco, gema de ovo curada e “panecotto”, que pode ser comparado a um creme de pão.

 

Contemporânea e inovadora: é assim que Nello Cassese define a sua cozinha, apresentada em um único menu degustação

Tomás Rangel/Divulgação


Sobre as diferentes influências, o prato com plin deixa isso bem claro. Plin é o nome que se dá ao tipo de fechamento de massas recheadas, um movimento de “beliscar” as pontas, típico da região do Piemonte. Lá, é comum usar uma mistura de três tipos de carne e repolho no recheio, mas Nello quis incluir na sua receita um sabor da Toscana. Daí veio o frango à cacciatore, tipo de ensopado comum na região onde trabalhou por anos. O chef ainda faz uma homenagem ao Brasil com o purê tostado de raízes brasileiras.


A forma de servir o camarão carabineiro prova que a sua cozinha tem beleza e delicadeza. No centro do prato, está o camarão carabineiro confitado. A espuma de leite em volta acompanha as curvas da louça, o que nos leva a enxergar as asas de uma borboleta. Além da mistura de cores e texturas, chama a atenção o uso de micro flores e brotos. “Desde que virei chef, meu estilo de culinária teve uma evolução artística, sem perder a parte mais importante, que é o sabor”, pontua o chef, que se inspira em todo tipo de arte.


Vale dizer que os pratos são desenvolvidos em parceria com a fábrica de porcelana portuguesa Vista Alegre. Tudo para que a experiência seja ainda mais bela e exclusiva.


Futuro no Brasil

 

Como sempre esteve muito focado no trabalho, o máximo que Nello visitou, fora do Rio de Janeiro, foi São Paulo e Bahia. Mas sabe que ainda tem muito para ver e experimentar. Minas Gerais é um dos destinos que estão na sua lista. Sobre o futuro, ele diz que não pensa em deixar o Brasil. “Ainda tenho muito para aprender, não só a nível profissional, mas no contato humano. Nesses oito anos, vi que as pessoas daqui enfrentam problemas e, mesmo assim, são felizes, cordiais e querem sempre ajudar. Isso vou levar comigo para sempre e quero tentar transmitir para as minhas filhas”, destaca.

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