Flávio Trombino, chef do Xapuri, um dos restaurantes mais tradicionais de comida mineira de Belo Horizonte, recorre a um questionamento de Eduardo Frieiro, no livro “Feijão, angu e couve”, para entrar na discussão sobre a origem do feijão-tropeiro: mineiro ou paulista?
O autor da obra pergunta se existe uma comida típica mineira e logo chega à conclusão: sim e não. O chef emenda: “O tropeiro é mineiro? A resposta é sim e não. Não, porque não é um prato exclusivo de Minas Gerais, tem tropeiro em São Paulo, Goiás, Paraná... Mas sim pela sua frequência aqui, pelo hábito. Em qual lugar do mundo se come tropeiro em estádio de futebol? Em qual lugar do mundo existe rodízio de tropeiro? Em qual lugar do mundo você anda pelo Centro da cidade e sai tropeçando em tropeiro nos botecos, bares e restaurantes? Em São Paulo, você tem que buscar tropeiro igual agulha no palheiro.”
O chef considera “descabido” dizer que tropeiro é paulista. E deixa claro que não está discutindo origem, mas pertencimento, e nesse ponto não há dúvida de que o tropeiro é mineiro. Se fosse seguir a teoria da “Paulistânia” ao pé da letra, diz que, então, que teríamos que chegar a Portugal. “Pai é quem cria. Quando as minhas filhas nasceram, corri no cartório e as registrei. Digo isso porque nós mineiros temos orgulho do tropeiro, reconhecemos ele como nosso. Não tivemos vergonha de ser caipira e valorizar o que é nosso.”
A receita do tropeiro do Xapuri é a mesma desde o início. Ou seja, estamos falando de um prato com 37 anos. Assim como aprendeu com uma de suas avós, Flávio usa banha de porco, feijão carioquinha (cozido com pertences do porco, entre eles pé), farinha de mandioca, linguiça da casa defumada no fogão a lenha, ovo e bacon.
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“O segredo do nosso tropeiro é fritar os ovos à parte na manteiga para que fique bem pedaçudo, e não muito mexido. Se você faz tudo na mesma panela e mexe demais, ele vai esfarelando e vira uma farofa. É um erro. Você tem que comer e sentir o ovo”, ensina.
Sempre fresco
Outro truque que vem da cozinha do Xapuri: lá eles não fazem um panelão de uma só vez. Fazem aos poucos, de panela em panela, para que a mistura esteja sempre fresca e bem molhadinha. Esse é um dos motivos, inclusive, de o restaurante não trocar o à la carte pelo bufê. Flávio defende que tropeiro é um prato para fazer e comer na hora.
“Quando você faz a comida e não serve imediatamente, tem que mantê-la em uma temperatura de segurança. Certos pratos, como o tropeiro, começam a ressacar. O que deixa o tropeiro untuoso e molhadinho são as gorduras, mas não posso ficar repondo gordura, senão ele fica pesado.”
O tropeiro é o acompanhamento oficial da “Costelinha da Sinhá”, prato com costelinha de porco, arroz branco, mandioca frita e couve. Mas muitos clientes pedem para substituir o feijão com caldo pelo feijão-tropeiro em outros pratos, ou então pedem uma porção à parte. “No nosso caso, o tropeiro é coringa. Pode ser degustado com lombo, costelinha, frango e filé. Em todos os pratos, existe a possibilidade de fazer a troca”, avisa o chef.
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Antes de encerrar a conversa, Flávio aponta mais um argumento para dizer que o tropeiro é mineiro: todo turista vem a Minas Gerais – e vai ao restaurante – querendo comer o prato. “Se fizermos uma enquete para saber o que está no imaginário das pessoas que visitam Minas, pedindo para citar três pratos mineiros, com certeza um deles vai ser o tropeiro. E se fizermos a mesma pergunta para o paulista, ele vai falar tropeiro também.”