Se pai é quem cria, também dá para dizer que é quem alimenta. E se ele for chef, como fica a relação dos filhos com a comida? Ouvimos três pais que comandam bares e restaurantes em Belo Horizonte para um papo sincero sobre a alimentação dos filhos, dentro e fora de casa. São muitos os desafios, mas, para quem tem a cozinha como paixão, nada mais saboroso do que apresentar aos filhos o mundo da gastronomia.
Chef do Caê e do Timbuca, Caetano Sobrinho sempre se preocupou com a alimentação da filha, Maria. Desde a barriga da mãe. Quando Erika engravidou, eles leram muito sobre neurociência e começaram desde cedo a treinar o paladar. “Do momento em que o feto começa a se formar até os quatro anos é o período em que se constrói a memória e o paladar da criança. Obviamente, ela não se lembra, mas estranha menos, fica mais aberta a experiências gastronômicas”, conta o pai, que não se esquece da cena da menina comendo chouriço de sangue no primeiro ano de vida.
Hoje com 10 anos, Maria passou, sim, pela fase de rejeitar certos alimentos, mas voltou a topar tudo. Não liga muito para “porcarias”. Aliás, não troca um prato de comida por hambúrguer. Quando tem a oportunidade de se sentar para comer da entrada à sobremesa, acha o máximo. É alucinada por comida asiática, em especial a japonesa. Se deixar, come todo dia. Até ostra encara com a maior tranquilidade. “Ela é uma máquina”, brinca o pai.
Seu paladar é tão diverso que ela nem come mais prato infantil em restaurantes. “A Maria não tem mais paladar infantil há muito tempo, ela já escolhe o prato dela”, destaca o pai, comemorando que a filha virou sua melhor parceira de comilança (a esposa não come carne). A família fez uma viagem recente para a África do Sul e Maria encarou de tudo, até menu degustação. Vai provando, sem medo. Entre as descobertas mais exóticas, carne de avestruz e carpaccio de kudu (um animal africano).
No dia a dia, a comida é de casa. Arroz, feijão, carne, uma verdura, um legume e salada. O que Maria ainda tem dificuldade de comer é jiló. “Hoje ela não gosta, mas acho que vai gostar, é uma questão de tempo. Sou alucinado por comida verde de quintal, então lá em casa sempre tem couve, jiló, almeirão, taioba”, diz Caetano.
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Normalmente, às sextas, antes de ir para a aula, a filha almoça no Caê. O programa se repete no sábado ou no domingo. O prato preferido de Maria já foi o medalhão de filé-mignon com tagliatelle na fonduta de queijo minas curado, mas faz tempo que ela só pede o filé ao poivre com arroz sujo no molho e cebola frita (coincidência ou não, esse é o prato mais vendido no restaurante).
Língua no cardápio
E olha que curioso, ela ama língua. Tanto que, no Timbuca, costuma comer a língua ao molho de vinho com cebola crocante e uma vez por semana tem que ter a carne no almoço em casa.
Maria cresceu dentro de restaurante. Quando nasceu, Caetano trabalhava no A Favorita. Depois, ela acompanhou a abertura do Caê. Pai e mãe tocam o negócio, então a filha sempre participa do dia a dia, mas Caetano não faz questão de levá-la para dentro da cozinha. No máximo, quando ela pede, ensina a fazer brownie e farofa em casa.
“Se ela quiser ser cozinheira, beleza, mas a última coisa que queria que a minha filha fizesse era mexer com restaurante. Se fosse só cozinhar, tudo bem, mas o buraco é muito mais embaixo. Acho muito complicado empreender no Brasil, então não forço.”
Caetano sempre trabalha no almoço de Dia dos Pais e Maria entende, sabe que isso faz parte da sua profissão. Então, o combinado é sair para jantar e comer japonês. Aí a felicidade fica completa.
Paladar seletivo
“Como vou contar que ele só come arroz, carne e rúcula, gosta mesmo de pizza e não aceita queijo de jeito nenhum?” Guilherme Melo, do restaurante Nuúu, já quis logo falar do seu desconforto com o assunto da conversa. Francisco, de sete anos, anda muito seletivo. Chegou ao ponto de recusar morango porque não quer comer os pontinhos pretos. O pai, chef de cozinha, que gosta como ninguém de conhecer novos ingredientes, misturar sabores e montar mesas fartas, fica frustrado, mas sabe que é uma fase.
Guilherme cozinha para Francisco desde bebê e cuidou para que ele comesse de tudo. Acompanhava de perto as descobertas e ficava feliz de ver que o filho aceitava qualquer alimento. Podia não gostar, mas provava. Até que, dos quatro para os cinco anos, tudo mudou. Atualmente, poucos alimentos passam pelo seu crivo. Fora carne, arroz e rúcula, ele aceita algumas poucas verduras e resiste a qualquer legume no prato. Ama pizza, mas só se tiver tomate. Ama tomate, mas não come macarrão com molho vermelho. Queijo tem que estar derretido.
“Estamos numa fase de muita conversa e tentativa de convencimento para conseguir oferecer a ele uma alimentação variada. Sempre falo que tem que ter cinco cores no prato. Quando sou eu que faço a comida, ele até topa provar, mas é claro que existe uma negociação. Explico que ele não precisa gostar, mas, se não provar, não vai poder comer a sobremesa”, conta.
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O pai não desiste. Se montar pratos de forma divertida não dá certo, então eles vão para a cozinha. De vez em quando, Guilherme e Francisco colocam a mão na massa juntos, fazem pizza e bolo. O plano é sempre tentar ampliar os sabores, mesmo que o resultado seja frustrante. Com paciência, continua insistindo. O momento de montar a merenda para a escola acaba sendo de aprendizado. Apesar de nem sempre comer tudo, o menino sabe que tem que ter uma fruta, um salgado, um doce e um suco.
“Às vezes, vejo filhos de outros cozinheiros comendo de tudo e fico até com ciúmes. Queria muito que ele fosse assim”, confessa, esperançoso de que essa fase vai passar.
Louco por doce
Quando vai ao restaurante, nem o prato infantil completo, com arroz, feijão, filé de boi ou frango, batata frita e salada, Francisco come. Só aceita arroz, carne e couve refogada. Mas é apaixonado por doces e come a sobremesa inteira. E não é qualquer uma, não. Todas as vezes, pede a mesma, a torta Baked Alaska, com pão de ló e sorvete de doce de leite cobertos com merengue queimado (e ainda tem meia banana assada ao lado). Seu interesse maior é pelo marshmallow da cobertura.
Segundo o chef, outro desafio é fazê-lo esperar a comida no restaurante sem tablet ou celular. Francisco costuma reclamar de tédio, mas Guilherme faz como aprendeu com o pai. “Sempre me lembro, de quando era criança, com aquela ansiedade de comer logo, que meu pai falava: quando você vai ao restaurante, tem que esperar a comida. Vamos ter um momento em família, de conversa até a comida ficar pronta. Isso é muito legal, em um mundo cada vez mais acelerado, mostrar que tudo tem seu tempo, inclusive a comida.”
Um dia, Guilherme perguntou para o filho: será que você vai querer ser cozinheiro como o papai quando crescer? A resposta estava na ponta da língua. “Papai, já tenho uma profissão, sou youtuber”, conta, rindo. O menino se referia ao canal que a mãe havia criado para ele. Ainda é cedo para qualquer escolha, mas o chef quer que o filho tenha gosto pela comida.
Interesses opostos
Cecília tem 17 anos e Miguel, 11. Os irmãos são os opostos quando o assunto é comida. Enquanto ela come de tudo e evita cozinhar, ele resiste a experimentar novos pratos e diz que vai ser cozinheiro. Cada um ao seu jeito, os dois têm uma relação muito próxima com a gastronomia, afinal, são filhos do chef André Paganini e frequentam o bar Chico Dedê desde criança.
André brinca que Miguel é o “rei do carboidrato”. Se pudesse, só comeria arroz, farofa, batata frita, batata palha e lasanha, tudo no mesmo prato, mas o pai não deixa, claro. Para não ser injusto, diz que agora ele está aceitando experimentar comidas diferentes, incluindo legumes, mas salada, definitivamente, não é o seu forte. O menino prefere mesmo hambúrguer, pizza, sorvete e comida japonesa, paixão que compartilha com a irmã.
De uns tempos para cá, o filho resolveu que vai ser cozinheiro e está sempre no fogão. Vira e mexe se inscreve em cursos. Muitas vezes, sai da escola com uma receita na cabeça e passa no supermercado para comprar os ingredientes. Faz de tudo, de costelinha ao molho barbecue com batatas assadas até pudim de leite condensado. “Ele só me pergunta o tempo de forno, quanto graus, mas faz tudo sozinho. Tempero é com ele, e fica bom de verdade.”
Miguel vai para o bar com o pai praticamente todo sábado e assume sozinho a praça dos petiscos. Do preparo à finalização. O pai acha bonito ver como ele entende que ali a relação é diferente e respeita a hierarquia. Em casa, deixa a cozinha revirada depois de fazer um bolo, mas lá mantém a bancada limpa e organizada, sabe da sua responsabilidade.
“Não era o que eu queria para ele, porque a vida de cozinha é muito difícil, desgastante, são muitas horas trabalhadas, mas, quando chego em casa e vejo ele dormindo em cima de um livro de cozinha, sei que agora não tem mais jeito, tenho que apoiar”, desabafa.
Do que tem no cardápio do Chico Dedê, o menino gosta mesmo de filé com fritas, e bem passado, para a decepção do pai (no meio da gastronomia, comer carne bem passada é considerado um “crime”). Dificilmente, arrisca uma novidade. Outro dia, aceitou experimentar o bolinho de queijo frito que acompanha a linguiça gratinada com queijo minas e o chutney de cebola roxa. Gostou, mas não troca seu filé com fritas.
Até menu degustação
Nas palavras do pai, Cecília até cozinha bem, só que evita o fogão. Por outro lado, é a melhor companhia para sair para jantar. Se tiver que escolher, ela fica entre salada, comida japonesa e churrasco, mas topa viver experiências diferentes, até menu degustação. “Ela gosta muito de experimentar. Já comeu ostra, não gostou, tentou de novo e viu que não gostava mesmo”, conta André.
Aos fins de semana, quando precisa, a adolescente assume o caixa e atende mesas no Chico Dedê. Entre seus pratos preferidos do cardápio, estão a costela de boi em baixa temperatura com batatas bolinhas na manteiga e cebola roxa marinada e o pirarucu grelhado ao molho de limão e mil-folhas de batata.
O momento da refeição é sagrado em casa. André acorda cedo para preparar o café da manhã e se sentar à mesa com os filhos antes da escola. O mesmo ritual se dá na hora do almoço, quando eles se reencontram para comer juntos. Só no jantar que o pai não está presente, porque sai para trabalhar.
“Não é nada romântica essa rotina, às vezes chego 2h da manhã e acordo às 5h50, mas gosto de cozinhar para eles e sentar na mesa com eles. Fazemos muita questão de comer juntos. É a hora de conversar, falar o que tem que ser falado, distribuir obrigações, e eles já esperam esse momento.”
Anote a receita: Língua ao vinho com cebola crocante
Por: Caetano Sobrinho – Timbuca
Ingredientes
- 6 unidades de língua
- 3 cebolas
- 3 cenouras
- 2 alhos-porós
- 2 talos de salsão
- 200g de tomate italiano pelati
- 3 cebolas cortadas em meia lua
- 200g de farinha de trigo
- 500ml de vinho tinto
- 2 litros de óleo
- 100ml de azeite
- sal
- pimenta-do-reino
Modo de fazer
- Peça ao açougueiro que limpe e retire a pele da língua.
- Tempere a carne com sal e pimenta-do-reino.
- Em uma panela grossa, sele as línguas com azeite, até que estejam douradas.
- Assim que estiverem completamente seladas, reserve.
- Na mesma panela, adicione os legumes (cebola, alho-poró, salsão e cenoura) e repita o processo até que estejam dourados.
- Acrescente o tomate pelati e o vinho aos legumes.
- Deixe o álcool do vinho evaporar e volte com as línguas para a panela.
- Deixe cozinhar até que as línguas estejam completamente cozidas.
- Coe o caldo e descarte os legumes.
- Se necessário, engrosse o caldo do cozimento com farinha de trigo.
- Passe as cebolas cortadas em meia lua na farinha de trigo.
- Em uma panela funda com óleo (não muito quente), frite as cebolas até que dourem.
- Coloque em um papel absorvente para reter o excesso de gordura.
- Tempere com sal e pimenta-do-reino.
- Sirva a cebola em cima da língua.
Serviço
Caê (@caerestaurantebar)
Rua Outono, 314 – Sion
(31) 2528-2244
Timbuca (@timbucabar)
Avenida Afonso Pena, 4321 – Serra
(31) 3646-4321
Nuúu (@nuuurestaurante)
Rua Arturo Toscanini, 41 – Savassi
(31) 3311-9410
Chico Dedê (@chicodede)
Rua Francisco Deslandes, 436 – Anchieta
(31) 99453-3041